quarta-feira, 24 de abril de 2013

O porque da greve


AOS PAIS, ESTUDANTES E TODA A SOCIEDADE
Os professores estaduais estão em greve por reajuste salarial, pela jornada do piso, por condições de trabalho, pelo fim da precarização do trabalho (categoria “O”), contra a privatização do Hospital do Servidor/IAMSPE, por uma jornada de trabalho que nos permita estudar e outras reivindicações.
A Greve é necessária porque o Governo Estadual não negocia e não atende nossas reivindicações. Sem negociar, decidiu propor um irrisório reajuste de 2%, mas diz que é 8%, sendo que na verdade 6% já estavam previstos desde 2011. O reajuste de 2% significa apenas 19 centavos por hora-aula para o PEB I e 22 centavos por hora-aula para o PEB II.
No mínimo o Governo deveria, além dos 2% dar mais 5% referentes ao que nos ficou devendo em 2012, ou seja, deveria nos conceder agora 13,5%.
As más condições de trabalho, jornadas estafantes, violência nas escolas e outros fatores têm provocado o adoecimento e a falta de professores nas escolas. Os estudantes e suas famílias estão sendo há muito prejudicados. A luta, portanto, é de todos.
Apóie nossa luta, ela é de interesse de toda a sociedade. Ajude-nos a pressionar o Governo Estadual a negociar e atender nossas reivindicações.

segunda-feira, 22 de abril de 2013

A ÉTICA EM EPÍCURO


A Ética em Epicuro

Epicuro - O criador dos quatro remédios para alcançar a felicidade
A doutrina de Epicuro surgiu em um momento de insatisfação com a condição das Cidades-Estados gregas. A vida social na Polis era leviana e marcada pela injustiça social. O poder se concentrava nas mãos de poucos: a aristocracia urbana. Não havia felicidade entres os homens no contexto social, no qual as pessoas se interessavam estritamente pelas riquezas e pelo poder; no contexto religioso, no qual predominava a superstição, a religião tornou-se servil, cercada de mitos e ritos sem significação e também crescia a procura por oráculos e a crença em adivinhações. As pessoas gozavam dos prazeres mais supérfluos advindos das riquezas e, assim, eram relativamente felizes, pois estavam se esquecendo do que realmente proporciona a felicidade. Foi a partir disso que Epicuro criou sua doutrina contra a superstição e os bens materiais, voltada para uma reflexão interior e busca da verdadeira felicidade.

Essa doutrina é dividida em canônica, física e ética. Porém, as duas primeiras partes são esclarecimentos para a fundamentação da ética, visto que as ciências naturais só são importantes na medida em que servem de auxílio à moral. Nenhuma teoria é válida se não possuir um objetivo moral, o qual não possa ser aplicado na vida prática. A finalidade de sua ética consiste em propiciar a felicidade aos homens, de modo que essa possa libertá-los das mazelas que os atormentam, quer advenham de circunstâncias políticas e sociais, quer sejam causadas por motivos religiosos.
A Felicidade é alcançada por meio do controle dos medos e dos desejos, de maneira que seja possível chegar à ataraxia, a qual representa um estado de prazer estável e equilíbrio e, consequentemente, a um estado de tranquilidade e a ausência de perturbações, pois, conforme Epicuro, há prazeres maus e violentos, decorrentes do vício e que são passageiros, provocando somente insatisfação e dor. Mas também há prazeres decorrentes da busca moderada da Felicidade.
Segundo Epicuro, a posse de poucos bens materiais e a não obtenção de cargos públicos proporcionam uma vida feliz e repleta de tranquilidade interior, visto que essas coisas trazem variadas perturbações. Por isso, as condições necessárias para a boa saúde da alma estão na humildade. E para alcançar a felicidade, Epicuro cria quatro “remédios”:
1. Não se deve temer os deuses;
2. Não se deve temer a morte;
3. O Bem não é difícil de se alcançar;
4. Os males não são difíceis de suportar.
De acordo com essas recomendações, é possível cultivar pensamentos positivos os quais capacitam a pessoa a ter uma vida filosófica baseada em uma ética. A felicidade se alcança através de poucas coisas materiais em detrimento da busca do prazer voluptuoso. O homem ao buscar o prazer procura a felicidade natural. No entanto é necessário saber escolher de modo que se evite os prazeres que causam maiores dores; quando o homem não sabe escolher, surge a dor e a infelicidade.
O sábio deve saber suportar a dor, visto que logo essa acabará ou até mesmo as que duram por um tempo maior são suportáveis. A conquista do prazer e a supressão da dor se dão pela sabedoria que encontra um estado de satisfação interna. A virtude subordinada ao prazer só pode ser alcançada pelos seguintes itens:
Inteligência – a prudência, o ponderamento que busca o verdadeiro prazer e evita a dor;
Raciocínio – reflete sobre os ponderamentos levantados para conhecer qual prazer é mais vantajoso, qual deve ser suportado, qual pode atribuir um prazer maior, etc. O prazer como forma de suprimir a dor é um bem absoluto, pois não pode ser acrescentado a ele nenhum maior ou novo prazer.
Autodomínio – evita o que é supérfluo, como bens materiais, cultura sofisticada e participação política;
Justiça – deve ser buscada pelos frutos que produz, pois foi estipulada para que não haja prejuízo entre os homens. Enfim, todo empenho de Epicuro tinha como meta a felicidade dos homens. Nos jardins (comunidade dos discípulos de Epicuro) reinava a alegria e a vida simples. A amizade era o melhor dos sentimentos, pois proporcionava a correção das faltas uns dos outros, permitindo as suas correções. Com isso, a moral epicurista é baseada na propagação de suas ações, pois ele não se restringiu apenas ao sentimento e ao prazer como normas de moralidade, mas foi muito além de sua própria teoria, sendo o exemplo vivo da doutrina que proferia.
Prof. Manoelito

