EE Batista Renzi
Disciplina: Filosofia
Área: Ciências Humanas e Suas Tecnologias
Etapa da Educação Básica: Ensino Médio
3ª Série – Volume 3 - 3º Bimestre
Temas e conteúdos: Filosofia e Ciência
Prof. Manoelito
DISTANCIAMENTOS E APROXIMAÇÕES ENTRE DOIS DISCURSOS:
O FILOSÓFICO E O CIENTÍFICO
Nestes
textos, a Filosofia será pensada em comparação com a Ciência e, mais do que
traçar fronteira demasiadamente explícitas, o importante é pensar uma origem
comum na Grécia Antiga e as hipóteses para o distanciamento que se opera,
principalmente tomando-se por base a concepção de Ciência moderna.
Competências
e habilidades a serem desenvolvidas: relacionar informações de fontes variadas
com conhecimentos de situações diversas, para construir argumentação
consistente (Exame Nacional do Ensino Médio Enem): comparar discurso filosófico
e discurso científico: aprofundar a compreensão sobre o que é Filosofia
valendo-se de comparação com o conceito de Ciência: ler, compreender e
interpretar textos teóricos e filosóficos: expressar-se por escrito e oralmente
de forma sistemática: elaborar hipóteses c questões com base em leituras e
debates realizados.
No segundo bimestre,
desafiamos vocês a comentarem um fato a partir de dois pontos de vista, o de um
filósofo e o de um religioso. O objetivo era identificar semelhanças e
diferenças entre os dois discursos produzidos.
Neste
momento, vamos pensar na distinção e na aproximação entre o discurso filosófico
e o discurso científico.
Para isso,
façam a leitura dos próximos dois textos: Um filosófico, de Montaigne, e outro
tipicamente cientifico, retirado de um relatório sobre saúde no Brasil.
De como
filosofar é aprender a morrer
"Para
Cícero, filosofar não é outra coisa que preparar-se para a morte. Talvez porque
o estudo e a contemplação tiram a alma para fora de nós, separam nossa alma do
corpo, o que. em suma, se assemelha à morte e constitui como que um aprendizado
em vista dela. Ou então é porque de toda sabedoria e inteligência resulta,
finalmente, que aprendemos a não ter receio da morte. Em verdade, ou nossa
razão falha ou seu objetivo único deve ser a nossa própria satisfação, e seu
trabalho tender para que vivamos bem, e com alegria, como recomenda a Sagrada Escritura.
[...] Não
sabemos onde a morte nos aguarda, e por isto a esperamos em toda parte. Refletir
sobre a morte é refletir sobre a liberdade; quem aprendeu a morrer, desaprendeu
de servir; nenhum mal atingirá quem na existência compreendeu que a privação da
vida não é um mal: saber morrer nos libera de toda sujeição e
constrangimento". [...]
RELATÓRIO CIENTÍFICO
DADOS DE MORTALIDADE NO BRASIL
[...]
"As lesões não intencionais e as violências constituem a primeira causa de
mortalidade regis¬trada na faixa etária de 15 a 60 anos, representando 30% do total de
óbitos de causas determinadas em 1994'. Os homicídios e os acidentes de
trânsito produzem impacto substancial na força de trabalho dos grandes centros
urbanos, tendo sido responsáveis, em conjunto, por 28,7% dos anos de trabalho
potencialmente perdidos (ATPP) em 1987. Seguem-se, em ordem decrescente de
importância, as doenças do aparelho circulatório (24%) e as neoplasias (13%). A
distribuição por subgrupos de idade mostra forte predominância das causas
externas nos estratos de 15-19 e 20-29 anos (71% e 62%, respectivamente). Esse
grupo de causas ocupa o primeiro lugar também entre 30-39 anos (38%), em que
também há participação importante das doenças do aparelho circulatório (16%) e
das doenças endócrinas e metabólicas (12%). Nos grupos etários de 40-49 e de
50-59 anos predominam as doenças do aparelho circulatório (30% e 39%,
respectivamente), seguindo-se as neoplasias (16% e 21%) e as causas externas
(20% e 9%).
Cerca de 70%
dos óbitos em todo o grupo adulto corresponderam ao sexo masculino." [...]
Após fazerem
a leitura dos textos respondam as seguintes questões:
·
Os dois textos trazem opinião de seus autores?
·
Como se apresentam as informações em cada um dos
textos?
·
Quais as diferenças que mais chamam a atenção
nos dois breves textos?
