terça-feira, 20 de maio de 2014

ALIENAÇÃO MORAL

ALIENAÇÃO MORAL
Por meio deste texto, almeja-se dialogar a respeito da preocupação com as outras pessoas. É importante considerar o outro como necessário para a nossa constituição como indivíduos. Para tanto, procuraremos entender a construção da imagem do sujeito ético, contando com os aportes do pensamento de Emmanuel Lévinas e de Jean-Paul Sartre.
Como agem as pessoas, de modo geral, e como elas deveriam agir?
Dialogar – viver para o outro
Em geral, quando nos vemos como indivíduos, temos uma certeza: somos nós e o mundo. O “eu” percebe o mundo e os entes do mundo como coisas. Dividimos o mundo em entes importantes para nós e entes que não nos são importantes; entes que amamos e entes que não amamos; entes que fazem parte da nossa vida e entes que ignoramos por completo.
Dessa maneira, categorizamos o mundo e damos sentidos a tudo. Por exemplo, no livro A menina que roubava livros, de Markus Zusak (2006), a personagem principal guarda alguns livros, mesmo sem saber ler, pois eles significam a presença do irmão e da mãe, isto é, o sentido dos livros não foi atribuído pelo texto, mas pela analogia que a menina fez entre esses objetos e pessoas que amava.
A linguagem como acesso ao outro
A seguir, uma reflexão que se refere ao pensamento filosófico de Lévinas, que procuramos enriquecer com trechos de entrevista em que o filósofo expõe seus pontos de vista.
A linguagem nos precede, nós recebemos o que somos não por nós mesmos, mas a partir do local onde fomos criados. Somos fruto do mundo que nos cerca. Somos parte dele, queiramos ou não, justamente porque até a maneira de vermos o mundo está constituída pelas formas de linguagem que aprendemos de outras pessoas, como os nossos pais e professores.
Ø  O senhor escreve que a relação do mesmo e do outro, ou seja, por excelência, do eu e de outrem, é a linguagem. Deve a linguagem ser pensada unicamente como a comunicação de uma ideia ou de uma informação, e não também e, talvez, acima de tudo, como o fato de ela abordar outrem como outrem, isto é, já responder por ele?
A primeira palavra não é bom-dia?! Simples como um bom-dia!... Bom dia como bênção e como minha disponibilidade para com o outro homem?
Isto não quer dizer ainda: que belo dia. Isto exprime: eu te desejo paz, eu te desejo um bom dia, a expressão de quem se preocupa com o outro. Ela porta todo o resto da comunicação, ela carrega todo o discurso. [...]
POIRIÉ, François. Emmanuel Lévinas: ensaio e entrevistas. Tradução J. Guinsburg, Márcio Honório de Godoy e Thiago Blumenthal. São Paulo: Perspectiva, 2007. p. 83. (Debates 309).
A troca de sentidos é o que nos faz humanos. Ao reconhecer que outras pessoas são capazes de dar sentido, elas deixam de ser apenas coisas e tornam-se o outro, parte do nosso “eu”, assim como nós nos tornamos parte deles. No entanto, o outro é para nós um profundo e infinito mistério, e cada pessoa do mundo pode nos levar a lugares jamais pensados.
Pois é a ética antes de tudo?
A palavra ética é grega. Eu penso muito mais, sobretudo agora, na santidade, na santidade do rosto de outrem ou na santidade de minha obrigação como tal. Tanto faz! Há uma santidade no rosto, mas sobretudo há santidade ou ética para consigo mesmo em um comportamento que aborda o rosto como rosto, em que a obrigação em relação a outrem se impõe antes de toda e qualquer obrigação: respeitar outrem é dar-se conta de outrem, é fazê-lo passar antes de si próprio.
E a cortesia! Ah, mas é muito bom: o fazer passar antes de mim, esse pequeno impulso de cortesia é um acesso ao rosto também. Por que você deve passar antes de mim? É bem difícil porque você também abordou meu rosto. Mas a cortesia ou a ética consiste em não pensar nessa reciprocidade.