A MORAL DO DEVER - KANT


A moral do dever em Kant

 A doutrina moral de Kant é independente de qualquer sentido religioso. Sua moral exclui a noção de intenção como elemento de uma alma pura, e o dever não é uma obrigação a ser seguida em virtude de um ente superior. Intenção e dever (em Kant) dependem do sujeito epistemológico (eu transcendental) e não do eu psicológico (indivíduo). Para Kant, o sujeito transcendental trata-se de uma maquinaria (aparelho cognitivo) subjetiva, universal e necessária (presente em todos os homens, em todos os tempos e em todos os lugares). Assim, todo ser saudável possui tal aparato, formado por três campos: a razão, o entendimento (categorias) e a sensibilidade (formas puras da intuição-espaço e tempo).
Em Kant, a razão (faculdade das idéias) é que preserva os princípios que articulam intenção e dever conforme a autonomia do sujeito. Desse modo segue-se que tais princípios não podem ser negados sem autocontradição. Daí deriva a idéia de liberdade kantiana, de um caráter sintético a priori, sendo que sem liberdade não pode haver nenhum ato moral; para sermos livres, precisamos ser obrigados pelo dever de sermos livres.
-O imperativo categórico
O comando moral que faz com que nossas ações sejam moralmente boas, se expressa no imperativo categórico: “age só segundo máxima tal que possas ao mesmo tempo querer que ela se torne lei universal” (FMC, 2004, p.51). Essa lei está atada à razão pura prática. Todo sujeito é racional (tem raciocínio lógico), por isso tem condição de sujeito moral, dotado de normas. Exercer uma ação contrária levaria ao absurdo. O exemplo que Kant nos dá (FMC) a respeito da mentira é o mais conhecido. Poderia alguém mentir em benefício próprio, de um ente querido, ou mesmo em favor da humanidade? Kant, nos diz não, pois a mentira jamais poderia ser universalizada sem autocontradição:
(...) pois, segundo essa lei, não poderia haver propriamente promessa alguma, já que seria inútil afirmar a minha vontade quanto a minhas futuras ações, pois as pessoas não acreditariam em meu fingimento, ou, se precipitadamente o fizessem, pagar-me-iam na mesma moeda. Portanto, a minha máxima, uma vez arvorada em lei universal, destruir-se-ia a si mesma necessariamente (Kant, FMC, 2004, p.31).
Desse modo, cada sujeito, tem um alarme acionado na sua consciência moral (com a razão pura prática funcionando), que evidencia essa contradição, alertando que essa ação deve ser refutada, visto que essa ação não pode servir para todos. Assim, consultando a razão pura prática (como deveria alguém agir na minha situação?), constataremos que se todos se utilizassem dessa ação, o mundo seria um verdadeiro caos.
O imperativo categórico em Kant é uma forma a priori, pura, independente do útil ou prejudicial. É uma escolha voluntária racional, por finalidade e não causalidade. Superam-se os interesses e impõe-se o ser moral, o dever. O dever é o princípio supremo de toda a moralidade (moral deontológica). Dessa forma uma ação é certa quando realizada por um sentimento de dever. A razão é a condição a priori da vontade, por isso independe da experiência.

-Diferenças entre os imperativos
Todos os imperativos ordenam, e são fórmulas para exprimir as relações entre as leis objetivas do querer em geral, e a discordância subjetiva da vontade humana.
Imperativo é hipotético: no caso de a ação ser apenas boa como meio para qualquer outra coisa, ou seja, em vista de algum propósito possível ou real.
A habilidade na escolha dos meios para atingir o maior bem-estar próprio pode-se chamar sagacidade. Por exemplo, a escolha dos meios para alcançar a própria felicidade (não é um ideal da razão, mas da imaginação), continua sendo um imperativo hipotético (considerados mais como conselhos).
Imperativo Categórico: não é limitado a nenhuma condição, é um mandamento absoluto (necessário), vale como princípio apodíctico-prático (da razão).
Segue-se que somente o imperativo categórico equivale a uma lei prática, e os outros imperativos podem ser denominados de princípios da vontade, mas não leis. Pois, conforme nos diz Kant “o mandamento incondicional não deixa à vontade nenhum arbítrio acerca do que ordena, só ele tendo, portanto, em si, aquela necessidade que exigimos na lei” (FMC, 2004, p. 50).
-As fórmulas do Imperativo Categórico
Além da fórmula da universalidade da lei, que vimos no que foi exposto anteriormente temos duas outras fórmulas: *baseada na humanidade como fim: Kant afirma que todo o ser racional, existe como fim em si mesmo, e não apenas como meio para uso arbitrário desta ou daquela vontade. Assim o imperativo prático será o seguinte: “age de tal maneira que possas usar a humanidade, tanto em tua pessoa como na pessoa de qualquer outro, sempre e simultaneamente como fim e nunca simplesmente como meio” (FMC, 2004, p. 59).
*baseada na vontade legisladora universal: a vontade da ação deve ser vista como um dever, ou seja, a idéia da vontade de todo ser racional concebida como vontade legisladora universal. Segundo esse princípio, Kant afirma: A vontade não está, pois, simplesmente submetida à lei, mas o está de tal maneira que possa ser também considerada legisladora ela mesma, e precisamente por isso então submetida à lei (de que ela mesma pode ser considerada como autora - FMC, 2004, p. 62).