FILOSOFIA E CIÊNCIA: UMA ORIGEM COMUM E UM
DESTINO DE SEPARAÇÃO
No momento de
origem da Filosofia, na Antiguidade Grega, não havia distinções entre Filosofia
e Ciência. Filosofia era considerada o conjunto de todos os conhecimentos: físicos
e metafísicos. A leitura dos textos de Aristóteles, por exemplo, revela que
este autor escreveu sobre a alma e sobre a natureza, sem distinguir os campos
de conhecimento científicos e filosóficos como fazemos atualmente.
O saber
filosófico contemplava uma enorme diversidade de conhecimentos, uma vez que os
primeiros filósofos colocavam-se questões relativas aos campos que hoje são
identificados como Matemática, Biologia, Física, lógica, Música, Teatro,
Astronomia, Política e Ética.
O mundo a ser
compreendido abarcava questões em torno de dois grandes temas: a natureza e o
homem. E como não havia acúmulo de conhecimentos associados a nenhum dos dois
temas, a Filosofia foi se constituindo como um campo amplo de perguntas e
respostas sobre o mundo natural e o mundo humano.
Essa
abordagem ampla da Filosofia preservou-se até o período medieval, quando a Teologia
se constitui como campo dos estudos sobre Deus e sobre a fé.
A partir do
Renascimento e durante a Idade Moderna, Física, Matemática, Química e Biologia
foram conquistando autonomia em relação à Filosofia e delimitando campos
específicos de investigação de seus objetos num processo que se estende por séculos.
Newton e
Descartes são autores cujas obras registraram aspectos que sugerem uma transição,
na qual a Filosofia se separa da Ciência. O livro em que Newton apresenta leis da
mecânica chama-se Princípios matemáticos de filosofia natural.
Um livro de
Descartes, que se chama Princípios de Filosofia, está dividido em quatro partes,
denominadas Dos princípios do conhecimento humano, Dos princípios das coisas
materiais, Do mundo visível e A Terra.
Foi
fundamental para a separação entre Filosofia e Ciência a formulação sobre o
método científico, que tem início no Renascimento, nos séculos XIV, XV e XVI, e
se consolida nos séculos XVII, XVIII e XIX. Essa formulação entende que os
conhecimentos sobre a natureza devem ser passíveis de observação e
experimentação para verificação de hipóteses.
O próprio conceito
de Ciência ganha essa forte significação de conhecimentos, que podem ser
observados e experimentados para comprovação ou negação.
Outra ideia
formulada no interior das Ciências, sobretudo a partir do século XIX, serve
para especificá-la diante da Filosofia: a neutralidade do cientista em relação
ao objeto de conhecimento. Segundo essa concepção, de que é preciso ser neutro
diante do objeto investigado, o cientista não deveria interpretar e decidir
quais dados selecionar entre aqueles que vai encontrando no processo de
pesquisa científica. Essa concepção contemplava a visão de que os dados
deveriam falar por si próprios, sendo o papel do cientista evidenciá-los.
Muitas vezes,
diante dessa perspectiva, considera-se que, de modo geral, os filósofos posicionam-se
pensando seus temas valendo-se de sua visão de mundo, a qual condiciona sua
interpretação, o que contrastaria com a neutralidade da Ciência. Filosofia e
Ciência deveriam, assim, construir caminhos separados para o conhecimento.
Em síntese,
pode-se afirmar que Filosofia e Ciência nascem juntas como conjunto de conhecimentos
sobre a natureza e a sociedade humana e separam-se de forma vagarosa, ao longo
de pelo menos seis séculos, nos quais uma determinada visão de Ciência, baseada
na observação, experimentação, comprovação de hipóteses e suposta neutralidade,
contribuiu para essa separação e caracterização dos discursos filosóficos e
científicos, com a qual nos ocupamos neste Caderno. Aliada a essa visão de
Ciência, tivemos ainda a crescente especialização dos saberes e a criação de
campos de disciplinas como conhecemos atualmente.
Nos séculos
XIX e XX, uma nova visão de Ciência é formulada, baseada na ideia de que nem
sempre são possíveis comprovações ou experimentações e é impossível a
neutralidade do cientista, uma vez que ele necessariamente interpreta,
seleciona e se posiciona de forma interessada diante de seus dados.
Como
aproximações entre discurso filosófico e discurso científico, podemos destacar:
• a
curiosidade e o conjunto de perguntas sobre a realidade que inspiram ambas as
investigações;
• o esforço
de explicitação de ideias que filósofos e cientistas empreendem;
• a
construção de argumentação que permita a comunicação dos saberes formulados, investigados;
• a
utilização de metáforas para oferecer imagens mais próximas a saberes já
conhecidos no esforço de comunicação dos novos conhecimentos.
