quinta-feira, 15 de agosto de 2013

3ª SÉRIE - CONTEÚDOS PARA AVALIAÇÃO (1) 3º - BIMESTRE

EE Batista Renzi
           Disciplina: Filosofia
           Área: Ciências Humanas e Suas Tecnologias
           Etapa da Educação Básica: Ensino Médio
           3ª Série – Volume 3 - 3º Bimestre
          Temas e conteúdos: Filosofia e Ciência
          Prof. Manoelito

DISTANCIAMENTOS E APROXIMAÇÕES ENTRE DOIS DISCURSOS:
O FILOSÓFICO E O CIENTÍFICO

Nestes textos, a Filosofia será pensada em comparação com a Ciência e, mais do que traçar fronteira demasiadamente explícitas, o importante é pensar uma origem comum na Grécia Antiga e as hipóteses para o distanciamento que se opera, principalmente tomando-se por base a concepção de Ciência moderna.
Competências e habilidades a serem desenvolvidas: relacionar informações de fontes variadas com conhecimentos de situações diversas, para construir argumentação consistente (Exame Nacional do Ensino Médio Enem): comparar discurso filosófico e discurso científico: aprofundar a compreensão sobre o que é Filosofia valendo-se de comparação com o conceito de Ciência: ler, compreender e interpretar textos teóricos e filosóficos: expressar-se por escrito e oralmente de forma sistemática: elaborar hipóteses c questões com base em leituras e debates realizados.
No segundo bimestre, desafiamos vocês a comentarem um fato a partir de dois pontos de vista, o de um filósofo e o de um religioso. O objetivo era identificar semelhanças e diferenças entre os dois discursos produzidos.
Neste momento, vamos pensar na distinção e na aproximação entre o discurso filosófico e o discurso científico.
Para isso, façam a leitura dos próximos dois textos: Um filosófico, de Montaigne, e outro tipicamente cientifico, retirado de um relatório sobre saúde no Brasil.

De como filosofar é aprender a morrer
"Para Cícero, filosofar não é outra coisa que preparar-se para a morte. Talvez porque o estudo e a contemplação tiram a alma para fora de nós, separam nossa alma do corpo, o que. em suma, se assemelha à morte e constitui como que um aprendizado em vista dela. Ou então é porque de toda sabedoria e inteligência resulta, finalmente, que aprendemos a não ter receio da morte. Em verdade, ou nossa razão falha ou seu objetivo único deve ser a nossa própria satisfação, e seu trabalho tender para que vivamos bem, e com alegria, como recomenda a Sagrada Escritura.
[...] Não sabemos onde a morte nos aguarda, e por isto a esperamos em toda parte. Refletir sobre a morte é refletir sobre a liberdade; quem aprendeu a morrer, desaprendeu de servir; nenhum mal atingirá quem na existência compreendeu que a privação da vida não é um mal: saber morrer nos libera de toda sujeição e constrangimento". [...]

RELATÓRIO CIENTÍFICO
DADOS DE MORTALIDADE NO BRASIL

[...] "As lesões não intencionais e as violências constituem a primeira causa de mortalidade regis¬trada na faixa etária de 15 a 60 anos, representando 30% do total de óbitos de causas determinadas em 1994'. Os homicídios e os acidentes de trânsito produzem impacto substancial na força de trabalho dos grandes centros urbanos, tendo sido responsáveis, em conjunto, por 28,7% dos anos de trabalho potencialmente perdidos (ATPP) em 1987. Seguem-se, em ordem decrescente de importância, as doenças do aparelho circulatório (24%) e as neoplasias (13%). A distribuição por subgrupos de idade mostra forte predominância das causas externas nos estratos de 15-19 e 20-29 anos (71% e 62%, respectivamente). Esse grupo de causas ocupa o primeiro lugar também entre 30-39 anos (38%), em que também há participação importante das doenças do aparelho circulatório (16%) e das doenças endócrinas e metabólicas (12%). Nos grupos etários de 40-49 e de 50-59 anos predominam as doenças do aparelho circulatório (30% e 39%, respectivamente), seguindo-se as neoplasias (16% e 21%) e as causas externas (20% e 9%).
Cerca de 70% dos óbitos em todo o grupo adulto corresponderam ao sexo masculino." [...]
Após fazerem a leitura dos textos respondam as seguintes questões:

·         Os dois textos trazem opinião de seus autores?
·         Como se apresentam as informações em cada um dos textos?
·         Quais as diferenças que mais chamam a atenção nos dois breves textos?