-Uma Especificação de Fato de Razão e Liberdade nas ações
O fato de razão se revela na decisão e não na contemplação. Contemplamos todas as características possíveis, nossas motivações pessoais, as circunstâncias do momento, e nos perguntamos novamente: “o que eu deveria fazer?” Depois de ter a convicção de ter levado tudo em conta, tomar uma decisão por mais difícil que seja, isso corresponde ao fato de razão.
Dessa maneira o fato de razão é apresentado mediante nossa reflexão (avaliação) de nossas máximas como princípio de vida. Os princípios diversos da própria razão, baseados em motivos invertidos constituem o que chamamos de mal (transgressão dos limites da razão). E na maldade a avaliação que se faz dos pensamentos é corrompida na origem.
Como se vê, a razão pura é uma razão livre de motivos empíricos ou particulares, sem interesses do que se pode conseguir com tal ato. E a razão empírica se reduz aos nossos interesses, com base na experiência, em que criamos conceitos de como satisfazê-los.
A liberdade consiste na decisão, que leva em consideração padrões universais aplicáveis que estabeleçam a harmonia coletiva. Assim, o indivíduo encontra em si mesmo os padrões universais que ele consegue exteriorizar. A liberdade exige que a pessoa tome sua decisão baseada em si mesma, partindo de uma visão exterior, que ela vislumbra do seu próprio interior, afirmando sua individualidade.
A aplicabilidade de conceitos morais para nós, é conseqüência de nossa liberdade. Ao tomarmos consciência de nossos impulsos, desejos e suas motivações nos confrontamos se iremos atendê-los ou não, e daí é que parte a nossa liberdade, no confronto de uma questão; faremos as nossas escolhas através de uma avaliação. E, se do contrário, não fizermos o confronto (a análise), atendendo prontamente aos nossos instintos, ainda assim, teremos tomados uma decisão, que foi conseqüência de nossa liberdade num posicionamento moral.
A liberdade humana é o fundamento de nossas ações e princípios de vida, fazendo parte essencial na prática moral.
Não havendo determinação imediata da razão, no valor moral da ação, o próprio conceito de razão prática é questionável. Pois, se ela não é imediata, não é pura, admitindo inclinações. Para que as leis existam, a vontade deve estar fundada na razão, do contrário só teremos princípios práticos baseados na subjetividade.
Podemos verificar que o solipsismo vem a ser uma relação patológica consigo mesmo. Trata-se de nosso sistema de inclinações (desejos, impulsos) guiados pelo amor de si ou felicidade própria. E amor de si corresponde a arrogância (presunção), amor próprio. Portanto, a razão prática não pode ser solipsista, pois se baseia na moral prática entre os homens, nas ações livres segundo as máximas, que se convertem em uma lei universal. O único amor que pode ser ordenado é o amor prático, que reside na vontade, não patológico, sem inclinações, mas por dever (ama teu próximo, até teus inimigos).

Considerações finais
Em Kant o dever é a necessidade de uma ação por respeito à lei. E uma ação por dever elimina todas as inclinações (todo o objeto da vontade), e, portanto, só resta à vontade obedecer à lei prática (baseada na máxima universal), pois trata-se de um princípio que está ligado à vontade. O valor moral da ação não reside no efeito que dela se espera, pois o fundamento da vontade é a representação da lei e não o efeito esperado (uma boa vontade não é boa pelo que promove ou realiza, mas pelo simples querer, em si mesma).
A ética kantiana é a ética do dever, autocoerção da razão, que concilia dever e liberdade. O pensamento do dever derruba a arrogância e o amor próprio, e é tido como princípio supremo de toda a moralidade.
KANT, Immanuel. Fundamentação da Metafísica dos Costumes e Outros Escritos. São Paulo: Martin Claret: 2004.

Prof. Manoelito

O QUE É ESCLARECIMENTO - KANT


O Esclarecimento Kantiano

Toda a presente dissertação do filósofo moderno Immanuel Kant gira em volta da resposta à pergunta sobre o esclarecimento (aufklärung). Kant começa pelo próprio termo esclarecimento, que «é a saída do homem de sua menoridade». O que produz tal menoridade é o próprio homem, que não consegue sair de sua condição medíocre e tomar coragem de servir-se de si mesmo sem necessitar da ajuda de alheios. A menoridade do homem o afeta em todos os campos: na política, na sociedade, no trabalho, etc.

O processo para se sair desse estado de minoridade está no autocontrole e na liberdade que cada indivíduo deve cultivar. Somos convidados a não nos acomodar, a sair em busca do saber, por isso usa o termo latino: Sapere aude! (Ouse saber). Somente através dessa ousadia é que podemos sair de nossa condição. Essa ousadia implica a «coragem de fazer uso de teu próprio entendimento», o que é como que o slogan do esclarecimento.

