domingo, 23 de março de 2014

CONTEÚDOS DAS SITUAÇÕES 3 e 4 - 3ª SÉRIE - 1º BIMESTRE - AVALIAÇÃO 2

SITUAÇÃO 3 A CONDIÇÃO ANIMAL COMO PONTO INICIAL NO PROCESSO DE COMPREENSÃO SOBRE O HOMEM O objetivo do tema é dar início à reflexão sobre os seres humanos, destacando a importância de admitir sua condição de animal dotado de um corpo que o aproxima e o distingue dos demais seres do planeta. Admitir essa aproximação e essa distinção requer esforço típico da reflexão filosófica, indubitavelmente necessária para a formação ética e para a construção da convivência humana solidária. Afinal, uma das perguntas centrais da Filosofia é exatamente: Quem somos nós, seres humanos? E ainda: Qual é a nossa condição de transformar o mundo em que vivemos em um lugar melhor? Vamos iniciar esta reflexão por aquilo que o nosso olhar constata de imediato quando mira um ser humano e a si mesmo, ou seja, começaremos pela evidência de que temos um corpo. E esse corpo nos remete, antes de tudo, ao lugar dos animais. As primeiras perguntas em nossa reflexão filosófica são: Que espécie de animal nós somos? O que nos caracteriza? O que nos marca como animais da espécie humana? Assim, o desafio é na perspectiva de pensar, falar, ler e escrever sobre a condição natural do ser humano, suas características corpóreas e suas necessidades físicas, psicológicas e sociais. Com o auxílio dos textos filosóficos, vocês serão motivados a refletir sobre a importância de se conceber aproximações e distinções entre o homem e os demais seres da natureza. O olhar atento e reflexivo sobre a nossa condição animal nos remete a um cenário de disputas de alimento, de território, de machos e de fêmeas. Esse mesmo olhar nos remete, portanto, a um traço fundamental do ser humano, que é a possibilidade de destruição de outros seres na luta pela sobrevivência e na luta por poder e bens que, em um primeiro momento, não estão ao seu alcance. A reflexão filosófica não pode ignorar esse traço constitutivo de nossa realidade e não pode deixar de formular duas perguntas centrais: Como a humanidade construiu sua convivência enfrentando esta disputa? Como é possível uma educação dos homens para garantir sobrevivência em cooperação e solidariedade? Em geral, a Filosofia e as ciências contam com uma vasta literatura que aborda a importância de se distinguir o ser humano dos demais seres da natureza. Já no século XVII, e com mais vigor a partir do século XIX, as ciências se afirmaram como conhecimento capaz de não apenas demonstrar a superioridade humana na natureza, mas de conceber a necessidade de dominar essa mesma natureza, construindo a ideia de que não somos apenas diferentes, mas superiores aos outros seres. Essa consciência pode ter impulsionado todas as maravilhas técnicas e científicas que a humanidade edificou. Mas responde também pela ilusão de que somos capazes de intervir e controlar a natureza sem consequências desastrosas para nós mesmos e para todo o planeta. Uma ideia importante é considerarmos a perspectiva de não nos vermos como seres distintos e superiores, mas distintos e ocupantes de um mesmo contexto material, natural; distintos e responsáveis justamente por sermos seres de consciência, capazes de prever consequências, assumir equívocos e de rever metas contemplando a preservação da própria vida e a de outros seres. Descartes e Pascal nos oferecem dois textos interessantes para inspirar essa consciência sobre nossa inserção em uma natureza material assim como a todos os seres que nos cercam. Ambos foram escritos no século XVII. Meditações E, primeiro, não existe nenhuma dúvida que tudo o que a natureza me ensina contém algo de verdadeiro […]. Ora, não há nada que essa natureza me ensine mais claramente nem mais sensivelmente que o fato de eu ter um corpo que fica indisposto quando sinto dor, que tem necessidade de comer ou de beber quando tenho os sentimentos de fome ou de sede etc. E, portanto, eu não posso absolutamente duvidar que tenha alguma verdade nisso. A natureza me ensina também por meio desses sentimentos de dor, fome, sede etc. que eu não estou apenas alojado em meu corpo como um comandante em seu navio, mas que, além disso, lhe estou muito intimamente