FILOSOFIA E CIÊNCIA: UMA ORIGEM COMUM E UM DESTINO DE SEPARAÇÃO

No momento de origem da Filosofia, na Antiguidade Grega, não havia distinções entre Filosofia e Ciência. Filosofia era considerada o conjunto de todos os conhecimentos: físicos e metafísicos. A leitura dos textos de Aristóteles, por exemplo, revela que este autor escreveu sobre a alma e sobre a natureza, sem distinguir os campos de conhecimento científicos e filosóficos como fazemos atualmente.
O saber filosófico contemplava uma enorme diversidade de conhecimentos, uma vez que os primeiros filósofos colocavam-se questões relativas aos campos que hoje são identificados como Matemática, Biologia, Física, lógica, Música, Teatro, Astronomia, Política e Ética.
O mundo a ser compreendido abarcava questões em torno de dois grandes temas: a natureza e o homem. E como não havia acúmulo de conhecimentos associados a nenhum dos dois temas, a Filosofia foi se constituindo como um campo amplo de perguntas e respostas sobre o mundo natural e o mundo humano.
Essa abordagem ampla da Filosofia preservou-se até o período medieval, quando a Teologia se constitui como campo dos estudos sobre Deus e sobre a fé.
A partir do Renascimento e durante a Idade Moderna, Física, Matemática, Química e Biologia foram conquistando autonomia em relação à Filosofia e delimitando campos específicos de investigação de seus objetos num processo que se estende por séculos.
Newton e Descartes são autores cujas obras registraram aspectos que sugerem uma transição, na qual a Filosofia se separa da Ciência. O livro em que Newton apresenta leis da mecânica chama-se Princípios matemáticos de filosofia natural.
Um livro de Descartes, que se chama Princípios de Filosofia, está dividido em quatro partes, denominadas Dos princípios do conhecimento humano, Dos princípios das coisas materiais, Do mundo visível e A Terra.
Foi fundamental para a separação entre Filosofia e Ciência a formulação sobre o método científico, que tem início no Renascimento, nos séculos XIV, XV e XVI, e se consolida nos séculos XVII, XVIII e XIX. Essa formulação entende que os conhecimentos sobre a natureza devem ser passíveis de observação e experimentação para verificação de hipóteses.
O próprio conceito de Ciência ganha essa forte significação de conhecimentos, que podem ser observados e experimentados para comprovação ou negação.
Outra ideia formulada no interior das Ciências, sobretudo a partir do século XIX, serve para especificá-la diante da Filosofia: a neutralidade do cientista em relação ao objeto de conhecimento. Segundo essa concepção, de que é preciso ser neutro diante do objeto investigado, o cientista não deveria interpretar e decidir quais dados selecionar entre aqueles que vai encontrando no processo de pesquisa científica. Essa concepção contemplava a visão de que os dados deveriam falar por si próprios, sendo o papel do cientista evidenciá-los.
Muitas vezes, diante dessa perspectiva, considera-se que, de modo geral, os filósofos posicionam-se pensando seus temas valendo-se de sua visão de mundo, a qual condiciona sua interpretação, o que contrastaria com a neutralidade da Ciência. Filosofia e Ciência deveriam, assim, construir caminhos separados para o conhecimento.
Em síntese, pode-se afirmar que Filosofia e Ciência nascem juntas como conjunto de conhecimentos sobre a natureza e a sociedade humana e separam-se de forma vagarosa, ao longo de pelo menos seis séculos, nos quais uma determinada visão de Ciência, baseada na observação, experimentação, comprovação de hipóteses e suposta neutralidade, contribuiu para essa separação e caracterização dos discursos filosóficos e científicos, com a qual nos ocupamos neste Caderno. Aliada a essa visão de Ciência, tivemos ainda a crescente especialização dos saberes e a criação de campos de disciplinas como conhecemos atualmente.
Nos séculos XIX e XX, uma nova visão de Ciência é formulada, baseada na ideia de que nem sempre são possíveis comprovações ou experimentações e é impossível a neutralidade do cientista, uma vez que ele necessariamente interpreta, seleciona e se posiciona de forma interessada diante de seus dados.
Como aproximações entre discurso filosófico e discurso científico, podemos destacar:
• a curiosidade e o conjunto de perguntas sobre a realidade que inspiram ambas as investigações;
• o esforço de explicitação de ideias que filósofos e cientistas empreendem;
• a construção de argumentação que permita a comunicação dos saberes formulados, investigados;
• a utilização de metáforas para oferecer imagens mais próximas a saberes já conhecidos no esforço de comunicação dos novos conhecimentos.
Como diferenças, podemos destacar:
• a Filosofia utiliza diversos gêneros textuais para expressar suas ideias: cartas, poemas, diálogos, ensaios. A Ciência não faz uso de tão diverso universo de gêneros textuais e seu gênero é o relatório de pesquisa e o artigo científico. A Filosofia questiona métodos e finalidades da Ciência. A Ciência utiliza instrumentos para construir dados e a Filosofia não está associada ao uso de instrumentos;
• as definições dos termos em Ciência são especificadas de forma que se generalize seu significado e, em Filosofia, um termo ou expressão pode ter diferentes significados, a depender do contexto e da formulação argumentativa do autor. Exemplo: a palavra “átomo”, em Química, e a palavra “sujeito”, em Filosofia. É comum usarmos as expressões: “Marx entende o sujeito como...”; “Para Foucault, o significado da palavra sujeito é...”; “Em Deleuze, o sujeito é...”; ou “Descartes afirmava que o sujeito constitui-se em...”.