As principais causas que impedem o esclarecimento estão no comodismo, na preguiça e na covardia. Com tais causas, o homem permanecerá sempre em sua menoridade. Para as pessoas acostumadas a ‘receberem as coisas nas mãos’ (Kant enumera alguns: ter um livro que faz as vezes de nosso entendimento; um diretor espiritual que tem consciência em nosso lugar; um método que decide a nossa dieta; etc.), torna-se difícil e perigoso renunciar sua menoridade. Isto está tão enraizado em sua vida, em seu cotidiano, em todos seus trabalhos, que se torna natural, cômodo. Por isso é que os homens não sabem como lidar com a liberdade quando a têm e os impede de utilizar seu entendimento. Mas, para tanto, sempre há uma primeira tentativa, e é essa a exortação de Kant em sua resposta à pergunta proposta.

Há pessoas, no entanto, que são o contrário. São aqueles “indivíduos capazes de pensamento próprio”. Esses indivíduos devem espalhar o espírito de avaliação racional de cada homem. Todavia, existem pessoas que acabam tirando proveito da situação, obrigando as demais pessoas a viverem sob seu domínio.

A verdadeira revolução deve ser a mudança de pensamento das pessoas. Essa mudança traz benefícios muito maiores que a de uma revolução política, em que apenas se trocam algumas pessoas do poder, mas a dominação continua. Uma revolução assim, que derruba um governo despótico, «nunca produzirá a verdadeira reforma do modo de pensar».

O esclarecimento exige liberdade. Uma liberdade não limitada, não condicionada, que favoreça apenas aos que têm o “poder” nas mãos. Também o uso privado da razão, apesar de ser limitado, pode ajudar consideravelmente no progresso do esclarecimento.

O uso privado da razão é aquele que o sábio pode fazer em um certo cargo público ou numa função a ele confiada. Um oficial não pode colocar, contra seu superior, seu raciocinar em voz alta. “Deve obedecer.” Entretanto, este mesmo oficial não está impedido de fazer observações sobre os erros no serviço militar. Da mesma forma que um sacerdote, obediente ao credo que professa, diz palavras, em seu sermão, coniventes com o credo professado. Mas, pode e deve, contudo, alertar o público sobre as idéias equivocadas da fé professada.

Mesmo a época relatada por Kant é um período apenas de passagem. A época do filósofo não é, ainda, “esclarecida”, mas está em processo de “esclarecimento”. Tal processo é fruto do Iluminismo, tendência de pensamento esclarecido pela luz da razão, e não mais das trevas do Medieval.

Portanto, o texto de Kant é essa explicação do esclarecimento. Com ele e nele, temos a ansiedade de buscar, assim como o próprio filósofo, inspirado por Hume, “acordar do sonho dogmático” em que vivemos. Só assim é que o homem se redimirá de sua culpa e sairá de sua tão deplorável menoridade.

Prof. Manoelito

terça-feira, 16 de abril de 2013

A morte de Sócrate


De acordo com Platão, as acusações contra Sócrates foram:
“Sócrates é réu por empenhar-se com excesso de zelo, de maneira supérflua e indiscreta, na investigação de coisas sob a terra e nos céus, fortalecendo o argumento mais fraco e ensinando essas mesmas coisas a outros.”1
“Sócrates é réu porque corrompe a juventude e descrê dos deuses do Estado, crendo em outras divindades novas.”2
Levado a julgamento, foi condenado à morte. Como e por que isso ocorreu? Tudo começou quando Sócrates tomou conhecimento de que o oráculo do templo de Delfos, dedicado ao deus Apolo, havia proclamado que ele era o homem mais sábio de Atenas. Não se considerando como tal, mas, ao mesmo tempo, não podendo duvidar da palavra do deus, decidiu investigar o significado de tal revelação.
Procurou, então, aqueles cidadãos mais ilustres de Atenas e que eram tidos como os mais sábios da cidade. Eles pertenciam a três categorias sociais: os políticos, os poetas (autores de tragédias, como Aristófanes, e de ditirambos – cantos religiosos em homenagem ao deus Dionísio) e os artesãos.
Interrogando esses cidadãos (por meio de seu método dialético), constatou que, na realidade, nada sabiam dos assuntos em que eram tidos como sábios. Ao término da conversa com cada uma dessas pessoas Sócrates concluía: “Sou mais sábio do que esse homem; nenhum de nós dois realmente conhece algo de admirável e bom, entretanto ele julga que conhece algo quando não conhece, enquanto eu, como nada conheço, não julgo tampouco que conheço. Portanto, é provável, de algum modo, que nessa modesta medida seja eu mais sábio do que esse indivíduo – no fato de não julgar que conheço o que não conheço”3.
Daí a famosa expressão atribuída a Sócrates: “Sei que nada sei”. Acontece que Sócrates praticava esses diálogos em praça pública, à vista de todos. Dentre os presentes havia sempre muitos jovens, filhos de famílias ricas, que dispunham de tempo livre (já que não precisavam trabalhar) e, por isso, podiam acompanhá-lo nessas ocasiões.
Eles se divertiam vendo Sócrates “desbancar” os que se julgavam sábios e, mais tarde, punham-se a imitá-lo, interrogando outras pessoas e descobrindo muitas que supunham saber o que de fato não sabiam. Essas pessoas, que em geral eram gente importante e de prestígio na cidade, sentindo-se constrangidas, tornavam-se furiosas não contra esses jovens, mas contra aquele que consideravam responsável por tê-los ensinado tal comportamento; e passavam a propagar que: “Sócrates é o mais pestilento dos indivíduos e está corrompendo a juventude”. Na verdade, quando indagadas, tais pessoas não conseguiam provar tal acusação.
Mas para esconder seu constrangimento, lançavam mão daquelas acusações que sempre são usadas contra todo “filósofo, ou seja, que [ensina] ‘as coisas no ar e as coisas sob a terra’ e ‘não crê nos deuses’, e ‘torna mais forte o argumento mais fraco’.”4
Esta é a origem das “inimizades, a um tempo implacáveis e aflitivas”, do ódio, das “calúnias” e das acusações contra Sócrates5 e que acabaram por levá-lo à morte.
No fundo, Sócrates foi condenado porque, na democracia ateniense, os assuntos mais importantes da vida da cidade eram decididos em assembleias (ekklesía) nas quais cada cidadão podia expressar livremente sua opinião a favor ou contra uma determinada posição.
Era, pois, um regime político sustentado pela crença no valor das opiniões. Ora, o que Sócrates fazia com sua dialética era justamente pôr em cheque as opiniões, mostrando que, muitas vezes, elas refletiam um conhecimento falso sobre o assunto em questão. Assim, para as pessoas importantes da cidade que costumavam discursar nessas assembleias, a “má” influência de Sócrates, sobretudo sobre os jovens, representava uma ameaça ao sistema democrático do qual se beneficiavam. Eis aí a natureza política da condenação de Sócrates.
1 PLATÃO. Apologia de Sócrates. Diálogos socráticos III. Tradução Edson Bini. São Paulo/Bauru: Edipro, 2008. p. 139 [19 b-c].
2 Idem, p. 146 [24 c].
3 Idem, p. 142-143 [21 d].
4 Ibidem, p. 145 [23 d].
5 Ibidem, p. 144 [ 23 a].