POIRIÉ, François. Emmanuel Lévinas: ensaio e entrevistas. Tradução J. Guinsburg, Márcio Honório de Godoy e Thiago Blumenthal. São Paulo: Perspectiva, 2007. p. 86. (Debates 309).
Por isso, é preciso viver para o outro, pois assim o desenvolvimento do nosso “eu” será cada vez maior. Viver para o outro é a melhor maneira de viver para si, pois os outros são a maior parte de nós mesmos. Os outros são as pessoas de quem gostamos ou de quem não gostamos. Estranhos ou conhecidos. Podemos compreender e sermos compreendidos por todos. Nossa atitude ética, então, é viver para o outro, e cada vez que nos aproximamos dos outros nós nos completamos, nos instituímos. Os outros nos dão mais expressividade, mais linguagem. Portanto, devemos viver por quem nos dá mais, que é a maneira de vivermos por nós mesmos, ou seja, viver para o outro.
Exercício:
Produzir um pequeno texto, de acordo com a proposta de Lição de casa do Caderno do Aluno, a respeito do que uma das seguintes pessoas deve esperar de si:
Ø  De um estranho que anda na rua;
Ø  De uma pessoa da família dele;
Ø  De alguém que foi magoado por ele;
Ø  De alguém que o magoou;
Ø  De alguém de quem ele não gosta;
Ø  De alguém que ele ama.
Depois que terminarem, inverta a proposição e escrevam o que vocês esperam dessa pessoa.
DIALOGAR – ALIENAÇÃO MORAL E O SER-PARA-OUTROS EM SARTRE
Muitas pessoas sonham ou têm pesadelos em que aparecem sem roupa na rua, na frente de estranhos. Ficam aflitas e envergonhadas e só sentem alívio ao despertar e perceber que tudo não passou de um sonho. Com base nisso, podemos pensar, filosoficamente, por que sentimos vergonha? Por que um bebê não sente vergonha de estar sem roupa?
Para Sartre, a vergonha vem do fato de que nós somos o que os outros nos revelam. Assim, no caso da vergonha, somos instituídos pela presença julgadora dos outros. Nós reconhecemos nossa existência por meio do significado que o outro nos atribui. Se me sinto envergonhado e acho que o que está acontecendo comigo é algo feio, é o outro que me revela nesse significado. Do mesmo modo, ao estar apaixonado, egoisticamente precisando ser amado, o outro me revela nessa necessidade.
Diferentemente do amor, que quer manter o outro ao nosso lado, o ódio também revela quem somos. O ódio revela minha maldade, meu ser cruel, que despreza a liberdade do outro. Por isso, mesmo quem ri de nós nos institui. Enfim, cada um de nós experimenta a própria existência sob o olhar alheio.
Isso faz com que nossa relação com os outros seja tão íntima que precisamos assumir uma vida ética. Por mais que eu me considere de determinada maneira, sempre haverá quem me mostre de modo diferente. Podemos até disfarçar, mas o ato de disfarçar já é colocar-se no mundo com base no outro. Por isso, Sartre chegou a dizer que o inferno são os outros. Não há como escapar disso: é preciso ser ético.
Com base nessas considerações, faremos a leitura do texto “Alienação moral”. O assunto abordado é fundamental para um bom entendimento do que consideramos ação ética.
Alienação moral
Alienação moral é preocupar-se de maneira distorcida com o outro. Não é ignorá-lo, visto que é impossível, pois ele nos mostra, em si, como somos, mas traduzi-lo de uma forma que não permita essa revelação. No processo de alienação moral, uma pessoa trata as demais sem reflexão que permita o questionamento sobre diferenças, semelhanças, justiça, igualdade; sem repensar em si mesmo.