 Considerando-se o texto Filosofia e Ciência: uma origem comum e um destino de separação Responda:  
1.      O que se pode afirmar sobre a diferença entre Filosofia e Ciência?
2.      Para elaborar cada um dos textos, o filosófico e o científico, os procedimentos de pesquisa são os mesmos? Justifique sua resposta.
3.      Você poderia citar exemplos sobre em que momentos a Ciência promove a humanização e em que momento ela promove ou atua contra a humanização?

O LIBERTARISMO

Competência e habilidades a serem desenvolvidas: relacionar informações de fontes variadas com conhecimentos de situações diversas, para construir argumentação consistente (Enem): problematizar a questão da liberdade e sensibilizar-se quanto à relevância de refletir de forma sistemática e rigorosa sobre ela; identificar as contribuições c os limites das concepções de liberdade abordadas e posicionar-se criticamente em relação a elas: conhecer e dominar aspectos das concepções de liberdade; ler, compreender e interpretar textos teóricos e filosóficos; expressar-se por escrito e oralmente de forma sistemática: elaborar hipóteses e questões com base em leituras e debates realizados.
Neste texto, será abordado o tema da Liberdade sob o enfoque do libertarismo. O libertarismo concebe a liberdade como autodeterminação ou autocausalidade. Segundo essa corrente, ser livre é agir voluntariamente, sendo a vontade determinada exclusivamente pelo próprio agente.
Para analisar essa concepção, veremos, brevemente, a posição de Aristóteles e a tese do livre-arbítrio tal como formulou Santo Agostinho.

1 - O que é liberdade para você? Dê uma definição.
2 - É possível ser livre na sociedade em que vivemos? Por quê?
3 - Você se considera uma pessoa livre? Justifique.

A liberdade é, sem dúvida, um dos valores mais apregoados e defendidos no mundo contemporâneo. Figura como direito inalienável na Declaração Universal dos Direitos do Homem e do Cidadão e na Constituição da maioria das nações. No caso do Brasil, esse direito é assegurado pelo artigo 5º da Constituição Federal.

LIBERDADE - INTRODUÇÃO

Mas será que todos a entendemos no mesmo sentido? Em nome desse valor moral tão decantado já não se cometeram horríveis atrocidades? Será que ela se aplica da mesma maneira a todas as pessoas e classes sociais? Por exemplo, a Constituição diz, no artigo 5º - inciso XIII, que “é livre o exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão, atendidas as qualificações profissionais que a lei estabelecer". Na prática, porém, todos podem escolher com liberdade a profissão que irão exercer? O inciso XV do mesmo artigo diz que "é livre a locomoção no território nacional", Mas todos têm iguais condições para decidir quando, como e para onde desejam ir, por exemplo, nas férias ou nos feriados prolongados? Será que a liberdade proclamada no plano formal (na lei, por exemplo) está sendo assegurada na prática?
Do ponto de vista estritamente filosófico, podemos perguntar: O homem é livre para agir segundo sua vontade ou está sujeito a alguma espécie de lei ou mecanismo que determina a forma como ele se comporta? Em outras palavras: as coisas acontecem de determinada forma porque têm necessariamente que ser assim, ou somos nós que as fazemos conforme bem entendemos? Ou será que na verdade, tudo acontece por acaso, fortuitamente? Afinal, existe um destino previamente traçado do qual não conseguimos escapar, ou somos nós os autores e sujeitos do nosso destino, da nossa história? Enfim, é possível ao homem exercer a liberdade? Em que medida?