Sócrates: aquele que vive nas nuvens


Leitura e Análise de Texto
Outra célebre vítima do preconceito e da intolerância contra a Filosofia foi Sócrates. E neste caso as consequências foram muito mais sérias, visto que o levaram à morte.
Na realidade, não há uma imagem única de Sócrates. Isso porque todas as informações que temos dele nos chegaram por testemunhos indiretos, já que ele mesmo nada escreveu. Assim, enquanto seus amigos, admiradores e discípulos, como Xenofonte e Platão, por exemplo, o viam como sábio, patriota, respeitador das leis e da religião, piedoso, justo, valoroso como guerreiro nas batalhas etc., seus críticos o retratavam como uma pessoa esquisita, deslocada, excêntrica, charlatã, corruptor de jovens e ímpio.
De todos esses testemunhos pouco elogiosos sobre Sócrates, sem dúvida o mais significativo que chegou até nós foi a imagem dele traçada por Aristófanes1 na comédia As nuvens.
Neste texto, aparece um Sócrates “se movendo livremente, proclamando que caminhava no ar e dizendo uma plêiade de outras tolices” das quais não entende nada2. É um Sócrates mestre dos sofistas, isto é, charlatão, enganador e que ensinava às pessoas a arte desse engano.
Aliás, essa imagem dos sofistas também era, em boa medida, preconceituosa. Na peça de Aristófanes, ele surge em cena empoleirado em uma cesta suspensa no ar, significando que ele vivia nas alturas, preocupado com questões de cosmologia e de astronomia (movimento dos astros, origem do universo etc.), ou com assuntos sem a menor relevância, como a medida do pulo de uma pulga, ou se o zumbido de um mosquito é produzido por sua tromba ou seu traseiro, ficando totalmente alheio aos problemas realmente importantes da vida dos cidadãos de Atenas. A certa altura, um dos discípulos conta que, certa vez, “uma lagartixa atrapalhou uma indagação transcendental” de Sócrates.
Isso aconteceu, segundo o relato, quando ele “observava a lua para estudar o curso e as evoluções dela, no momento em que ele olhava de boca aberta para o céu, do alto do teto uma lagartixa noturna, dessas pintadas, defecou na boca dele”3.
Essa imagem depreciativa e até cômica de Sócrates provavelmente revela a ideia que a maioria das pessoas tinha a respeito dele e dos filósofos em geral. No entanto, é uma imagem bastante distorcida. Na realidade, Sócrates e os sofistas inauguram um novo período na história da Filosofia em que a reflexão filosófica se desloca da cosmologia e da física (princípio que dá origem a todas as coisas) para as questões relativas à vida concreta na cidade (pólis), isto é, à política, à ética, ao conhecimento. Os assuntos que ele gostava de abordar eram a justiça, a beleza, a coragem, o amor, a educação, entre outros. Vem daí, aliás, a denominação de pré-socráticos atribuída aos filósofos anteriores a ele. Não tanto por razões de cronologia, mas principalmente pela diferença quanto aos temas da reflexão filosófica.
Além disso, no que se refere aos sofistas, Sócrates tinha, certamente, muito mais diferenças e mesmo divergências com eles do que semelhanças. Enquanto os sofistas se apresentavam como sábios, isto é, pessoas entendidas em diversos assuntos, especialmente na técnica da retórica, Sócrates dizia: “Sei que nada sei”; enquanto os sofistas cobravam pelos ensinamentos que ministravam, Sócrates condenava essa prática e filosofava com as pessoas gratuitamente na praça (ágora) de Atenas; enquanto os sofistas eram céticos em relação à possibilidade de se conhecer a verdade universal, Sócrates a perseguia incansavelmente; enquanto os sofistas contentavam-se com a opinião (doxa), Sócrates exigia o saber verdadeiro (episteme).
A respeito dos sofistas, diz Sócrates ironicamente por ocasião de seu julgamento: “Cada um desses homens [...] é capaz de dirigir-se a qualquer cidade e persuadir os jovens, os quais podem se associar, segundo queiram, com qualquer de seus concidadãos sem pagar, a deixar a companhia dessa pessoa para se juntarem a ele, remunerá-lo e, além disso, mostrar-lhe gratidão”4.
Vemos, assim, que a imagem de Sócrates traçada por Aristófanes, procurando retratá-lo como alguém que anda nas nuvens, preocupado com assuntos alheios ao cotidiano das pessoas e identificado com os sofistas, não corresponde à verdade sobre ele. Ao contrário, baseia-se em um preconceito, a exemplo do que ocorrera com a anedota sobre Tales. É interessante observar que em seu julgamento Sócrates faz menção à comédia de Aristófanes (As nuvens) como um dos fatores que provocaram as acusações contra ele.5
1 ARISTÓFANES. As nuvens; Só para mulheres; Um deus chamado dinheiro. Tradução Mário da Gama Kury. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2000. p. 11-101.
2 PLATÃO. Apologia de Sócrates. Diálogos socráticos III. Tradução Edson Bini. São Paulo/Bauru: Edipro, 2008. p. 139-140 [19 c].
3 ARISTÓFANES. Op. cit. p. 21.
4 PLATÃO. Op. cit. p. 140 [19 e–20a].
5 Idem, p. 139 [19c].