Sobre isso, Sartre afirmou que não podemos viver com morais alienantes, fora da história. A ética deve ser entendida como ação no mundo, sob o contingenciamento da história – história e ética se confundem. A alienação moral procura fazer com que a ação do passado seja repetida no presente; o que é bom é a cópia do que foi bom, ignorando as transformações que a história de cada um e das sociedades imputa a todos. Não podemos dizer, sem pensar, que o que era errado há cem anos continuará sendo errado, que não deve haver mudanças.
Nós, seres humanos, precisamos de princípios morais e reflexão ética. A falta desses princípios pode significar a morte ou uma falsa vida, falsa individualidade e pseudoexistência.
Deve haver, portanto, no presente, a preocupação de como devemos agir em relação ao outro. As mudanças de nosso tempo exigem uma reflexão a respeito de nossa convivência ética, com os desafios do mundo atual, para a construção da solidariedade entre os seres humanos.
Cabe a cada um de nós assumirmos a reflexão pura e sermos autênticos na perspectiva da solidariedade. Devemos nos reconciliar conosco e assumir a ação ética no mundo, mesmo sem apoio.
Portanto, sermos éticos é assumirmos a responsabilidade com o outro, com aquele que não somos. Com base nisso, teremos a autenticidade da nossa própria vida e não a vileza de uma vida baseada em sistemas não históricos. Afinal, é o outro que nos revela o que somos.
Exercício:
1.      Após a leitura dos textos, escrevam um texto refletindo sobre a seguinte questão: Por que devo ser ético?
2. Para Sartre, a ética deve ser baseada na ação histórica do presente, e não em valores metafísicos ou do passado. Assinale exemplos em que essa ideia aparece.
a) As mulheres devem obedecer aos homens.
b) Nós temos de nos preocupar mais com nossas necessidades do que com as tradições.
c) Os homens não devem chorar.
d) Minha família nunca perdoou um erro grave; eu também não.
e) Não importa o que fizeram com o homem; importa o que ele fará com o que fizeram dele.
3. Segundo Sartre, como nós nos constituímos diante dos outros?
a) Pela vergonha, o olhar dos outros nos apresenta existindo de maneira não adequada.
b) Pelo amor, o desejo de possuir o outro e de aprisioná-lo, fazendo com que o outro nos ame.
c) Pelo ódio da liberdade dos outros.
d) Os outros não nos revelam, nós os revelamos.
e) Pela liberdade natural que temos.
4. Qual é o sentido da linguagem para Lévinas?
5. Segundo Sartre, por que os outros são fundamentais para nossa individualidade?


Prof. Manoelito

A RAZÃO INSTRUMENTAL

A RAZÃO INSTRUMENTAL
Quem nós copiamos?
Os pensadores da Escola de Frankfurt, diante do fenômeno do totalitarismo, buscaram uma justificativa, uma explicação que possibilitasse entender que a racionalidade estava por trás do horror totalitário. Nessa busca, reconheceram as demandas de uma sociedade tecnocrática fundada em uma razão instrumental. Nessa perspectiva, a sociedade totalitária, baseada na já referida razão instrumental, impõe a todos os seus membros um padrão, uma dinâmica, uma medida, que visa unicamente à produção e à eficiência.
A razão instrumental estaria preocupada com os fins que também caracterizam o sistema de exploração capitalista. Por isso, diante das forças econômicas, os indivíduos acabariam reduzidos a uma massa indistinta e indiferente ao que acontece ao seu redor.
Para que esse sistema histórico-social – que produz cotidianamente essa massa indistinta, porém útil para alavancar a produção e o consumo – possa continuar intacto, isto é, fortalecido, inventou-se uma maneira muito poderosa de fazer com que as pessoas não usem sua razão crítica para criar sua individualidade, tornando-se verdadeiras cópias de outras pessoas igualmente artificiais.
Assim, a razão instrumental acabou gerando a cultura de massa, que é a industrialização e produção em série de mercadorias culturais, que produzem, por sua vez, individualidades falsas ou pseudoindividualidades.
