terça-feira, 26 de junho de 2012

Os sistemas estaduais de ensino gastam em média R$ 1,7 mil/ano com os jovens do Ensino Médio. Um jovem em uma instituição como a Fundação Casa custa R$ 1,7 mil/mês. Então ele fica 12 vezes mais caro quando vai para o sistema prisional.


ECONOMIA
Wanda Engel: "O Ensino Médio é uma bomba-relógio"

Para a superintendente-executiva do Instituto Unibanco, os altos índices de evasão causam uma perda de capital humano para o Brasil - Wanda Engel está à frente do Instituto Unibanco desde 2006.

Ela não se cansa de dizer que o Ensino Médio no Brasil é uma "bomba-relógio". Na entrevista concedida ao Educar para Crescer, a superintendente-executiva do Instituto Unibanco, Wanda Engel, repetiu a expressão ao menos cinco vezes. "É uma bomba-relógio econômica e social. Econômica porque está causando um apagão de mão-de-obra. E é uma bomba-relógio social porque essa juventude que não tem condições de ser incluída pode virar um elemento de aumento de violência", explica a doutora e mestre em Educação.

Desde 2006, Wanda está à frente do Instituto, que tem como seu foco principal justamente a melhoria do Ensino Médio público, considerado estratégico tanto para a formação e inserção das novas gerações no mercado de trabalho quanto para a diminuição da pobreza e da desigualdade e para o desenvolvimento sustentável do país.
Entre os projetos do Instituto, destacam-se o Jovem de Futuro, que oferece apoio técnico e financeiro às escolas que aderirem ao desafio de atingir metas estabelecidas, e o Entre Jovens, que dá reforço escolar a alunos da primeira série do Ensino Médio de escolas públicas de Ensino Médio, por meio de um programa de tutoria.

Wanda, que foi ministra de Estado de Assistência Social entre 1999 e 2002, fala aqui sobre a crise de audiência do Ensino Médio no Brasil. Para ela, parte da sociedade ainda não percebeu a importância de finalizar a Educação básica. "Apenas 50% dos jovens que deveriam estar no Ensino Médio realmente estão. Esse índice só seria aceitável em uma sociedade industrial ou agrícola."

Quais são os desafios do Ensino Médio hoje no Brasil? 
O maior desafio é fazer as pessoas se darem conta da importância do Ensino Médio. Talvez a sociedade não tenha se dado conta, o jovem não tenha se dado conta, a família do jovem não tenha se dado conta da importância de a juventude do país acessar e terminar o Ensino Médio. De preferência, aprendendo. O ensino médio hoje é uma bomba-relógio.

Por que a sociedade não percebe a importância do Ensino Médio?
Porque a expansão do Ensino Médio é muito recente. Então, se você for analisar a situação, parece legal. Antigamente nem 15% dos jovens estavam no Ensino Médio, agora 50% estão. Provavelmente esse jovem vai ser o primeiro membro da família a acessar o Ensino Médio ou chegar perto dele. Parece um filme legal. Só que esse filme poderia ser aceitável numa sociedade industrial ou numa sociedade agrícola, num país com outro nível de desenvolvimento. Para o Brasil, que está entrando na chamada sociedade do conhecimento, isso é uma péssima notícia. As pessoas não se deram conta de que, para encontrar um emprego digno hoje, é preciso ter Ensino Médio. Quem não tem só consegue subemprego ou emprego no mercado marginal.

O que você quer dizer quando fala em bomba-relógio?
O jovem que abandona o Ensino Médio deixa de ser cliente das políticas de Educação e passa a ser cliente das políticas de assistência. Vai ser beneficiário do Bolsa-Família ou das políticas de segurança pública. Vai ser o beneficiário do sistema prisional brasileiro. Os sistemas estaduais de ensino gastam em média R$ 1,7 mil/ano com os jovens do Ensino Médio. Um jovem em uma instituição como a Fundação Casa custa R$ 1,7 mil/mês. Então ele fica 12 vezes mais caro quando vai para o sistema prisional.

Então é uma bomba-relógio para a economia do país? 
Econômica e social. Econômica porque está causando um apagão da mão-de-obra. E é uma bomba-relógio social porque essa juventude que não tem condições de ser incluída pode virar um elemento de aumento de violência, de aumento de atividades marginais.

E os jovens que entram no Ensino Médio, mas não conseguem concluí-lo?
A bomba-relógio se completa com o fato de que, dos que entram, metade morre na praia. E essa metade que morre na praia vai ser a maior vítima do desemprego. Tem mais desemprego nesse grupo do que no grupo de quem fez até as quatro primeiras séries do Ensino Fundamental. Porque quem chegou até o Ensino Médio não aceita qualquer emprego. Já o país deixa de usufruir da produção dessa enorme quantidade de jovens, que poderia ser uma riqueza para o país. Se todos esses jovens começassem a produzir no mercado de trabalho, esse país explodiria. Explodiria para o bem. Nós estamos perdendo capital humano.