conjugado e tão entrelaçado e misturado que componho um único todo com ele. [...] Além disso, a natureza me ensina que vários outros corpos existem em volta do meu, alguns dos quais devo seguir e de outros fugir. DESCARTES, René. Oeuvres philosophiques de Descartes. Adolphe Garnier (Org.). V. 1. Paris: Librairie Classique ET Élémentaire de L. Hacuette, 1835. Disponível em: . Acesso em: 16 out. 2013. Tradução Célia Gambini. O homem perante a natureza A primeira coisa que se oferece ao homem ao contemplar-se a si próprio é seu corpo, isto é, certa parcela de matéria que lhe é peculiar. Mas, para compreender o que ela representa e fixá-la dentro de seus justos limites, precisa compará-la a tudo o que se encontra acima ou abaixo dela. Não se atenha, pois, a olhar para os objetos que o cercam, simplesmente, mas contemple a natureza inteira na sua alta e plena majestade. Considere esta brilhante luz colocada acima dele como uma lâmpada eterna para iluminar o universo, e que a Terra lhe apareça como um ponto na órbita ampla deste astro e maravilhe-se de ver que essa amplitude não passa de um ponto insignificante na rota dos outros astros que se espalham pelo firmamento. E se nossa vista aí se detém, que nossa imaginação não pare; mais rapidamente se cansará ela de conceber, que a natureza de revelar. Todo esse mundo visível é apenas um traço perceptível na amplidão da natureza, que nem sequer nos é dado a conhecer de um modo vago. Por mais que ampliemos as nossas concepções e as projetemos além de espaços imagináveis, concebemos tão somente átomos em comparação com a realidade das coisas. [...] Afinal que é o homem dentro da natureza? Nada, em relação ao infinito; tudo, em relação ao nada; um ponto intermediário entre o tudo e o nada. Infinitamente incapaz de compreender os extremos, tanto o fim das coisas quanto o seu princípio permanecem ocultos num segredo impenetrável, e é-lhe igualmente impossível ver o nada de onde saiu e o infinito que o envolve. PASCAL, Blaise. Parte dois. Pensamentos. Tradução Mario Laranjeira. São Paulo: Martins Fontes, 2005. Após a leitura em silêncio dos dois fragmentos, compare- os. 1. Quais argumentos se aproximam, isto é, nos fazem pensar ideias semelhantes ou iguais? 2. Quais são os argumentos diferentes? O que nos permite dizer que existem diferenças entre os dois textos? Se um texto (Descartes) traz a visão de conflito do homem consigo mesmo, o outro (Pascal) traz a ideia de nossa limitação diante da natureza. Duas condições básicas da existência humana que precisam ser corajosa e filosoficamente enfrentadas para a compreensão do ser humano. Qualquer projeto educacional com vista à preservação da natureza, e com esta à preservação da humanidade, requer conscientização sobre nossos limites e nossas necessidades como seres corpóreos que até o presente momento nada sabem sobre seu início, seu fim e que continuam a destruir-se mutuamente. 1. Quais são as consequências de termos um corpo humano? Em primeiro lugar a necessidade de nos alimentar, de defecar, de promover a higiene do nosso corpo, assim como as possibilidades de manusear e fabricar coisas, e como essas ações, derivadas do fato de termos um corpo, afetam outros corpos dispostos no meio ambiente. 2. Imagine o corpo humano com outras características, diferentes das nossas. E nós, seres humanos, tivéssemos bico no lugar da boca? Ou quatro braços? Enfim, diante das características novas pensadas por você, quais seriam as consequências? Como viveríamos? 3. Como a nossa sociedade atual vem resolvendo os desafios impostos pelo fato de sermos um corpo com possibilidades e limites? Para responder a esta pergunta, vocês podem considerar o contexto social brasileiro. Podem abordar questões sobre mobilidade, saúde, trabalho, lazer e as dificuldades postas para crianças, idosos e deficientes (temporários e permanentes). podem explorar, em seus trabalhos, os preconceitos que têm como ponto de apoio os diferentes corpos, ou mesmo a busca por um padrão ideal de corpo. SITUAÇÃO 4 A LINGUAGEM E A LÍNGUA COMO CARACTERÍSTICAS QUE IDENTIFICAM A ESPÉCIE HUMANA O objetivo do tema é refletir sobre a condição dos seres humanos e suas características fundamentais. Linguagem