Vejamos o excerto a seguir:
Na indústria, o indivíduo é ilusório não apenas por causa da padronização do modo de produção. Ele só é tolerado na medida em que sua identidade incondicional com o universal está fora de questão. Da improvisação padronizada do jazz até os tipos originais do cinema, que têm de deixar a franja cair sobre os olhos para serem reconhecidos como tais, o que domina é a pseudoindividualidade. O individual reduz-se à capacidade do universal de marcar tão integralmente o contingente que ele possa ser conservado como o mesmo. Assim, por exemplo, o ar de obstinada reserva ou a postura elegante do indivíduo exibido numa cena determinada é algo que se produz em série exatamente como as fechaduras Yale, que só por frações de milímetros se distinguem umas das outras. As particularidades do eu são mercadorias monopolizadas e socialmente condicionadas, que se fazem passar por algo natural. Elas se reduzem ao bigode, ao sotaque francês, à voz grave de mulher de vida livre [...]: são como impressões digitais em cédulas de identidade que, não fosse por elas, seriam rigorosamente iguais e nas quais a vida e a fisionomia de todos os indivíduos – da estrela do cinema ao encarcerado – se transformam, em face ao poderio do universal. A pseudoindividualidade é um processo para compreender e tirar da tragédia sua virulência: é só porque os indivíduos não são mais indivíduos, mas sim meras encruzilhadas das tendências do universal, que é possível reintegrá-los totalmente na universalidade. A cultura de massas revela assim seu caráter fictício que a forma do indivíduo sempre exibiu na era da burguesia, e seu único erro é vangloriar-se por essa duvidosa harmonia do universal e do particular.
ADORNO, Theodoro; HORKHEIMER, Max. Dialética do esclarecimento: fragmentos filosóficos. Tradução Guido Antonio de Almeida. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1985. p. 144-5.
Comentário
Nesse importante texto da Escola de Frankfurt, Adorno e Horkheimer apresentaram a cultura de massa ou a indústria cultural, que submetem a arte e as manifestações culturais às leis de mercado. A beleza que fazia com que o homem compreendesse a profundidade de sua existência há dois séculos revelou-se efêmera e superficial, esvaindo-se com a moda.
Em resumo, mostraram os filósofos, o mais importante não é construir a si mesmo, mas copiar quem está na propaganda, o personagem do cinema, da novela ou a mais recente atração do mundo “pop”.
Mas onde se encontra a cultura de massa? No rádio e na televisão, nos jornais e revistas, no cinema, nos shows e na propaganda, em geral, isto é, nos meios de comunicação de massa.
Qual é a estratégia dessas empresas? Convencer as pessoas de que elas são livres para escolher o que é melhor, mas insistindo que o melhor é sempre o próprio produto. Além disso, tentam transformar tudo em entretenimento, por exemplo:
Ø  Todas as rádios tocam as melhores músicas. O ritmo da juventude, o som do amor. Há aquelas que afirmam tocar as melhores músicas da semana, mas ocultam quanto pode ter sido pago para que estas fossem consideradas as melhores.
Ø  Os jornais e revistas sempre afirmam seu compromisso com a verdade. Como sabemos, a verdade jornalística vende, principalmente quando se faz uma “grande denúncia”. Passado o impacto – e esgotadas as edições – a “grande denuncia” acaba esquecida.
Ø  No cinema e nas telenovelas, tudo tem um final quase sempre previsível e os melhores efeitos especiais ajudam os pseudoartistas, que apresentam sempre corpos masculinos fortes e corpos femininos sensuais. Na maioria das vezes, pessoas seminuas, vivendo uma história pronta, com começo, meio e final feliz, como se a vida fosse assim.
Ø  Nos shows, a eletrônica, os dançarinos e a iluminação ajudam a disfarçar os limites das vozes dos cantores. O gelo-seco produz uma emoção que a canção não é capaz de criar. O volume alto do som empurra todo mundo para o balanço de músicas sem sentido e, muitas vezes, malfeitas, mas se trata do cantor ou cantora que todos escutam.