Vemos que o problema não é simples. Nos próximos textos, vamos tratar do tema da liberdade. Na realidade, já o abordamos brevemente no bimestre anterior quando estudamos a desigualdade vista por Rousseau, no texto “O contrato social e a igualdade formal, em que ele procura conciliar obediência às leis com o exercício da liberdade. Segundo Rousseau, pelo Contrato Social, cada membro da sociedade decide voluntariamente alienar-se de seus direitos particulares em favor da comunidade. Como essa alienação é praticada por todos, e como as leis às quais cada um deve obedecer, são fruto, da vontade geral, na pratica, cada cidadão obedece às leis que prescreveu para si mesmo, preservando, assim, sua liberdade. Desse modo, Rousseau estabelece uma distinção entre liberdade natural (fazer tudo o que se deseja e que se possa) e liberdade civil ou liberdade moral (limitada pela vontade geral). Esta, para ele, é a "única que torna o homem verdadeiramente senhor de si mesmo, posto que o impulso apenas do apetite constitui a escravidão, e a obediência à lei a si mesmo prescrita é a liberdade".
A partir de agora vamos ampliar um pouco mais o estudo desse assunto, examinando sumariamente três posições filosóficas.

“O ATO INSTITUCIONAL Nº. 5, DE 13 DE DEZEMBRO DE 1968”

O Ato Institucional n" 5, de 1968, conhecido como AI-5, um dos instrumentos jurídicos usados pela ditadura militar instalada no Brasil em 1964, tinha como uma de suas justificativas assegurar a "autêntica ordem democrática, baseada na liberdade" e "no respeito a dignidade da pessoa humana". Apesar disso, instituía medidas de exceção, tais como: dava amplos poderes ao presidente da República, que podia, entre outras medidas: "decretar o recesso do Congresso Nacional, das Assembleias Legislativas e das Câmaras de Vereadores"; "legislar em todas as matéria"; "decretar a intervenção nos Estados e Municípios, sem as limitações previstas na Constituição"; "suspender os direitos políticos de quaisquer cidadãos pelo prazo de 10 anos e cassar mandatos eletivos federais, estaduais e municipais"; suspender o "direito de votar e de ser votado nas eleições sindicais"; proibir atividades ou manifestação sobre assunto de natureza política"; impor a "liberdade vigiada"; proibir de "frequentar determinados lugares"; "demitir, remover, aposentar ou pôr em disponibilidade" empregados de "autarquias, empresas públicas ou sociedades de economia mista", além de "demitir, transferir para a reserva ou reformar militares ou membros das polícias militares"; "decretar o estado de sitio"; suspender "a garantia de habeas corpus". Assim, em nome da liberdade, da democracia e da dignidade humana, o AI-5 passava por cima da Constituição, lei maior que justamente deveria salvaguardar esses princípios.

1 - Reflexão sobre o significado do Ato Institucional n" 5 e sua relação com a questão da liberdade.
2 - A liberdade e a democracia são compatíveis com medidas como as previstas no AI-5? Justifique.