e palavra. Linguagem é palavra associada aos processos de comunicação entre os seres. Compreendida em um sentido amplo, está presente nas práticas realizadas por todos os animais, incluindo gestos, movimentos, sinais de diversas naturezas, cores, sons; não é, portanto, um processo exclusivamente associado aos seres humanos. Aristóteles, em seu livro A política, anunciou essa especificidade humana afirmando que todos os animais têm vozes, mas somente o homem tem palavra. No currículo do Ensino Médio, as aulas de Arte são espaço importante para a criação e a reflexão de diferentes linguagens da arte. Nesta Situação, focaremos a palavra e a língua como aspectos definidores do ser humano e, também, como condição para a elaboração do discurso filosófico. Analisaremos, então, como temas, a língua como fundadora dos saberes coletivos, a língua como criadora de realidades, e a Filosofia como área privilegiada para o cuidado com as criações da língua, como lugar de reflexão e tratamento da linguagem escrita e falada. Competências e habilidades a serem desenvolvidas: elaborar hipóteses para o enfrentamento de questões relativas aos temas deste volume; refletir sobre a distinção entre linguagem e língua; relacionar pensamento, linguagem e língua; refletir sobre o papel da língua para a produção e preservação de saberes coletivos, bem como para representar o real e imaginar diferentes realidades. Para dar início à nossa reflexão sobre a palavra como um traço fundamental do ser humano com a questão: O que vocês pensam sobre a condição humana? Já tiveram oportunidade de parar para considerar reflexivamente as consequências da palavra para a constituição do ser humano como se apresenta atualmente? Considerem o processo de pensamento como um fenômeno permitido pela palavra. Ainda que não expresso, que não dito, um pensamento é produzido com a articulação de palavras. As palavras articulam-se no contexto de uma língua. Por isto é possível afirmar que não existe pensamento sem a base, sem o suporte de uma língua. A língua e os saberes coletivos A língua, por sua vez, tem seus suportes. A língua falada tem como base física os sons, ou seja, a vibração do ar, e a língua escrita tem sua base na imagem, quer dizer, em um desenho no espaço. Ela também tem uma base física no animal que fala. A língua falada depende de um aparelho fonético bastante sofisticado, e a língua escrita depende de uma mão igualmente sofisticada. Há, ainda, a linguagem de sinais, que tem como base os gestos decorrentes de uma linguagem natural. Todas apresentam características exclusivas da nossa espécie. As línguas falada, escrita e de sinais têm uma base cultural, pois são indissociavelmente ligadas a uma forma de vida, uma cultura determinada. Ao mesmo tempo que a cultura é gerada pela língua, ela também gera a língua. Ao nomear, classificar, categorizar, registrar suas experiências vitais, os seres humanos criam palavras e sintaxes articuladoras de palavras ao contarem histórias de modos particulares de vida. A língua é o “saber coletivo” fundamental de um povo, de uma nação, de uma cultura. É fundamental porque, com a língua, os grupos humanos fundam sua identidade, por meio das palavras que organizam e nomeiam suas para sobrevivência, suas crenças, seus valores, suas artes. Assim como é verdadeira a afirmação de que existem comunicações sem palavras, é verdadeira a impossibilidade de constituição de um agrupamento humano, seja uma tribo, uma cidade ou um país, sem a edificação de saberes coletivos que são planejados, registrados – ainda que na memória da tradição oral – e comunicados pela língua de geração em geração. A língua é o saber coletivo mais bem repartido de um povo ou comunidade. Além disso, é um saber em contínua transformação e crescimento. Todos nós aprendemos a língua constantemente e todos nós ensinamos a língua constantemente. A língua de um povo, portanto, é um instrumento valioso para a sua identidade. Ela é a espinha dorsal de uma sociedade ou cultura. E é por isso que os antropólogos, quando se deparam com uma nação tribal em risco, imediatamente chamam os linguistas para fixarem a língua em uma escrita, na tentativa de não deixá-la