Como
diferenças, podemos destacar:
• a Filosofia
utiliza diversos gêneros textuais para expressar suas ideias: cartas, poemas, diálogos,
ensaios. A Ciência não faz uso de tão diverso universo de gêneros textuais e seu
gênero é o relatório de pesquisa e o artigo científico. A Filosofia questiona
métodos e finalidades da Ciência. A Ciência utiliza instrumentos para construir
dados e a Filosofia não está associada ao uso de instrumentos;
• as
definições dos termos em Ciência são especificadas de forma que se generalize
seu significado e, em Filosofia, um termo ou expressão pode ter diferentes
significados, a depender do contexto e da formulação argumentativa do autor.
Exemplo: a palavra “átomo”, em Química, e a palavra “sujeito”, em Filosofia. É
comum usarmos as expressões: “Marx entende o sujeito como...”; “Para Foucault,
o significado da palavra sujeito é...”; “Em Deleuze, o sujeito é...”; ou
“Descartes afirmava que o sujeito constitui-se em...”.
Considerando-se o texto Filosofia e Ciência:
uma origem comum e um destino de separação Responda:
1.
O que se pode afirmar sobre a diferença entre Filosofia
e Ciência?
2.
Para elaborar cada um dos textos, o filosófico e o
científico, os procedimentos de pesquisa são os mesmos? Justifique sua
resposta.
3.
Você poderia citar exemplos sobre em
que momentos a Ciência promove a humanização e em que
momento ela promove ou atua contra a humanização?
O LIBERTARISMO
Competência e
habilidades a serem desenvolvidas: relacionar informações de fontes variadas
com conhecimentos de situações diversas, para construir argumentação
consistente (Enem): problematizar a questão da liberdade e sensibilizar-se quanto
à relevância de refletir de forma sistemática e rigorosa sobre ela; identificar
as contribuições c os limites das concepções de liberdade abordadas e
posicionar-se criticamente em relação a elas: conhecer e dominar aspectos das
concepções de liberdade; ler, compreender e interpretar textos teóricos e
filosóficos; expressar-se por escrito e oralmente de forma sistemática:
elaborar hipóteses e questões com base em leituras e debates realizados.
Neste texto,
será abordado o tema da Liberdade sob o enfoque do libertarismo. O libertarismo
concebe a liberdade como autodeterminação ou autocausalidade. Segundo essa
corrente, ser livre é agir voluntariamente, sendo a vontade determinada
exclusivamente pelo próprio agente.
Para analisar
essa concepção, veremos, brevemente, a posição de Aristóteles e a tese do
livre-arbítrio tal como formulou Santo Agostinho.
1 - O que é
liberdade para você? Dê uma definição.
2 - É
possível ser livre na sociedade em que vivemos? Por quê?
3 - Você se
considera uma pessoa livre? Justifique.
A liberdade
é, sem dúvida, um dos valores mais apregoados e defendidos no mundo contemporâneo.
Figura como direito inalienável na Declaração Universal dos Direitos do Homem e
do Cidadão e na Constituição da maioria das nações. No caso do Brasil, esse
direito é assegurado pelo artigo 5º da Constituição Federal.
LIBERDADE - INTRODUÇÃO
Mas será que
todos a entendemos no mesmo sentido? Em nome desse valor moral tão decantado já
não se cometeram horríveis atrocidades? Será que ela se aplica da mesma maneira
a todas as pessoas e classes sociais? Por exemplo, a Constituição diz, no
artigo 5º - inciso XIII, que “é livre o exercício de qualquer trabalho, ofício
ou profissão, atendidas as qualificações profissionais que a lei
estabelecer". Na prática, porém, todos podem escolher com liberdade a
profissão que irão exercer? O inciso XV do mesmo artigo diz que "é livre a
locomoção no território nacional", Mas todos têm iguais condições para
decidir quando, como e para onde desejam ir, por exemplo, nas férias ou nos
feriados prolongados? Será que a liberdade proclamada no plano formal (na lei,
por exemplo) está sendo assegurada na prática?
Do ponto de
vista estritamente filosófico, podemos perguntar: O homem é livre para agir
segundo sua vontade ou está sujeito a alguma espécie de lei ou mecanismo que
determina a forma como ele se comporta? Em outras palavras: as coisas acontecem
de determinada forma porque têm necessariamente que ser assim, ou somos nós que
as fazemos conforme bem entendemos? Ou será que na verdade, tudo acontece por
acaso, fortuitamente? Afinal, existe um destino previamente traçado do qual não
conseguimos escapar, ou somos nós os autores e sujeitos do nosso destino, da
nossa história? Enfim, é possível ao homem exercer a liberdade? Em que medida?