Qual é o resultado dessa perda de capital humano? 
O Brasil vai perdendo competitividade à medida que a sua população economicamente ativa não tem esse nível de escolaridade. E hoje essa perda de competitividade já começa a aparecer em algumas regiões do Brasil em que a oferta de emprego já é maior do que o número de jovens com condições de chegar a esse emprego. É o apagão de mão-de-obra. O país perde competitividade internacional e o jovem perde a oportunidade de ser inserido.

Como atacar esse problema?  
Acesso, permanência e conclusão do Ensino Médio. Isso pode aumentar a inserção dos jovens e pode ser o elemento de quebra do ciclo inter-geracional de pobreza. A pobreza é um fenômeno que se produz e se reproduz. O único instrumento para cortar isso é a Educação. E, na Educação, o instrumento mais eficaz é a conclusão do Ensino Médio.

Por que os jovens estão abandonando o Ensino Médio? 
É uma grande pergunta. Uma pesquisa revelou que 27% abandonam por necessidades econômicas e 40% por falta de interesse. Uma pequena parcela abandona por falta de acesso.

Como resolver a evasão? 
Para cada um dos motivos apontados, tem um remédio. Para o problema da falta de condições econômicas, uma possibilidade já existe é a inclusão do jovem no Bolsa-Família. Em 2007, o programa foi estendido para jovens de 15 a 17 anos e os dados mostram que já houve um aumento do número de jovens nessa faixa etária que está na escola. O problema é que o dinheiro do Bolsa-Família, como o próprio nome diz, vai para a família. Poderíamos pensar em alternativas para o dinheiro ir para o jovem. Poderíamos ter um grande programa de monitoria, como existe na universidade. O jovem é monitor de um professor, ganha um dinheirinho e trabalha na própria universidade. O programa de monitoria no Ensino Médio poderia ser muito legal. O jovem poderia ganhar R$ 100, o que já faz a maior diferença. Às vezes ele larga a escola para trabalhar por um salário de R$ 100.

O Programa Jovem Aprendiz não seria uma alternativa também? 
Sim. O programa é uma grande janela de oportunidade, que as pessoas não estão utilizando. O Jovem Aprendiz poderia ser um instrumento fantástico de diminuição de evasão. As empresas não gostam do programa, pois acham que é só cumprimento de cota, quando ele poderia ser uma forma de responsabilidade social, uma forma de contribuir para esse jovem permanecer na escola.

Trabalhar nessa idade não atrapalha os estudos? 
Como o jovem do Ensino Médio está justamente nesse momento de entrada na idade adulta - e entrar na idade adulta é entrar no mercado de trabalho -, quanto mais ele conseguir perceber o nexo entre Educação e trabalho, mais as coisas fazem sentido para ele. Hoje apenas 10% do Ensino Médio é profissionalizante. Não podemos querer que seja 100% profissionalizante, mas algum nexo entre Educação e trabalho, é preciso ter. Esse nexo pode ser uma monitoria, em que ele trabalha dentro da escola, ou um Jovem Aprendiz, em que ele trabalha fora da escola. Mas o importante é eu sejam no máximo quatro horas diárias de trabalho.

E o que causa a falta de interesse do jovem pela escola?  
Pode ser falta de condições acadêmicas. Ele não aprendeu nem fração e vão tentar ensinar para ele física e química. Ele acha que aquilo não é para ele e vai embora. Pode ser o fato de a escola estar preparando para a universidade. E muitos sabem que não vão para a universidade. Então o currículo da escola está totalmente fora da realidade dele. Pode ser que a escola seja uma porcaria mesmo. Ou pode ser que ele tenha perdido a perspectiva de futuro. A escola pode ser ótima, mas ele perdeu isso. A violência, somada à pobreza, acaba matando o sonho de futuro desses jovens. Cada uma dessas quatro coisas precisa de um remédio específico.



E quais seriam os remédios para a evasão?  
Para a falta de condições, é preciso melhorar o Ensino Fundamental ou dar um reforço para o aluno ao final dessa fase. Trabalhamos isso no Entre Jovens, que dá conta do prejuízo no 1º ano do Ensino Médio.
Para a questão curricular, é preciso fazer um currículo mais flexível, que permita que o aluno direcione os estudos para uma área da qual ele gosta mais. A qualidade da escola é uma coisa mais complexa, que nós estamos tentando resolver com o Jovem de Futuro. E como reconstruir a ideia de futuro com esse jovem? Também estamos trabalhando um pouco nesse sentido. Criamos um kit de material didático que se chama Construindo o Futuro. Ele é parte do livro de um livro do Eduardo Gianetti, O Valor do Amanhã, para tentar mostrar para esse jovem que ele tem futuro. Também temos uma publicação chamada Convivência Cidadã, que tem o objetivo de tentar melhorar um pouco o clima da escola, que hoje é baseado na discriminação. Quem é um pouco fora do padrão sofre com o bullying e com a violência.

O clima da escola também contribui para a perda de interesse?
É claro que sim. Está dentro da questão da qualidade da escola. Tem vários fatores que influenciam na qualidade da escola: professor que vai, aluno que vai, professor que ensina, aluno que aprende e um clima favorável. Essas são as qualidades de uma escola. Um clima favorável a que o professor frequente, a que o aluno frequente, a que um ensine e outro aprenda. O clima é fundamental.