LIBERDADE SEGUNDO ARISTÓTELES

A posição do libertarismo é aquela que entende a liberdade como a possibilidade do indivíduo de decidir e agir conforme sua própria vontade. Ser livre é, pois, o mesmo que agir voluntariamente, sendo esta vontade determinada pelo próprio agente exclusivamente. Ou seja, diante de uma situação qualquer, posso agir de uma maneira ou de outra, dependendo apenas de minha decisão. Daí esta concepção também ser denominada de perspectiva da autodeterminação, pois o próprio sujeito que age é a causa de sua ação, sem que sofra qualquer constrangimento de fatores externos a ele. Esta é, também, ao que parece, a posição que mais se aproxima da concepção de liberdade característica do senso comum.
Um dos primeiros a formular essa noção de liberdade foi Aristóteles. 384-322 a.C. em sua obra Ética a Nicômaco, mais precisamente no Livro III. Inicia distinguindo o voluntário do involuntário. "Parecem ser involuntárias as ações praticadas por força ou por ignorância. É forçado o ato cujo princípio é exterior ao agente, princípio puni o qual o agente ou o paciente em nada contribui; por exemplo, se o vento ou homens, que dominam a situação, levarem-no a algum lugar".
Por conseguinte, "o voluntário parece ser aquilo cujo princípio reside no agente que conhece as circunstâncias particulares nas quais ocorre a ação".
Mas há, também, para Aristóteles, certas ações que parecem misturar o caráter voluntário e involuntário. Por exemplo, "se um tirano ordenasse a alguém falar algo ignóbil retendo em seu poder pais e filhos que seriam salvos se o fizesse, mas morreriam se não o fizesse": ou quando se faz "o lançamento ao mar da carga de um navio durante uma tempestade" em nome da segurança da embarcação. Embora seja discutível o caráter voluntário ou involuntário de atos desse tipo, eles se assemelham mais a atos voluntários, visto que em condições normais não teriam sido realizados. Resultam, portanto, de uma escolha que se dá em função das circunstâncias do momento. São, portanto, ações "voluntárias, mas absolutamente, presumivelmente, são involuntárias, pois ninguém escolheria quaisquer destes atos por si mesmos", isto é, pelo que eles próprios representam.
Mas, como vimos, o involuntário é também aquilo que se faz por ignorância. E existe uma diferença entre agir por ignorância e agir na ignorância. No primeiro caso, age-se por causa da ignorância, isto é, a ignorância é a causa da ação. Se soubesse o que fazia, a pessoa não agiria de tal maneira. Por exemplo, quando uma criança brincando com um revólver o dispara acidentalmente, ferindo uma pessoa, ou quando alguém tem uma reação alérgica a um medicamento cujos efeitos colaterais desconhecia. No segundo caso, a ignorância não é propriamente a causa da ação, mas, ao contrário, consequência de uma outra causa (a embriaguez, a fúria etc.), que leva a pessoa a ignorar momentaneamente o que faz. Por exemplo, quando um homem embriagado atravessa uma avenida movimentada pondo em risco sua vida e a de outra pessoa.
Após esclarecer o sentido de voluntário e involuntário, Aristóteles passa a discutir o conceito de escolha. Em primeiro lugar, "a escolha deliberada é acompanhada de pensamento e reflexão". Por isso, ela é própria dos seres humanos. Os animais não são capazes de escolher, como vimos no exemplo dado por Rousseau, (O homem no estudo de natureza): um gato faminto morre de fome diante de uma porção de frutas. Não lhe é possível decidir comê-las ou não. Apenas obedece aos condicionamentos que a natureza lhe impôs. O homem, ao contrário, dotado da capacidade de escolha, pode se alimentar do que não gosta e até de alimentos que lhe são prejudiciais à saúde.
Escolher envolve sempre deliberação, decisão. Deliberar, por sua vez, requer investigação e análise'. Mas nem tudo é passível de deliberação. Sobre certas coisas não temos nenhum poder de decidir. Por exemplo: o fato de a diagonal e os lados de um quadrado terem medidas diferentes, os solstícios, o nascimento e a morte das estrelas, as secas e as chuvas, os acontecimentos fortuitos (como um tesouro que se encontra por acaso, ou um pneu que fura na estrada). Mesmo entre os atos humanos há muitos sobre os quais não podemos deliberar. Um brasileiro não pode decidir sobre as leis da Argentina. Em suma, nenhuma dessas coisas pode ocorrer por nossa iniciativa.
Sobre o que, então, podemos escolher e deliberar? Apenas "sobre as coisas que estão em nosso poder, e que podem ser feitas". Ou seja, deliberamos sobre coisas possíveis, as quais são assim definidas por Aristóteles: "São possíveis aquelas coisas que ocorrem por nós mesmos", isto é, que podemos realizar com nossos próprios esforços. Por exemplo: um médico pode deliberar sobre os meios de conduzir o tratamento; um comerciante, sobre as formas de negociar seus produtos; um professor, sobre os procedimentos didáticos mais adequados; e assim por diante. Assim, diz Aristóteles, "cada um de nós homens delibera sobre aquilo que pode ser feito por si próprio".