Ø  Na televisão, o artista que, em um programa, se confessa engajado, acaba vendendo ilusões nas propagandas do intervalo, vampirizando aposentados e pensionistas, prometendo empréstimos a juros baixíssimos, “os menores do mercado”.
Dessa maneira, ao trocar o pensar pelo sentir, os indivíduos passam a compor um mosaico, construído com pedrinhas das ideologias vinculadas aos sistemas de mass media. Renunciando à construção de si, funcionam como cópias de máscaras, vendo-se apenas montagens, não realidades. Com isso, assumem como seus os desejos criados pela propaganda: compre isto para ser assim; seja interessante sendo assim ou – mais sinceramente – você é aquilo que você pode pagar; você não se adapta ao modelo, não serve etc.
No entanto, as pessoas acabam sofrendo por não ter as falsas maravilhas que vêem nos meios de comunicação ou por ser diferentes do modelo de homem ou mulher anunciado pela propaganda. E isso também inclui de modo decisivo a criança, fazendo com que a sensação de sofrimento e frustração comece na infância, com os brinquedos caros que não pode comprar, terminando na velhice esquecida, pois é da juventude que a televisão gosta e ensina os telespectadores a gostar.
Quase todas as mercadorias que estão à venda – música, dança, imagens, cheiros, sabores, roupas – trazem consigo a ideia de um estilo, que deve ser comprado ou imitado.
Com a indústria cultural, além das artes, a religião e o esporte também viraram produtos. As pessoas deixam de praticar a religião e o esporte para assistir a eles pela televisão. Para encontrar o sagrado, não é mais necessário estar com os demais fiéis e fazer orações com eles, basta ligar a televisão ou o rádio no horário marcado e será possível ter o sagrado em domicílio. Com o esporte, é mais fácil comer pipoca na frente da TV do que ir ao estádio ou jogar aquela “pelada” com os amigos. Como se vê, todas as emoções estão à venda, mas duram pouco, de modo que voltemos rapidamente a comprar outras.
PESQUISAR E REFLETIR – ANÁLISE DOS MEIOS DE COMUNICAÇÃO DE MASSA
O objetivo é fazer uma reflexão acerca da razão instrumental, da indústria cultural e da cultura de massa.
a) Qual é o tipo de produto oferecido?
b) Escreva qual é a mercadoria cultural oferecida, por exemplo: um cantor, um ator, um CD, uma rádio, um filme, um alimento, um apartamento, um automóvel.
c) Qual é o estilo de vida vinculado ao produto oferecido à venda?
d) Como todos os estilos de vida são rotulados, selecione um rótulo (hip-hop, fashion, esportivo, executivo, clássico etc.) para identificar o público-alvo da propaganda.
e) Qual é a promessa de realização pessoal, felicidade, liberdade ou poder vinculada ao produto?
f) Que imagem de pessoas está associada a essa ideia?
g) O que se promete com a compra? Para o comprador, a sensação será realmente igual ao que se mostra na propaganda? Por quê?

Prof. Manoelito

INTRODUÇÃO À FILOSOFIA DA RELIGIÃO – DEUS E A RAZÃO

INTRODUÇÃO À FILOSOFIA DA RELIGIÃO – DEUS E A RAZÃO

Prove, racionalmente, que existe um deus.
O objetivo deste texto é apresentá-los o uso da racionalidade relacionada à existência de Deus. Seria possível conhecer Deus com base na razão? Como ela pode saber sobre Sua existência? Há limites?
Inicialmente, propomos a diferenciação entre argumentos racionais e emocionais, com base nas etapas relativas à existência de Deus. Em seguida, a proposta considera as provas da existência de Deus e como as pensou o filósofo Immanuel Kant. Enfim, as aulas propõem uma reflexão sobre a alteridade, após a leitura de um texto de Montesquieu.