RESPONDA AS SEGUINTES QUESTÕES:

1. A comédia e o humor podem ser formas de propagação de preconceitos? Justifique sua resposta e, se possível, dê exemplos.
2. Essas formas de manifestação artística e cultural são importantes para a democracia? Justifique.
3. Você vê alguma semelhança entre o papel da comédia no tempo de Sócrates e o dos programas humorísticos atuais? Dê exemplos e comente.

PESQUISA INDIVIDUAL
Faça uma pesquisa para responder às seguintes questões:
1. O que foi a comédia e qual a sua importância para a democracia ateniense? Cite alguns dos principais comediógrafos e suas obras.
2. Pode-se afirmar que a imagem de Sócrates construída por Aristófanes é preconceituosa? Por quê? Em que sentido?
3. Como era a democracia ateniense e em que ela se diferencia da democracia brasileira atual?
4. Quais são as principais diferenças entre Sócrates, os filósofos pré-socráticos e os sofistas?
5. Discuta brevemente com um colega sobre a seguinte questão: Como é possível alguém ser a pessoa mais sábia que existe e, ao mesmo tempo, ser também alguém que nada sabe?
Utilize o texto a seguir para embasar esta discussão.



Prof. Manoelito


quarta-feira, 10 de abril de 2013


O eu racional
Leitura e Análise de Texto

Não sei se vos devo falar das primeiras meditações que aqui fiz, pois elas são tão metafísicas e tão pouco comuns que talvez não sejam do agrado de todos. No entanto, a fim de que se possa julgar se os fundamentos que tomei são bastante firmes, acho-me, de certa forma, obrigado a falar delas. Há muito tempo eu notara que, quanto aos costumes, por vezes é necessário seguir, como se fossem indubitáveis, opiniões que sabemos serem muito incertas, como já foi dito acima; mas, como então desejava ocupar-me somente da procura da verdade, pensei que precisava fazer exatamente o contrário, e rejeitar como absolutamente falso tudo em que pudesse imaginar a menor dúvida, a fim de ver se, depois disso, não restaria em minha crença alguma coisa que fosse inteiramente indubitável. Assim, porque os nossos sentidos às vezes nos enganam, quis supor que não havia coisa alguma que fosse tal como eles nos levam a imaginar. E, porque há homens que se enganam ao raciocinar, mesmo sobre os mais simples temas de geometria, e neles cometem paralogismos, julgando que eu era tão sujeito ao erro quanto qualquer outro, rejeitei como falsas todas as razões que antes tomara como demonstrações. E, finalmente, considerando que todos os pensamentos que temos quando acordados também nos podem ocorrer quando dormimos, sem que nenhum seja então verdadeiro, resolvi fingir que todas as coisas que haviam entrado em meu espírito não eram mais verdadeiras que as ilusões de meus sonhos.
Mas logo depois atentei que, enquanto queria pensar assim que tudo era falso, era necessariamente preciso que eu, que o pensava, fosse alguma coisa. E, notando que esta verdade – penso, logo existo – era tão firme e tão certa que todas as mais extravagantes suposições dos cépticos não eram capazes de a abalar, julguei que podia admiti-la sem escrúpulo como o primeiro princípio da filosofia que buscava.
Depois, examinando atentamente o que eu era e vendo que podia fingir que não tinha nenhum corpo e que não havia nenhum mundo, nem lugar algum onde eu existisse, mas que nem por isso podia fingir que não existia; e que, pelo contrário, pelo próprio fato de eu pensar em duvidar da verdade das outras coisas, decorria muito evidentemente e muito certamente que eu existia; ao passo que, se apenas eu parasse de pensar, ainda que tudo o mais que imaginara fosse verdadeiro, não teria razão alguma de acreditar que eu existisse; por isso reconheci que eu era uma substância, cuja única essência ou natureza é pensar, e que, para existir, não necessita de nenhum lugar nem depende de coisa alguma material. De sorte que este eu, isto é, a alma, pela qual sou o que sou, é inteiramente distinta do corpo, e até mais fácil de conhecer que ele, e, mesmo se o corpo não existisse, ela não deixaria de ser tudo o que é.
Depois disso, considerei, de modo geral, o que uma proposição requer para ser verdadeira e certa; pois, já que eu acabava de encontrar uma que sabia ser tal, pensei que também deveria saber em que consiste essa certeza. E, tendo notado que em penso, logo existo nada há que me garanta que digo a verdade, exceto que vejo muito claramente que para pensar é preciso existir, julguei que podia tomar por regra geral que as coisas que concebemos muito clara e distintamente são todas verdadeiras, havendo, porém, somente alguma dificuldade em distinguir bem quais são as que concebemos distintamente. [...]
DESCARTES, René. Discurso do método. São Paulo: Martins Fontes, 2009. p. 57, 58, 59, 60 e 61.