Vemos que o
problema não é simples. Nos próximos textos, vamos tratar do tema da liberdade.
Na realidade, já o abordamos brevemente no bimestre anterior quando estudamos a
desigualdade vista por Rousseau, no texto “O contrato social e a igualdade
formal, em que ele procura conciliar obediência às leis com o exercício da
liberdade. Segundo Rousseau, pelo Contrato Social, cada membro da sociedade
decide voluntariamente alienar-se de seus direitos particulares em favor da comunidade.
Como essa alienação é praticada por todos, e como as leis às quais cada um deve
obedecer, são fruto, da vontade geral, na pratica, cada cidadão obedece às leis
que prescreveu para si mesmo, preservando, assim, sua liberdade. Desse modo,
Rousseau estabelece uma distinção entre liberdade natural (fazer tudo o que se
deseja e que se possa) e liberdade civil ou liberdade moral (limitada pela
vontade geral). Esta, para ele, é a "única que torna o homem
verdadeiramente senhor de si mesmo, posto que o impulso apenas do apetite
constitui a escravidão, e a obediência à lei a si mesmo prescrita é a
liberdade".
A partir de
agora vamos ampliar um pouco mais o estudo desse assunto, examinando
sumariamente três posições filosóficas.
“O ATO INSTITUCIONAL Nº. 5, DE 13 DE
DEZEMBRO DE 1968”
O Ato
Institucional n" 5, de 1968, conhecido como AI-5, um dos instrumentos
jurídicos usados pela ditadura militar instalada no Brasil em 1964, tinha como
uma de suas justificativas assegurar a "autêntica ordem democrática,
baseada na liberdade" e "no respeito a dignidade da pessoa
humana". Apesar disso, instituía medidas de exceção, tais como: dava
amplos poderes ao presidente da República, que podia, entre outras medidas:
"decretar o recesso do Congresso Nacional, das Assembleias Legislativas e
das Câmaras de Vereadores"; "legislar em todas as matéria";
"decretar a intervenção nos Estados e Municípios, sem as limitações
previstas na Constituição"; "suspender os direitos políticos de
quaisquer cidadãos pelo prazo de 10 anos e cassar mandatos eletivos federais,
estaduais e municipais"; suspender o "direito de votar e de ser
votado nas eleições sindicais"; proibir atividades ou manifestação sobre
assunto de natureza política"; impor a "liberdade vigiada";
proibir de "frequentar determinados lugares"; "demitir, remover,
aposentar ou pôr em disponibilidade" empregados de "autarquias,
empresas públicas ou sociedades de economia mista", além de "demitir,
transferir para a reserva ou reformar militares ou membros das polícias
militares"; "decretar o estado de sitio"; suspender "a
garantia de habeas corpus". Assim, em nome da liberdade, da democracia e
da dignidade humana, o AI-5 passava por cima da Constituição, lei maior que
justamente deveria salvaguardar esses princípios.
1 - Reflexão
sobre o significado do Ato Institucional n" 5 e sua relação com a questão
da liberdade.
2 - A
liberdade e a democracia são compatíveis com medidas como as previstas no AI-5?
Justifique.
LIBERDADE SEGUNDO ARISTÓTELES
A posição do
libertarismo é aquela que entende a liberdade como a possibilidade do indivíduo
de decidir e agir conforme sua própria vontade. Ser livre é, pois, o mesmo que
agir voluntariamente, sendo esta vontade determinada pelo próprio agente
exclusivamente. Ou seja, diante de uma situação qualquer, posso agir de uma
maneira ou de outra, dependendo apenas de minha decisão. Daí esta concepção
também ser denominada de perspectiva da autodeterminação, pois o próprio
sujeito que age é a causa de sua ação, sem que sofra qualquer constrangimento
de fatores externos a ele. Esta é, também, ao que parece, a posição que mais se
aproxima da concepção de liberdade característica do senso comum.
Um dos
primeiros a formular essa noção de liberdade foi Aristóteles. 384-322 a .C. em sua obra Ética a
Nicômaco, mais precisamente no Livro III. Inicia distinguindo o voluntário do
involuntário. "Parecem ser involuntárias as ações praticadas por força ou
por ignorância. É forçado o ato cujo princípio é exterior ao agente, princípio
puni o qual o agente ou o paciente em nada contribui; por exemplo, se o vento
ou homens, que dominam a situação, levarem-no a algum lugar".