O fundamental, neste exercício, não é debater a existência real de Deus, mas fazer uma a reflexão lógica. Não se trata de uma aula de convencimento ou discussão religiosa. Trata-se, sobretudo, de promover a distinção de argumentos. Um cidadão precisa saber a diferença de uma fala que apela para sentimentos de uma fala estabelecida pela razão. Dessa maneira, pensar objetivamente os dados da cultura.
Neste primeiro momento, nosso enfoque será uma compreensão racional da existência ou não de Deus. Essa compreensão inclui o entendimento de que diferentes religiões contam com diferentes concepções sobre Deus e sua existência. Apesar de predominantemente católico – e cristão –, o povo brasileiro pratica diversas religiões.
Deus como causa do mundo
Para Platão, não existe apenas um deus criador de tudo, mas um responsável pela organização do mundo. Ele seria o Demiurgo – um ser que produziria a imagem do mundo perfeito na matéria imperfeita. Antes de o mundo existir, havia ideias perfeitas e eternas que foram copiadas na matéria pelo Demiurgo. Embora as imagens não sejam perfeitas, a ação do Demiurgo permitiu tornar o mundo inteligível, ao ordenar o mundo sensível e assim favorecer nossa compreensão sobre ele.
Para Aristóteles, Deus seria o primeiro motor, isto é, todas as coisas que se movimentam são movimentadas por outras coisas. As pessoas, os ventos, os mares, as nuvens, as árvores, cada ser no mundo passa da potência ao ato, que é o movimento. Mas quem “daria o primeiro empurrão”, quem seria o primeiro motor? No livro Metafísica, a resposta apresentada por ele é Theós – que, em grego, significa Deus. Então, Deus existe porque alguém tinha de começar o movimento sem ser movimentado: um ato puro.
Para Plotino, filósofo grego neoplatônico que viveu entre 204 e 270 d.C., o mundo é parte do Uno. Imaginemos que a luz é a existência, e a falta de luz é não existir. Tudo o que está fora da luz não existe, metáfora ilustrada no desenho a seguir:
Ø  A lâmpada é a fonte da luz.
Ø  Tudo o que se pode ver precisa da luz; a luz está nas coisas para que elas apareçam.
Ø  A fonte da luz é superior ao que ela ilumina.
Afinal, sem luz, as coisas não aparecem. O Uno é, assim, a fonte de tudo o que existe. Mas as coisas que emanam dessa fonte não se separam dela. Não existe a ideia de que os seres criados possam ser separados do criador, como no cristianismo. Assim como os objetos precisam da luz para aparecer, os seres precisam do Uno para permanecer existindo; eles estão ligados, unidos, e tudo é parte do Uno. Por isso, quanto mais longe da fonte da luz estiver uma coisa, mais ela será sombria. Da mesma forma, quanto mais longe da fonte da existência, ou seja, o Uno, menor é a força de sua existência.
Por isso, do Uno emana, primeiro, a inteligência; depois, a alma que governa o mundo e, enfim, o próprio mundo material. Cada ser no mundo é um pedaço do Uno, mas este é superior a todas as suas pequenas partes. O que está mais longe do Uno é o mundo material, e o que está mais perto são a inteligência e a alma.
Para a filosofia cristã, a ideia de que o mundo e suas partes emanam de Deus não pode ser fundamentada, porque Deus é puro, homogêneo e não pode ser dividido. Então, quando Ele criou o mundo, o fez separado Dele. Uma ideia bastante difundida nas Igrejas cristãs de diversas denominações – criada pela filosofia cristã – é a de que o mundo não pode ter sido gerado do nada: o mundo veio da criação de Deus; afinal, se algo viesse do nada, ele deixaria de ser nada para se tornar criador.