Ora, se a escolha supõe deliberação e só podemos deliberar sobre coisas possíveis (que estão a nos­so alcance), então só podemos escolher coisas possíveis. "A escolha não pode visar a coisas impossíveis, e quem declarasse escolhê-las passaria por tolo e ridículo".
Temos, então, uma definição de escolha: "Dado que o objeto de escolha deliberada é o objeto de desejo deliberado do que está em nosso po­der, a escolha deliberada será, então, o desejo deliberativo do que está em nosso poder, pois, julgando em função de ter deliberado, desejamos conformemente a deliberação".
Concluindo, podemos tentar agora definir a liberdade com base no que vimos do pensamento de Aristóteles. Liberdade seria, então, agir voluntariamente (isto é, tendo no próprio agente o princípio motor da ação e sem qualquer interferência externa a ele), podendo escolher entre coisas possíveis mediante um processo de deliberação.
O problema dessa concepção de liberdade é que ela exclui por completo qualquer determinação exterior ao sujeito, entendendo que, se nossas escolhas resultassem de causas externas a nós ou de leis necessárias, ou mesmo do acaso, não dependeriam de nossa deliberação e, consequentemente, não seriam livres. A liberdade seria, pois, impossível. Mas será que nossas escolhas podem ser isoladas das circunstâncias em que as fazemos e que, muitas vezes, independem de nossa vontade? Por exemplo: o médico pode escolher o melhor tratamento para um paciente que não pode pagar por ele, ou se o hos­pital de sua cidade não possui os devidos recursos? O pequeno comerciante tem liberdade para decidir o preço de suas mercadorias, tendo que enfrentar a concorrência dos grandes? O professor pode adotar
os recursos didáticos que deseja, se a escola não dispõe de bibliotecas, laboratórios, equipamentos,
enfim, das condições objetivas adequadas?
Se a resposta for negativa, talvez tenhamos de admitir que o libertarismo não responda de forma plenamente satisfatória ao problema da liberdade. Após a leitura do texto respondam as seguintes questões:
1 - Qual a diferença entre uma ação voluntária e uma ação involuntária? Dê exemplos.
2 - Você é capaz de imaginar um tipo de ação que seja uma espécie de mistura entre voluntária e involuntária? Como ela seria? Dê exemplos.
3 – Defina a liberdade com base no que vimos do pensamento de Aristóteles.
4 – Qual o problema da concepção de liberdade em Aristóteles?

BRIGA PARA PEGAR AS FRUTAS NO LIXO
DESEMPREGADOS TRANSFORMAM SOBRAS DA CEASA EM FONTE DE RENDA

"Diariamente, Francisco das Chagas do Nascimento, 39 anos, chega com um carrinho de feira para catar limões e laranjas no lixo. Os restos são fonte de renda para o desempregado. Ele revende as frutas no Parque da Barragem, em Águas Lindas. Por um saco de 200 limões, cobra R$ 4,00 'Pego do lixo e vendo porque estou doente do coração e preciso comprar remédio', explica-se, com vergonha de estar ali no meio daquelas trinta pessoas brigando para conseguir frutas boas no meio do lixo.
As laranjas e limões são jogados fora diariamente pelos funcionários da Comercial Mendes, empresa que tem um galpão na Central de Abastecimento para venda de frutas e hortaliças e outro no Setor de Indústria para processamento de laranjas e limões. As frutas que o consumidor não compra no dia vão para um contêiner na rua.
São cerca de duas toneladas de frutas dispensadas todos os dias. Por volta das 17h, as pessoas que se alimentam ou revendem aqueles restos estão a postos para pegar as frutas. 'O que vejo hoje é que as pessoas que catam do lixo têm nível social melhor do que há 20 anos. Antes, só os miseráveis comiam esses restos. Agora eu vejo pessoas mais bem vestidas, que estão ali com muita vergonha', conta Roberto Martins Goulart, gerente comercial da empresa. A grande maioria dos alimentos dispensados vão para o lixo com qualidade, porém pequenos, manchados ou murchos demais para agradar ao consumidor. [...]"

Após a leitura do texto, respondam à seguinte questão:

1 - O senhor Francisco é livre para sobreviver do lixo, dos restos da Ceasa? Justifique.

Após assistir ao filme O Auto da Compadecida (direção de Guel Arraes, 2000), que será usado como referência para o questionamento da tese central do livre-arbítrio. Para tanto, peço a atenção para as seguintes questões:

1 - Pode-se dizer que Chicó e João Grilo agiam com liberdade quando aplicavam pequenos golpes, aproveitando-se da ingenuidade das pessoas? Por quê?
2 - Chicó e João Grilo podem ser moralmente responsabilizados por esses atos? Por quê?
3 - Por que o cangaceiro Severino é o único absolvido de imediato no tribunal do Juízo Final, sendo logo enviado para o céu? Você concorda com essa decisão?