morrer. Atividade: em grupos, respondam ao desafio de explicar o significado da palavra “caneta” para um ser extraterrestre que não conhece os objetos da Terra e tampouco as línguas aqui faladas. É importante usarem recursos como mostrar e descrever o objeto, transmitir por meio de gestos a finalidade do objeto, pois é muito provável que o visitante não reconheça ou não conheça nenhuma dessas representações associadas à palavra “caneta”. Nesse caso, ainda que o extraterrestre tenha entendido que se está tentando ensinar para ele uma palavra da nossa língua e, com muito boa vontade, se coloque à disposição para aprender, temos as seguintes possibilidades diante das prováveis soluções para explicar o significado de “caneta”. • Ele pode considerar que se trata de um objeto adorado pelos terráqueos. • Pode achar que a palavra “caneta” seja o ato de apontar alguma coisa. • Ou então, que seja o nome do material de que ela é feita, por exemplo, o plástico. • Ou que é o nome da forma que a caneta tem, por exemplo, um cilindro. • Ou ainda, que seja a maneira de designar um ponto no espaço. • Pode achar também que o que está sendo apontado não é o que está perto do dedo, mas o que se encontra na direção oposta da ponta do dedo. • Ou que “caneta” é o nome de uma dança que consiste em apontar algo e insistir em um mesmo som: “caneta”, “caneta!”, “ca-ne-ta”... As possibilidades de interpretação do extraterrestre são virtualmente infinitas. O certo é que, se no planeta dele houvesse um objeto como uma caneta, um instrumento que lá também serviria para escrever, nesse caso, seria mais provável que ele entendesse o significado da palavra. Com essa hipótese, concluímos: • O significado de uma palavra não é dado pela observação do objeto em termos de suas linhas, suas cores, seu material; • O significado de uma palavra depende da familiaridade que temos com certos objetos, conceitos, gestos e maneiras de falar; • A língua está muito mais ligada a uma forma de vida do que à operação de representar objetos ou experiências por meio de sons ou da escrita. Pensamos, falamos, lemos e escrevemos as palavras que herdamos como seres nascidos em tempo e espaço determinados, em meio a saberes coletivos já consolidados. Herdamos a língua com as palavras já enredadas em significados. É com essas palavras, com essa herança que é a língua, que abarca os saberes coletivos de nosso grupo cultural e o universo de significados por ele produzidos, que construímos nossa arte, nossa expressão escrita e falada, nosso modo de ler e dizer o mundo. A língua como criadora de realidades Outra característica importante do ser humano que é permitida pela linguagem pode ser encontrada na capacidade de sair do presente e da presença do que é visto para lançar-se ao passado, ao futuro e a mundos nunca visitados. Aliadas à faculdade da memória, a língua e a linguagem nos trazem registros do passado; e aliadas à nossa capacidade imaginativa, nos projetam para o futuro. Passado e futuro só existem por causa da linguagem e da palavra. A característica virtual da linguagem e da língua permite essa fuga para lugares não existentes. Tal virtualidade permite, ainda, que pensemos em objetos que não estão presentes e sobre experiências que não são nossas. Com a linguagem e a língua, representamos o mundo, imaginamos outras formas de viver e elaboramos saberes coletivos que herdamos e transmitimos para gerações que nos sucedem. Para a reflexão sobre esse papel da língua, proponho um desafio: mantenham os olhos fechados durante 30 segundos. Quem será capaz de fazer isso? Eram quatro apenas: um velho, dois homens feitos e uma criança, na frente dos quais, rugiam raivosamente 5 mil soldados. Agora, respondam: o que vocês imaginaram quando eu fiz a leitura do texto: • Como era o velho? Ele usava chapéu? • E como eram os dois homens feitos? • E a criança, era menino ou menina? • E os 5 mil soldados? Eram soldados da polícia? Do Exército? De que época? • Onde a cena imaginada se passou? Na cidade, no campo? Fazia calor? Fazia frio? • Alguém se perguntou por que 5 mil soldados para enfrentar quatro pessoas? • Alguém interpretou em que circunstâncias esse fato teria ocorrido? • Alguém ficou com