Por
conseguinte, "o voluntário parece ser aquilo cujo princípio reside no
agente que conhece as circunstâncias particulares nas quais ocorre a ação".
Mas há,
também, para Aristóteles, certas ações que parecem misturar o caráter
voluntário e involuntário. Por exemplo, "se um tirano ordenasse a alguém
falar algo ignóbil retendo em seu poder pais e filhos que seriam salvos se o
fizesse, mas morreriam se não o fizesse": ou quando se faz "o
lançamento ao mar da carga de um navio durante uma tempestade" em nome da
segurança da embarcação. Embora seja discutível o caráter voluntário ou involuntário
de atos desse tipo, eles se assemelham mais a atos voluntários, visto que em
condições normais não teriam sido realizados. Resultam, portanto, de uma
escolha que se dá em função das circunstâncias do momento. São, portanto, ações
"voluntárias, mas absolutamente, presumivelmente, são involuntárias, pois
ninguém escolheria quaisquer destes atos por si mesmos", isto é, pelo que
eles próprios representam.
Mas, como vimos,
o involuntário é também aquilo que se faz por ignorância. E existe uma diferença
entre agir por ignorância e agir na ignorância. No primeiro caso, age-se por
causa da ignorância, isto é, a ignorância é a causa da ação. Se soubesse o que
fazia, a pessoa não agiria de tal maneira. Por exemplo, quando uma criança
brincando com um revólver o dispara acidentalmente, ferindo uma pessoa, ou
quando alguém tem uma reação alérgica a um medicamento cujos efeitos colaterais
desconhecia. No segundo caso, a ignorância não é propriamente a causa da ação,
mas, ao contrário, consequência de uma outra causa (a embriaguez, a fúria
etc.), que leva a pessoa a ignorar momentaneamente o que faz. Por exemplo,
quando um homem embriagado atravessa uma avenida movimentada pondo em risco sua
vida e a de outra pessoa.
Após
esclarecer o sentido de voluntário e involuntário, Aristóteles passa a discutir
o conceito de escolha. Em primeiro lugar, "a escolha deliberada é acompanhada
de pensamento e reflexão". Por isso, ela é própria dos seres humanos. Os
animais não são capazes de escolher, como vimos no exemplo dado por Rousseau, (O
homem no estudo de natureza): um gato faminto morre de fome diante de uma
porção de frutas. Não lhe é possível decidir comê-las ou não. Apenas obedece
aos condicionamentos que a natureza lhe impôs. O homem, ao contrário, dotado da
capacidade de escolha, pode se alimentar do que não gosta e até de alimentos que
lhe são prejudiciais à saúde.
Escolher
envolve sempre deliberação, decisão. Deliberar, por sua vez, requer
investigação e análise'. Mas nem tudo é passível de deliberação. Sobre certas
coisas não temos nenhum poder de decidir. Por exemplo: o fato de a diagonal e
os lados de um quadrado terem medidas diferentes, os solstícios, o nascimento e
a morte das estrelas, as secas e as chuvas, os acontecimentos fortuitos (como
um tesouro que se encontra por acaso, ou um pneu que fura na estrada). Mesmo
entre os atos humanos há muitos sobre os quais não podemos deliberar. Um
brasileiro não pode decidir sobre as leis da Argentina. Em suma, nenhuma dessas
coisas pode ocorrer por nossa iniciativa.
Sobre o que,
então, podemos escolher e deliberar? Apenas "sobre as coisas que estão em
nosso poder, e que podem ser feitas". Ou seja, deliberamos sobre coisas
possíveis, as quais são assim definidas por Aristóteles: "São possíveis
aquelas coisas que ocorrem por nós mesmos", isto é, que podemos realizar
com nossos próprios esforços. Por exemplo: um médico pode deliberar sobre os
meios de conduzir o tratamento; um comerciante, sobre as formas de negociar
seus produtos; um professor, sobre os procedimentos didáticos mais adequados; e
assim por diante. Assim, diz Aristóteles, "cada um de nós homens delibera
sobre aquilo que pode ser feito por si próprio".
Ora, se a
escolha supõe deliberação e só podemos deliberar sobre coisas possíveis (que
estão a nosso alcance), então só podemos escolher coisas possíveis. "A
escolha não pode visar a coisas impossíveis, e quem declarasse escolhê-las
passaria por tolo e ridículo".