É por dois motivos que muito se pode falar sobre o conceito de Deus na História da Filosofia. Primeiro, porque esse conceito foi um dos primeiros problemas filosóficos clássicos e, segundo, porque muitos sistemas filosóficos dependem desse conceito. Sabemos seu desenvolvimento. De qualquer forma, as ideias anteriormente esboçadas podem ser consideradas matrizes do problema filosófico de Deus.
A existência de Deus pode ser provada pela razão?
Existem algumas provas racionais da existência de Deus. Vejamos, sucintamente, as principais:
Ø  Todos os povos têm religião; a existência de uma divindade é um consenso universal (consensus gentis).
Ø  O mundo tem uma ordem e deve haver uma inteligência ordenadora de todas as coisas (São Tomás).
Ø  Tudo tem uma causa. Tudo o que foi causado pode causar outras coisas. Deve haver algo que causa as coisas, mas não foi causado por ninguém. Deus é a causa não causada (Aristóteles).
Ø  Todas as coisas estão em movimento e movimentam outras coisas. O movimento é a passagem do que é (ato) para aquilo que pode vir a ser (potência). Deve haver um ser que movimenta as outras coisas, mas não é movimentado por nada, o primeiro motor – ou o motor imóvel (Aristóteles).
Ø  Tudo o que é alguma coisa participa de outra melhor. Por exemplo, algo quente participa do fogo. Cada ser tem um grau de perfeição, como o fogo e o objeto quente. O limite máximo da perfeição é Deus; acima Dele não há nada melhor (São Tomás).
Ø  Prova de São Tomás de Aquino – Cada ser precisa de algum outro para existir; esse ser é chamado de ser possível. Por exemplo, para existir, uma criança precisa de um pai e de uma mãe. O pai e a mãe precisam de outros seres; estes, de outros, e assim por diante. Todas as coisas do mundo precisam de outro ser para existir. Mas há um ser que não precisa de ninguém para existir; a ele nós chamamos de ser necessário. Se todos os seres do mundo precisam de outro para existir, deve haver, portanto, um ser que dê a existência ao mundo e ao mesmo tempo não precise de nada para existir; esse ser necessário é Deus.
Ø  Prova de Santo Anselmo – Aquilo a respeito do que não conseguimos pensar nada de maior não pode estar apenas no intelecto. Afinal, o intelecto não ultrapassa essa ideia nem a contém. Então, se o intelecto não ultrapassa essa ideia, quer dizer que ela também está fora dele, na realidade. Como um copo que transborda com a água, há água dentro e fora do copo. Deus é o ser que nós não conseguimos pensar nada maior. Por isso, ele não pode ser apenas uma ideia; ele é uma realidade.
Para Kant, cada uma dessas provas é uma prova lógica, apenas racional. Mas nem sempre o que dá certo nas teorias lógicas acontece ou se repete no mundo real: a realidade não é devedora das nossas lógicas.
Somos seres que pensamos apenas por meio de categorias limitadas, como tempo e espaço. Qualquer ser real, fora das nossas categorias, não pode ser conhecido, nem podemos provar a sua existência. Só podemos confirmar a existência de alguma coisa fazendo a experiência dela; do contrário, ela é uma suposição lógica, uma hipótese.
Para Kant, a prova de Santo Anselmo (último item) incorre nesse erro. Do mesmo modo, a experiência objetiva nos diz que a prova da causalidade (terceiro item) não é uma prova da existência de Deus.
Sabemos que alguns efeitos têm determinadas causas. De outros efeitos, não sabemos as causas. Por hipótese, é possível que haja uma causa inicial, mas, por não podermos repetir a experiência inicial, a prova perde seu valor. Novamente, o que é certo na Lógica nem sempre é certo na realidade.
Kant disse o mesmo da prova da ordem do mundo (segundo item). Se pensarmos que o mundo tem uma ordem, podemos certamente supor que alguém ordenou todas as coisas.