pena daquelas quatro pessoas? • Alguém ficou indignado com a desproporção entre as quatro pessoas e os 5 mil soldados? Justifiquem suas interpretações e as discutam entre si. Com certeza, as interpretações foram diferentes para cada cena descrita. E isso mostra a força da imaginação pessoal na compreensão do que é descrito ou narrado, e como ela ocorre de maneira aparentemente automática, sem identificarmos os motivos desta ou daquela associação de ideias. A linguagem é isto: um processo que permite a criação de fatos na mente das pessoas. Permite a criação de imagens, de ideias, de acontecimentos, de emoções, de julgamentos e, até mesmo, de todos esses aspectos simultaneamente, seja na reflexão que cada um de nós faz consigo mesmo, seja no ato da expressão e comunicação entre diferentes indivíduos, em sociedade. A Filosofia como o cuidado com as criações da palavra Até o momento, vimos que o homem é um ser de linguagem assim como os outros animais, mas que em sua linguagem há uma especificidade que o distingue e que se chama “palavra”. A palavra relaciona-se ao pensamento, criando-o e sendo criada por ele. Vimos que as palavras se articulam na língua de forma a descrever e nomear as coisas do mundo, mas não somente isso. A língua é um processo bastante complexo, associado às ações humanas, ao que os seres humanos fazem para sobreviver, mas, sobretudo, é um processo que permite a construção de significados ou de saberes coletivos como a ciência, a religião, a técnica, a tecnologia, a arte. Vimos que linguagem e língua permitem, ainda, que o ser humano ocupe um lugar imaginário, escapando do mundo tal como se mostra. E a Filosofia? Também resulta da capacidade humana de criar a língua e é criada por essa capacidade reciprocamente. Os conceitos filosóficos e os modos de sua enunciação nada mais são do que o resultado de uma depuração do uso comum de uma língua. Esse processo pode ocorrer deliberadamente e resultar na criação de um sistema filosófico, como quando, por exemplo, um filósofo se debruça sobre noções morais encontradas no senso comum para examinar se estão corretamente formuladas ou não, como fez Kant em sua obra Fundamentação da metafísica dos costumes (1784). Pode ser também que um filósofo se sirva da linguagem comum para expressar concepções inusitadas, valendo-se, para tanto, do recurso a um estilo particular, como Rousseau, no Discurso sobre os fundamentos e a origem da desigualdade entre os homens (1756), obra que pretende demonstrar uma verdade que poucos perceberam, por meio de uma linguagem que todos conhecem, moldada por um estilo elevado e comovente. Por fim, frequentemente acontece de a própria linguagem comum embutir conceitos e raciocínios filosóficos de maneira irrefletida, que ali se encontram pelo acúmulo de experiências dos diferentes usuários da língua ao longo do tempo. Encontramos exemplos abundantes disso na maneira como são utilizadas as definições de nomes, ou como são estabelecidas as relações entre sujeito e predicado, na atribuição dos gêneros, nas flexões e declinações, em praticamente todas as operações gramaticais. Toda língua tem regras, é como um sistema, e funciona como uma espécie de reflexão sobre si mesma, ou seja, sobre a sua própria capacidade de enunciação. Isso mostra que há muito em comum entre o uso de uma língua e o pensamento filosófico. É curioso notar que o sentido e o significado são transmitidos, nas línguas, pela expressividade dos sons, e que, portanto, o que a língua pensa, ou permite pensar, quando a falamos ou a ouvimos, é comunicado pela sensibilidade e tem efeito direto nesta. Após a leitura do texto, respondam as seguintes questões: 1. Qual é a diferença entre língua e linguagem? 2. Por que é possível afirmar que a grande distinção entre os homens e os demais animais é a língua e não a linguagem? 3. Quais são as experiências dos seres humanos cuja realização só é possível por meio da língua, da palavra? 4. Por que é possível dizer que a palavra – a língua – cria realidades, cria mundos que não existem? 5. Com base na leitura dos textos, escreva um texto argumentativo tendo como base o seguinte tema: “Linguagem e língua são senhas para entrar no mundo humano”.