Temos, então,
uma definição de escolha: "Dado que o objeto de escolha deliberada é o
objeto de desejo deliberado do que está em nosso poder, a escolha deliberada
será, então, o desejo deliberativo do que está em nosso poder, pois, julgando
em função de ter deliberado, desejamos conformemente a deliberação".
Concluindo,
podemos tentar agora definir a liberdade com base no que vimos do pensamento de
Aristóteles. Liberdade seria, então, agir voluntariamente (isto é, tendo no
próprio agente o princípio motor da ação e sem qualquer interferência externa a
ele), podendo escolher entre coisas possíveis mediante um processo de
deliberação.
O problema
dessa concepção de liberdade é que ela exclui por completo qualquer determinação
exterior ao sujeito, entendendo que, se nossas escolhas resultassem de causas
externas a nós ou de leis necessárias, ou mesmo do acaso, não dependeriam de
nossa deliberação e, consequentemente, não seriam livres. A liberdade seria,
pois, impossível. Mas será que nossas escolhas podem ser isoladas das
circunstâncias em que as fazemos e que, muitas vezes, independem de nossa
vontade? Por exemplo: o médico pode escolher o melhor tratamento para um paciente
que não pode pagar por ele, ou se o hospital de sua cidade não possui os
devidos recursos? O pequeno comerciante tem liberdade para decidir o preço de
suas mercadorias, tendo que enfrentar a concorrência dos grandes? O professor
pode adotar
os recursos didáticos que deseja, se a escola não dispõe de bibliotecas, laboratórios, equipamentos,
enfim, das condições objetivas adequadas?
os recursos didáticos que deseja, se a escola não dispõe de bibliotecas, laboratórios, equipamentos,
enfim, das condições objetivas adequadas?
Se a resposta
for negativa, talvez tenhamos de admitir que o libertarismo não responda de
forma plenamente satisfatória ao problema da liberdade. Após a leitura do texto
respondam as seguintes questões:
1 - Qual a
diferença entre uma ação voluntária e uma ação involuntária? Dê exemplos.
2 - Você é
capaz de imaginar um tipo de ação que seja uma espécie de mistura entre voluntária
e involuntária? Como ela seria? Dê exemplos.
3 – Defina a
liberdade com base no que vimos do pensamento de Aristóteles.
4 – Qual o
problema da concepção de liberdade em Aristóteles?
BRIGA PARA PEGAR AS FRUTAS NO LIXO
DESEMPREGADOS TRANSFORMAM SOBRAS DA CEASA
EM FONTE DE RENDA
"Diariamente,
Francisco das Chagas do Nascimento, 39 anos, chega com um carrinho de feira
para catar limões e laranjas no lixo. Os restos são fonte de renda para o
desempregado. Ele revende as frutas no Parque da Barragem, em Águas Lindas. Por
um saco de 200 limões, cobra R$ 4,00 'Pego do lixo e vendo porque estou doente
do coração e preciso comprar remédio', explica-se, com vergonha de estar ali no
meio daquelas trinta pessoas brigando para conseguir frutas boas no meio do
lixo.
As laranjas e
limões são jogados fora diariamente pelos funcionários da Comercial Mendes,
empresa que tem um galpão na Central de Abastecimento para venda de frutas e
hortaliças e outro no Setor de Indústria para processamento de laranjas e
limões. As frutas que o consumidor não compra no dia vão para um contêiner na
rua.
São cerca de
duas toneladas de frutas dispensadas todos os dias. Por volta das 17h, as
pessoas que se alimentam ou revendem aqueles restos estão a postos para pegar
as frutas. 'O que vejo hoje é que as pessoas que catam do lixo têm nível social
melhor do que há 20 anos. Antes, só os miseráveis comiam esses restos. Agora eu
vejo pessoas mais bem vestidas, que estão ali com muita vergonha', conta Roberto
Martins Goulart, gerente comercial da empresa. A grande maioria dos alimentos
dispensados vão para o lixo com qualidade, porém pequenos, manchados ou murchos
demais para agradar ao consumidor. [...]"
Após a
leitura do texto, respondam à seguinte questão:
1 - O senhor
Francisco é livre para sobreviver do lixo, dos restos da Ceasa? Justifique.
Após assistir
ao filme O Auto da Compadecida (direção de Guel Arraes, 2000), que será usado
como referência para o questionamento da tese central do livre-arbítrio. Para
tanto, peço a atenção para as seguintes questões:
1 - Pode-se
dizer que Chicó e João Grilo agiam com liberdade quando aplicavam pequenos golpes,
aproveitando-se da ingenuidade das pessoas? Por quê?