1. Explique os argumentos de Descartes para:

a) Rejeitar tudo o que era proveniente dos sentidos.

b) Rejeitar tudo o que poderia vir do raciocínio.

c) Rejeitar todos os pensamentos que ocorrerem quando se está acordado e quando se está dormindo.

d) Considerar como única certeza o fato de pensar.

e) Julgar que as coisas que concebemos muito clara e distintamente são todas verdadeiras.

2. Pesquise na internet, em dicionários de Filosofia, na biblioteca da escola ou da sua cidade o significado das palavras relacionadas a seguir. Quanto mais aprofundada a sua pesquisa, melhor.
• Razão • Existência • Percepção • Juízo

terça-feira, 9 de abril de 2013

Criando uma imagem critica da Filosofia




Texto 1
“Primeiramente, a filosofia não é um conjunto de conhecimentos ou de doutrinas, mas uma atitude ou posicionamento perante a vida. Nesse sentido qualquer um pode filosofar, não sendo necessários talentos intelectuais extraordinários, tampouco possuir muitos conhecimentos, nem mesmo ter uma formação escolar, embora isso facilite. Basta ter disposição para ver de outro jeito o que se passa à sua volta.” (FEITOSA, Charles. Explicando a Filosofia com Arte. Rio de Janeiro: Ediouro, 2004. p.16)

Texto 2
“... por volta dos catorze anos muitos jovens começam a refletir sobre questões filosóficas por si sós – sobre o que realmente existe, se podemos chegar a saber alguma coisa, se existe algo que seja realmente certo ou errado, se a vida tem algum significado, se a morte é o fim de tudo (…) A filosofia é diferente da ciência e da matemática. Ao contrário da ciência, ela não se apóia em experimentos ou na observação, mas apenas na reflexão.
(…) A principal ocupação da filosofia é questionar e entender ideias muito comuns que todos nós usamos no dia a dia sem nem sequer refletir sobre elas. O historiador perguntará o que aconteceu em determinado tempo do passado, enquanto o filósofo indagará: ‘O que é o tempo?’” (NAGEL, Tomas. Uma Breve Introdução à Filosofia. São Paulo: Martins Fontes, 2001. p.1-3)

Texto 3
“Há já algum tempo eu me apercebi de que, desde meus primeiros anos, recebera muitas falsas opiniões como verdadeiras, e de que aquilo que depois eu fundei em princípios tão mal assegurados não podia ser senão muito duvidoso e incerto; de modo que me era necessário tentar seriamente, uma vez em minha vida, desfazer-me de todas as opiniões a que até então dera crédito, e começar tudo novamente desde os fundamentos, se quisesse estabelecer algo de firme e de constante nas ciências. Mas, parecendo-me ser muito grande essa empresa, aguardei atingir uma idade que fosse tão madura que não pudesse esperar outra após ela, na qual eu estivesse mais apto para executá-la; o que me fez diferi-la por tão longo tempo que doravante acreditaria cometer uma falta se empregasse ainda em deliberar o tempo que me resta para agir.” (DECARTES, Renê. Meditações metafísicas. Cidade: Editora, p.1)

Texto 4
“Existe no mundo algum conhecimento tão certo que nenhum homem razoável possa dele duvidar? Esta questão, que à primeira vista poderia não parecer difícil, é, na realidade, uma das mais difíceis que podemos fazer. Quando tivermos compreendido os obstáculos na direção de uma resposta clara e segura, estaremos bem encaminhados no estudo da filosofia - pois a filosofia é simplesmente a tentativa de responder a estas questões fundamentais, não de uma forma descuidada e dogmática, como fazemos na vida cotidiana e mesmo nas ciências, mas de uma maneira crítica, após examinar tudo o que torna estas questões intrincadas, e após compreender tudo o que há de vago e confuso no fundo de nossas ideias habituais.” (RUSSEL, Bertrand. The Problems of Philosophy. Tradução: Jair Conte. Oxford University Press paperback, 1959. disponível em:
http://www.cfh.ufsc.br/~conte/russell.html )


Texto 5
Filosofia (philos - que ama + sophia - sabedoria, « que ama a sabedoria ») é a investigação crítica e racional dos princípios fundamentais. A filosofia serve pra investigar, estudar, compreender as coisas, buscar o fundamento e as razões de tudo, para relacionar o homem as suas atividades e objetivos, pra otimizar a vida e orientar melhor a humanidade.


quarta-feira, 3 de abril de 2013

Vejam o que diz alguns trechos do livro “Convite a Filosofia” de Marilena Chauí sobre o para que Filosofia?