terça-feira, 18 de março de 2014

CONTEÚDOS DAS SITUAÇÕES 3 e 4 - 2ª SÉRIE - 1º BIMESTRE - AVALIAÇÃO 2

SITUAÇÃO 3 A LIBERDADE - JEAN-PAUL SARTRE - (1905-1980)1. O existencialismo de Sartre (RAÍZES:fenomenologia de Husserl e em 'Ser e Tempo' de Heidegger ) O existencialismo sartriano procura explicar os aspectos da experiência humana. Sistematizada em dois livros: "O ser e o nada" e "Crítica da razão dialética”. 2. VIDA É ENTENDIDA COMO UM PROJETO QUE SE REALIZA PELAS ESCOLHAS 3. 4. O Em-si (fenomenologia e o existencialismo) O mundo é povoado de seres Em-si . São objetos existente no mundo e que possui uma essência definida . Uma caneta, por exemplo, é um objeto criado para suprir uma necessidade: a escrita. 5. 6. Um ser Em-si não tem potencialidades nem consciência de si ou do mundo. Ele apenas é . Os objetos do mundo apresentam-se à consciência humana através das suas manifestações físicas ( fenómenos ). 7. 8. O Para-si A consciência humana é um ser com forma diferente, possui conhecimento de si e do mundo. É o Para-si faz relações temporais e funcionais entre os seres Em-si e ao fazer isso constrói um sentido para o mundo em que vive. 9. 10. O Para-si não tem uma essência definida. Ele não é resultado de uma idéia pré-existente . Diferente dos seres em-si que possuem essencia definida 11. O existencialismo sartriano é ateu, não admite a existência de um criador que tenha predeterminado a essência e os fins de cada pessoa. 12. 13. Durante sua existência o Para-si define, a cada momento (escolha), o que é sua essência. 14. 15. A CONDIÇÃO HUMANA “ CADA UM É DETERMINADO PELO AMBIENTE E PELAS CIRCUNSTANCIAS” “ ... Mas tenho liberdade de mudar minha vida deste momento em diante”. 16. 17. Meu ser passado é um Em-si , possui uma essência conhecida, mas essa essência não foi predeterminada . “ Cada pessoa só tem como essência imutável, aquilo que já viveu”. 18. “A existência precede e governa a essência" . Por esta mesma razão cada Para-si tem a liberdade de fazer de si o que quiser. 19. A liberdade “ O ser humano está condenado à liberdade” . Toda pessoa a cada momento escolhe o que fará de sua vida, não há um destino previamente concebido. 20. As escolhas de cada um são direcionadas por projetos . Projeto é aquilo que você faz de sua vida e não aquilo que gostaria de fazer. 21. Há vários tipos de projeto, escrever um livro, comprar uma casa, “ Todas as pessoas são movidas por um projeto fundamental, o projeto de auto-realização, da transcendência ”. 22. Sonhamos em ser pessoas que realizaram todas as suas potencialidades, todos os projetos. Um ser que realizou tudo o que podia esgota suas potencialidades, tornar-se um Em-si. Isso irá acontecer quando morremos. 23. Quando a consciência deixa de existir, tornamos completo e acabado. Mas a morte é uma contingência, não podemos evitar e impede a concretização de nossos projetos. Não é a morte a transcendência desejada. 24. Sartre diz que o projeto fundamental é tornar-se um ser que já realizou tudo, mas preservando sua consciência, um ser Em-si-Para-si . Tal ser corresponde à noção que temos de Deus, um ser completo, sem limitações e com todas as suas potencialidades já realizadas, mas ainda consciente de si e do mundo. “ O homem é um ser que projeta tornar-se Deus". 25. A liberdade é escolher o caminho mais curto em direção ao projeto fundamental. Sempre sujeitos a limitações e contingências . Ex.: Não posso voar, mas posso agir, apesar destas limitações. Isso não diminui a liberdade. “ São as limitações que tornam a liberdade possível” , se realizássemos o que quiséssemos, tornaríamos um em sí. 26. A responsabilidade Cada escolha carrega consigo uma responsabilidade . Se escolho ir a algum lugar, falar alguma coisa, escrever um artigo, tenho que ter consciência de que qualquer conseqüência desses atos terá sido resultado de minha própria escolha. 