FUMO E LIVRE-ARBÍTRIO

Nos últimos anos têm se avolumado as ações judiciais contra a indústria tabagista, reclamando indenizações em virtude dos males provocados à saúde pelo cigarro. Um dos argumentos mais empregados por essa indústria em sua defesa fundamenta-se na tese do livre-arbítrio do fumante. Segundo esta perspectiva, o ato de fumar decorre única e exclusivamente da vontade livre do indivíduo, de modo que os eventuais malefícios que tal ato venha a lhe causar são de sua inteira e exclusiva responsabilidade. Afinal, ninguém é obrigado a começar a fumar. Os que contestam esse argumento, por sua vez, entendem que, na verdade, o fumante é induzido ao vicio por inúmeros fatores externos, tais como: a curiosidade, a necessidade de autoafírmação o espelhamento nos adultos ou nos ídolos, e, principalmente, a publicidade, que, em vez de adotar um perfil informativo, cria uma aura falsamente positiva em torno do fumo e oculta intencionalmente os seus efeitos nocivos.
Documentos revelados em 1994, nos Estados Unidos, demonstram que nos 1960 a indústria do tabaco já havia provado em pesquisas que o alcatrão presente no cigarro causava câncer em animais, que a nicotina provocava dependência e que o nível dessa substância era calculado para manter o fumante viciado. Sabe-se, também, que "188 (cento e oitenta e oito) atores e diretores cinematográficos receberam pagamento das empresas do fumo, entre os anos de 1978 a 1988, para que imagens de cigarro fossem divulgadas nas telas de cinemas". É evidente que toda essa estratégia de marketing induz a subestimar os perigos do cigarro, prejudicando o discernimento do indivíduo.
Assim, pode-se dizer que, na realidade, "não há - ao menos na maior parte dos casos - livre-arbítrio ao se iniciar a prática do tabagismo". Aliás, como dizia Alberto Magno, o homem livre é aquele que "é causa de si e que não é coagido pelo poder de outro", Ora, em relação ao fumo, não é o que ocorre. "Frente ao cigarro, o homem não é causa de si, coagido que foi e é pelo influente poder econômico da indústria do tabaco, que, além de seduzi-lo a experimentar um produto mortífero, acaba por transformá-lo num doente crônico, instalando em seu organismo uma dependência que, no mais das vezes, o impede de abdicar do tabagismo pelo simples exercício de sua vontade".