Por exemplo, se olhamos uma casa bem-feita, suporíamos que ali trabalhou alguém. Mas não sabemos quem foi esse alguém. Foi um arquiteto? Um engenheiro? Um pedreiro? Uma mulher? Um homem? Um jovem? Várias pessoas? Ou seja, sabemos que existe o mundo e que existe até mesmo certa ordem, mas quem é o responsável por isso não podemos provar.
Para Kant, o entendimento humano é limitado em diversos aspectos, o que reduz as possibilidades do nosso conhecimento. Mais ainda, ao procurar suas respostas, Kant não se contentava com jogos de palavras – não basta parecer que se prova, é preciso provar de verdade.
Em sua obra A crítica da razão pura, Kant fez a crítica da razão sem as experiências e as provas da existência de Deus. Em outro livro,
A crítica da razão prática, o filósofo procurou entender o funcionamento da racionalidade objetiva, isto é, envolvida com as experiências e, assim, com a vontade. Então, seria justamente na vontade livre do homem que Kant encontraria a certeza da existência de Deus.
A razão prática se dá na ação do homem no mundo. Essa ação acontece pela condição única de ter uma consciência moral. Ela está necessariamente ligada aos objetivos do homem – o que se deseja fazer, a vontade. Se tivermos objetivos, o caminho para alcançá-los é a razão deles, o seu dever. Sobre isso, Kant lembra que o dever só é bom porque é garantido pela liberdade; do contrário, não teria valor.
Se a razão prática compreende os objetivos ideais, então não há diferença entre o ideal e o real; afinal, o dever é real e bom. Ser e dever ser encontram sua síntese: Deus.
Deus é o sumo bem. Deus existe porque é nosso dever procurar o bem.

Ler e dialogar – Montesquieu
Uniformidade e diferença
“Existem certas ideias de uniformidade que algumas vezes ocorrem aos gênios, [...] mas que infalivelmente causam grande impressão às pequenas almas. Estas descobrem no interior de tais ideias uma espécie de perfeição; porque é quase impossível não vê-la: os mesmos pesos, as mesmas medidas no comércio, as mesmas leis do Estado, a mesma religião em toda parte. Mas será isso sempre verdadeiro, sem exceções? Será o mal da mudança constante menor que o do sofrimento? E a grandeza de um gênio não consiste, precisamente, em distinguir entre os casos em que a uniformidade é um requisito, e aqueles em que há necessidade de diferenças?” MONTESQUIEU. O espírito das leis.
Disponível em:
<http://www.dominiopublico.gov.br/pesquisa/DetalheObraForm.do?select_action=&co_obra=3906>. Acesso em: 12 jul. 2013. Tradução Eloisa Pires.
A partir do século XVIII, a ideia do Estado laico surgiu no horizonte político e se impôs com toda força. Isso se deveu, em parte, à ascensão do pensamento iluminista. Na época, filósofos como Montesquieu propuseram a divisão do poder (em executivo, legislativo e judiciário), excluindo, assim, a função eclesiástica ou sacerdotal. Isso quer dizer que a noção de uniformidade da religião foi substituída pela de neutralidade do Estado. O ensino público universal, também introduzido pela Revolução, deve ignorar a religião e deixar a cada um que cultive as suas crenças, sem ter o direito de impô-las aos outros. O Estado é o fiador da segurança de cada um diante da intolerância.
Observando nossa sociedade, o que é preciso uniformizar e o que é preciso manter e respeitar quando se trata de diferenças culturais? Como devemos tratar pessoas que têm uma religião diferente da nossa? Temos que diferenciarmos a tolerância da alteridade. Tolerar é aceitar a pessoa que é diferente, o que é sempre melhor do que a violência. Alteridade é encontrar no outro, naquilo que muitas vezes não entendemos como uma forma de crescimento próprio; é respeitar e admirar quem não é como nós. É essencial respeitar as diferentes opções religiosas.
1. Como a existência de Deus é explicada em minha religião?
2.  O que me levou a acreditar em minha religião?
3.  E os alunos que não se confessam religiosos, o que pensam dessas questões?


Prof. Manoelito