2 - Chicó e
João Grilo podem ser moralmente responsabilizados por esses atos? Por quê?
3 - Por que o
cangaceiro Severino é o único absolvido de imediato no tribunal do Juízo Final,
sendo logo enviado para o céu? Você concorda com essa decisão?
FUMO E LIVRE-ARBÍTRIO
Nos últimos
anos têm se avolumado as ações judiciais contra a indústria tabagista,
reclamando indenizações em virtude dos males provocados à saúde pelo cigarro.
Um dos argumentos mais empregados por essa indústria em sua defesa
fundamenta-se na tese do livre-arbítrio do fumante. Segundo esta perspectiva, o
ato de fumar decorre única e exclusivamente da vontade livre do indivíduo, de
modo que os eventuais malefícios que tal ato venha a lhe causar são de sua
inteira e exclusiva responsabilidade. Afinal, ninguém é obrigado a começar a
fumar. Os que contestam esse argumento, por sua vez, entendem que, na verdade,
o fumante é induzido ao vicio por inúmeros fatores externos, tais como: a curiosidade,
a necessidade de autoafírmação o espelhamento nos adultos ou nos ídolos, e,
principalmente, a publicidade, que, em vez de adotar um perfil informativo,
cria uma aura falsamente positiva em torno do fumo e oculta intencionalmente os
seus efeitos nocivos.
Documentos
revelados em 1994, nos Estados Unidos, demonstram que nos 1960 a indústria do tabaco
já havia provado em pesquisas que o alcatrão presente no cigarro causava câncer
em animais, que a nicotina provocava dependência e que o nível dessa substância
era calculado para manter o fumante viciado. Sabe-se, também, que "188
(cento e oitenta e oito) atores e diretores cinematográficos receberam
pagamento das empresas do fumo, entre os anos de 1978 a 1988, para que
imagens de cigarro fossem divulgadas nas telas de cinemas". É evidente que
toda essa estratégia de marketing induz a subestimar os perigos do cigarro,
prejudicando o discernimento do indivíduo.
Assim,
pode-se dizer que, na realidade, "não há - ao menos na maior parte dos
casos - livre-arbítrio ao se iniciar a prática do tabagismo". Aliás, como
dizia Alberto Magno, o homem livre é aquele que "é causa de si e que não é
coagido pelo poder de outro", Ora, em relação ao fumo, não é o que ocorre.
"Frente ao cigarro, o homem não é causa de si, coagido que foi e é pelo
influente poder econômico da indústria do tabaco, que, além de seduzi-lo a
experimentar um produto mortífero, acaba por transformá-lo num doente crônico,
instalando em seu organismo uma dependência que, no mais das vezes, o impede de
abdicar do tabagismo pelo simples exercício de sua vontade".
SANTO AGOSTINHO - O
LIVRE-ARBÍTRIO
Por
definição, livre-arbítrio é a "possibilidade de decidir, escolher em
função da própria vontade, isenta de qualquer condicionamento, motivo ou causa
determinante"'.
Um dos
filósofos que se ocuparam de elaborar essa concepção de liberdade foi Santo
Agostinho (354-430), que viveu na cidade de Hipona, na África, onde se tornou
bispo católico.
Para ele, o
homem é uma criatura privilegiada, porque foi feito à imagem e semelhança de
Deus. Assim, em correspondência com as três pessoas da Trindade, a alma humana
também seria dotada de três faculdades: a memória, responsável por preservar as
imagens provenientes dos sentidos, equivaleria à essência, isto é, àquilo que
não muda (Deus Pai); a inteligência corresponderia ao logos, isto é, à razão, à
verdade (Filho); e a vontade representaria o amor que cria o mundo (Espírito
Santo). Entre essas faculdades, a mais importante é a vontade, que, para
Agostinho, é criadora e livre (livre-arbítrio).
Nem mesmo a
presciência de Deus é incompatível com a livre vontade do homem. Presciência
(pré = antes; ciência = conhecimento) é a capacidade que só Deus possui de
conhecer todas as coisas antes que sucedam. De fato, para Santo Agostinho, Deus
conhece a ordem das causas que dão origem a todas as coisas. Mas disso não se
pode concluir que não há nada que dependa da vontade humana, "porque
também nossa própria vontade se inclui na ordem das causas, certa para Deus e
contida em sua presciência". Mais adiante, complementa o autor:
"Por
isso, de maneira alguma nos vemos constrangidos, admitida a presciência de
Deus, a suprimir o arbítrio da vontade ou, admitido o arbítrio da vontade, a
negar em Deus a presciência do futuro, o que é verdadeira impiedade".