 Muitos fazem uma outra pergunta: afinal, para que Filosofia? É uma pergunta interessante. Não vemos nem ouvimos ninguém perguntar, por exemplo, para que matemática ou física? Para que geografia ou geologia? Para que história ou sociologia? Para que biologia ou psicologia? Para que astronomia ou química? Para que pintura, literatura, música ou dança? Mas todo mundo acha muito natural perguntar: Para que Filosofia?
Em geral, essa pergunta costuma receber uma resposta irônica, conhecida dos estudantes de Filosofia: “A Filosofia é uma ciência com a qual e sem a qual o mundo permanece tal e qual”. Ou seja, a Filosofia não serve para nada.
Por isso, se costuma chamar de “filósofo” alguém sempre distraído, com a cabeça no mundo da lua, pensando e dizendo coisas que ninguém entende e que são perfeitamente inúteis.

Essa pergunta, “Para que Filosofia?”, tem a sua razão de ser.
Em nossa cultura e em nossa sociedade, costumamos considerar que alguma coisa só tem o direito de existir se tiver alguma finalidade prática, muito visível e de utilidade imediata.
Por isso, ninguém pergunta para que as ciências, pois todo mundo imagina ver a utilidade das ciências nos produtos da técnica, isto é, na aplicação científica à realidade.
Todo mundo também imagina ver a utilidade das artes, tanto por causa da compra e venda das obras de arte, quanto porque nossa cultura vê os artistas como gênios que merecem ser valorizados para o elogio da humanidade. Ninguém, todavia, consegue ver para que serviria a Filosofia, donde dizer-se: não serve para coisa alguma.
Parece, porém, que o senso comum não enxerga algo que os cientistas sabem muito bem. As ciências pretendem ser conhecimentos verdadeiros, obtidos graças a procedimentos rigorosos de pensamento; pretendem agir sobre a realidade, através de instrumentos e objetos técnicos; pretendem fazer progressos nos conhecimentos, corrigindo-os e aumentando-os.
Ora, todas essas pretensões das ciências pressupõem que elas acreditam na existência da verdade, de procedimentos corretos para bem usar o pensamento, na tecnologia como aplicação prática de teorias, na racionalidade dos conhecimentos, porque podem ser corrigidos e aperfeiçoados.
Verdade, pensamento, procedimentos especiais para conhecer fatos, relação entre teoria e prática, correção e acúmulo de saberes: tudo isso não é ciência, são questões filosóficas. O cientista parte delas como questões já respondidas, mas é a Filosofia quem as formula e busca respostas para elas.
Assim, o trabalho das ciências pressupõe, como condição, o trabalho da Filosofia, mesmo que o cientista não seja filósofo. No entanto, como apenas os cientistas e filósofos sabem disso, o senso comum continua afirmando que a Filosofia não serve para nada.
Para dar alguma utilidade à Filosofia, muitos consideram que, de fato, a Filosofia não serviria para nada, se “servir” fosse entendido como a possibilidade de fazer usos técnicos dos produtos filosóficos ou dar-lhes utilidade econômica, obtendo lucros com eles; consideram também que a Filosofia nada teria a ver com a ciência e a técnica. [...]

Inútil? Útil?
[...] O primeiro ensinamento filosófico é perguntar: O que é o útil? Para que e para quem algo é útil? O que é o inútil? Por que e para quem algo é inútil? O senso comum de nossa sociedade considera útil o que dá prestígio, poder, fama e riqueza. Julga o útil pelos resultados visíveis das coisas e das ações, identificando utilidade e a famosa expressão “levar vantagem em tudo”. Desse ponto de vista, a Filosofia é inteiramente inútil e defende o direito de ser inútil.
Não poderíamos, porém, definir o útil de outra maneira?
Platão definia a Filosofia como um saber verdadeiro que deve ser usado em benefício dos seres humanos.
Descartes dizia que a Filosofia é o estudo da sabedoria, conhecimento perfeito de todas as coisas que os humanos podem alcançar para o uso da vida, a
conservação da saúde e a invenção das técnicas e das artes.
Kant afirmou que a Filosofia é o conhecimento que a razão adquire de si mesma para saber o que pode conhecer e o que pode fazer, tendo como finalidade a felicidade humana.
Marx declarou que a Filosofia havia passado muito tempo apenas contemplando o mundo e que se tratava, agora, de conhecê-lo para transformá-lo, transformação que traria justiça, abundância e felicidade para todos.
Merleau-Ponty escreveu que a Filosofia é um despertar para ver e mudar nosso mundo.
Espinosa afirmou que a Filosofia é um caminho árduo e difícil, mas que pode ser percorrido por todos, se desejarem a liberdade e a felicidade.
Qual seria, então, a utilidade da Filosofia?
Se abandonar a ingenuidade e os preconceitos do senso comum for útil; se não se deixar guiar pela submissão às idéias dominantes e aos poderes estabelecidos for útil; se buscar compreender a significação do mundo, da cultura, da história for útil; se conhecer o sentido das criações humanas nas artes, nas ciências e na política for útil; se dar a cada um de nós e à nossa sociedade os meios para serem conscientes de si e de suas ações numa prática que deseja a liberdade e a felicidade para todos for útil, então podemos dizer que a Filosofia é o mais útil de todos os saberes de que os seres humanos são capazes”. [...].

FONTE: CHAUI, Marilena. Convite à Filosofia. São Paulo: Editora Ática S.A., 1994. 440 pg.


Prof. Manoelito