SANTO AGOSTINHO - O LIVRE-ARBÍTRIO

Por definição, livre-arbítrio é a "possibilidade de decidir, escolher em função da própria vontade, isenta de qualquer condicionamento, motivo ou causa determinante"'.
Um dos filósofos que se ocuparam de elaborar essa concepção de liberdade foi Santo Agostinho (354-430), que viveu na cidade de Hipona, na África, onde se tornou bispo católico.
Para ele, o homem é uma criatura privilegiada, porque foi feito à imagem e semelhança de Deus. Assim, em correspondência com as três pessoas da Trindade, a alma humana também seria dotada de três faculdades: a memória, responsável por preservar as imagens provenientes dos sentidos, equivaleria à essência, isto é, àquilo que não muda (Deus Pai); a inteligência corresponderia ao logos, isto é, à razão, à verdade (Filho); e a vontade representaria o amor que cria o mundo (Espírito Santo). Entre essas faculdades, a mais importante é a vontade, que, para Agostinho, é criadora e livre (livre-arbítrio).
Nem mesmo a presciência de Deus é incompatível com a livre vontade do homem. Presciência (pré = antes; ciência = conhecimento) é a capacidade que só Deus possui de conhecer todas as coisas antes que sucedam. De fato, para Santo Agostinho, Deus conhece a ordem das causas que dão origem a todas as coisas. Mas disso não se pode concluir que não há nada que dependa da vontade humana, "porque também nossa própria vontade se inclui na ordem das causas, certa para Deus e contida em sua presciência". Mais adiante, complementa o autor:
"Por isso, de maneira alguma nos vemos constrangidos, admitida a presciência de Deus, a suprimir o arbítrio da vontade ou, admitido o arbítrio da vontade, a negar em Deus a presciência do futuro, o que é verdadeira impiedade".
Graças ao livre-arbítrio, o homem pode inclusive afastar-se de Deus, afastamento este que consiste na essência do pecado. O pecado, portanto, não é necessário (no sentido de algo que tem obrigatoriamente que acontecer e não pode ser evitado), mas contingente: resulta não de Deus, mas da vontade do homem, isto é, de seu livre-arbítrio, ou, mais precisamente, do mau uso de sua liberdade. A queda de Adão e Eva foi de inteira responsabilidade deles. Mas o seu livre-arbítrio não era suficiente para que retornassem a Deus. Para tanto, era preciso, também, a graça divina. Esta graça seria a ajuda que Deus dá aos homens para que possam cumprir os desígnios divinos e alcançar a salvação. Sem essa ajuda, o homem não conseguiria dirigir-se para o Bem e renunciar ao Mal.
Ocorre, porém, que, para Santo Agostinho, nem todas as pessoas recebem a graça de Deus, mas apenas alguns escolhidos, que estariam predestinados à salvação. É a doutrina de predestinação. Caberia, então, a pergunta: Afirmar a necessidade da graça divina e a existência da predestinação não implica entrar em contradição com a tese do livre-arbítrio? Para Santo Agostinho, não. Isso porque, na visão do filósofo, mesmo com a ajuda da graça divina, o homem é livre para escolher praticar o Bem ou o Mal. E isso vale também para os que estão predestinados à salvação. Ou seja, para o homem se salvar não basta estar predestinado a isso. É preciso, ainda, que ele escolha fazer o Bem. A predestinação, portanto, não é a uma necessidade. Ela depende também da vontade humana. Não fosse assim, não se poderia responsabilizar o homem pelo erro ou pelo pecado. Como diz Santo Agostinho:
"Assim, quando Deus castiga o pecador, o que te parece que ele diz senão estas palavras: 'Eu te castigo porque não usaste de tua vontade livre para aquilo a que eu a concedi a ti’? Isto é, para agires com retidão. Por outro lado, se o homem carecesse do livre-arbítrio da vontade, como poderia existir esse bem, que consiste em manifestar a justiça, condenando os pecados e premiando as boas ações? Visto que a conduta desse homem não seria pecado nem boa ação, caso não fosse voluntária. Igualmente o castigo, como a recompensa, seria injusto, se o homem não fosse dotado de vontade livre. Ora, era preciso que a justiça estivesse presente no castigo e na recompensa, porque ai está um dos bens cuja fonte é Deus".
Portanto, conclui o autor, "era necessário que Deus desse ao homem vontade livre”

Após lerem o texto respondam as seguintes questões:
1 - Qual é a definição de livre-arbítrio apresentada?
2 - Por que, para Santo Agostinho, a presciência divina não é incompatível com o livre-arbítrio dos homens?
3 - Por que, para Santo Agostinho, afirmar a necessidade da graça divina e a existência da predestinação não implica entrar em contradição com a tese do livre-arbítrio?
4 - Por que a afirmação do livre-arbítrio é necessária para que uma pessoa seja moralmente responsabilizada por seus atos?
5 - Apresente uma definição de  libertarismo.
6- O que é livre-arbítrio para Santo Agostinho e como ele consegue conciliar a liberdade humana com a teoria da graça e da predestinação? Você concorda?
7 - Escolha uma das duas teses a seguir e elabore uma breve dissertação (20 a 30 linhas) argumentando em favor dela. Nessa argumentação, é fundamental que apareçam conceitos e teorias estudados nas aulas.
8 - Tese 1: O fumante tem livre-arbítrio para decidir se começa ou não a fumar. Por isso, a indústria tabagista não deve ser responsabilizada pelos malefícios provocados à saúde pelo cigarro.

Tese 2: O fumante não tem livre-arbítrio para decidir se começa ou não a fumar. Por isso, a indústria tabagista deve ser responsabilizada pelos malefícios provocados à saúde pelo cigarro.

9 - Dissertação (20 a 30 linhas) sobre o tema "O tabagismo e o livre-arbítrio". Desenvolva, em casa, uma reflexão pessoal sobre essa questão, demonstrando em sua argumentação o aproveitamento que tiveram do estudo realizado. Ou Dissertação (20 a 30 linhas) sobre o livre-arbítrio em seu cotidiano.


Prof. Manoelito














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