Graças ao
livre-arbítrio, o homem pode inclusive afastar-se de Deus, afastamento este que
consiste na essência do pecado. O pecado, portanto, não é necessário (no
sentido de algo que tem obrigatoriamente que acontecer e não pode ser evitado),
mas contingente: resulta não de Deus, mas da vontade do homem, isto é, de seu
livre-arbítrio, ou, mais precisamente, do mau uso de sua liberdade. A queda de
Adão e Eva foi de inteira responsabilidade deles. Mas o seu livre-arbítrio não
era suficiente para que retornassem a Deus. Para tanto, era preciso, também, a
graça divina. Esta graça seria a ajuda que Deus dá aos homens para que possam
cumprir os desígnios divinos e alcançar a salvação. Sem essa ajuda, o homem não
conseguiria dirigir-se para o Bem e renunciar ao Mal.
Ocorre,
porém, que, para Santo Agostinho, nem todas as pessoas recebem a graça de Deus,
mas apenas alguns escolhidos, que estariam predestinados à salvação. É a
doutrina de predestinação. Caberia, então, a pergunta: Afirmar a necessidade da
graça divina e a existência da predestinação não implica entrar em contradição
com a tese do livre-arbítrio? Para Santo Agostinho, não. Isso porque, na visão
do filósofo, mesmo com a ajuda da graça divina, o homem é livre para escolher
praticar o Bem ou o Mal. E isso vale também para os que estão predestinados à
salvação. Ou seja, para o homem se salvar não basta estar predestinado a isso.
É preciso, ainda, que ele escolha fazer o Bem. A predestinação, portanto, não é
a uma necessidade. Ela depende também da vontade humana. Não fosse assim, não
se poderia responsabilizar o homem pelo erro ou pelo pecado. Como diz Santo
Agostinho:
"Assim,
quando Deus castiga o pecador, o que te parece que ele diz senão estas
palavras: 'Eu te castigo porque não usaste de tua vontade livre para aquilo a
que eu a concedi a ti’? Isto é, para agires com retidão. Por outro lado, se o
homem carecesse do livre-arbítrio da vontade, como poderia existir esse bem,
que consiste em manifestar a justiça, condenando os pecados e premiando as boas
ações? Visto que a conduta desse homem não seria pecado nem boa ação, caso não
fosse voluntária. Igualmente o castigo, como a recompensa, seria injusto, se o
homem não fosse dotado de vontade livre. Ora, era preciso que a justiça
estivesse presente no castigo e na recompensa, porque ai está um dos bens cuja fonte
é Deus".
Portanto,
conclui o autor, "era necessário que Deus desse ao homem vontade livre”
Após lerem o
texto respondam as seguintes questões:
1 - Qual é a
definição de livre-arbítrio apresentada?
2 - Por que,
para Santo Agostinho, a presciência divina não é incompatível com o
livre-arbítrio dos homens?
3 - Por que,
para Santo Agostinho, afirmar a necessidade da graça divina e a existência da
predestinação não implica entrar em contradição com a tese do livre-arbítrio?
4 - Por que a
afirmação do livre-arbítrio é necessária para que uma pessoa seja moralmente
responsabilizada por seus atos?
5 - Apresente
uma definição de libertarismo.
6- O que é
livre-arbítrio para Santo Agostinho e como ele consegue conciliar a liberdade
humana com a teoria da graça e da predestinação? Você concorda?
7 - Escolha
uma das duas teses a seguir e elabore uma breve dissertação (20 a 30 linhas) argumentando
em favor dela. Nessa argumentação, é fundamental que apareçam conceitos e
teorias estudados nas aulas.
8 - Tese 1: O
fumante tem livre-arbítrio para decidir se começa ou não a fumar. Por isso, a indústria
tabagista não deve ser responsabilizada pelos malefícios provocados à saúde
pelo cigarro.
Tese 2: O
fumante não tem livre-arbítrio para decidir se começa ou não a fumar. Por isso,
a indústria tabagista deve ser responsabilizada pelos malefícios provocados à
saúde pelo cigarro.
9 - Dissertação
(20 a 30
linhas) sobre o tema "O tabagismo e o livre-arbítrio". Desenvolva, em
casa, uma reflexão pessoal sobre essa questão, demonstrando em sua argumentação
o aproveitamento que tiveram do estudo realizado. Ou Dissertação (20 a 30 linhas) sobre o
livre-arbítrio em seu cotidiano.
Prof. Manoelito