27. “ E cada escolha ao ser posta em ação provoca mudanças no mundo que não podem ser desfeitas”. Não posso,atribuir a responsabilidade por estes atos a nenhuma força externa, ao destino ou a Deus . 28. “ Cada escolha que faço, torno-me responsável não só por mim, mas por toda a humanidade”. “ E faço isso por minha própria escolha, para que o mundo se torne mais como eu o projetei”. Eis a essência da responsabilidade: “ Eu, por minha vontade e escolha, ajo no mundo e afeto o mundo todo. Ser livre é ser responsável”. 29. As limitações me impõem escolhas. Um preso tem a liberdade e escolhas a fazer. Esta é, para Sartre, a verdadeira liberdade que ninguem pode escapar: "não é a liberdade de realização, mas a liberdade de eleição". 30. “ O importante não é o que o mundo faz de você, mas o que você faz com aquilo que o mundo fez de você”. " Uma vez que a liberdade explode no peito de um homem, contra este homem nada mais podem os deuses“ 31. A angústia “ A responsabilidade é um fardo pesado”. A angústia existencial decorre da consciência que “ as escolhas definem o que você é ou se tornará” . Estas escolhas podem afetar, de maneira irreparável, o próprio mundo . A "angústia" decorre da consciência da liberdade e do receio de usá-la de forma errada. 32. É mais fácil acreditar que existe um propósito no universo. Que nossos atos são guiados por uma mão invisível em direção a esse propósito. Neste caso, meus atos não seriam responsabilidade minha, mas apenas o meu papel em um roteiro maior. 33. Para Sartre Não há um propósito ou um destino universal. O homem diante desta constatação se desalenta. O desalento é a constatação de que nada existe fora de nós que define nosso próprio futuro. Apenas nossa liberdade. 34. A má-fé Segundo Sartre, a má-fé é uma defesa contra a angústia e o desalento , uma defesa equivocada. Renunciamos à nossa liberdade escolhendo o que nos afastam do projeto fundamental, atribuindo conformadamente estas escolhas a fatores externos, ao destino , a Deus , aos astros , a um plano sobre humano . Sartre também considerava a idéia freudiana de inconsciente como um exemplo de má-fé. O francês Jean-Paul Sartre estudou na Escola Normal de Paris e em Berlim, onde recebeu a influência de Husserl e Heidegger. Desenvolveu uma filosofia existencialista em obras como O ser e o nada (1943) e O existencialismo é um humanismo (1946). Nela, aprofunda temas como a liberdade humana, a angústia e as paixões. Interessou-se também pelo marxismo, cujo pensamento expressou em Crítica da razão dialética (1960). Em 1945, fundou, com Merleau-Ponty, a revista Lês Temps Modernes e converteu-se em um dos principais teóricos da esquerda. Entre sua produção literária, estão A náusea (1938) e a trilogia "Os caminhos da liberdade", composta de A idade da razão (1945), Sursis (1947) e Com a morte na alma (1949), assim como suas obras de teatro Mortos sem sepultura (1946) e Entre quatro paredes (1945). Em 1964, foi-lhe concedido o prêmio Nobel de Literatura, que ele rejeitou, alegando que nenhum homem poderia ser transformado em instituição. Para Sartre, a liberdade não se resume ao que podemos escolher. Ela se dá pela invenção de possibilidades. Nós podemos inventar nossas opções. Mas isso acontece, sobretudo, quando inventamos a nós mesmos. Se recordarmos John Locke, ele pressupunha que todos nós nascemos vazios, mas com nossas experiências podemos adquirir o conhecimento e, portanto, tornamo-nos alguma coisa. A mais profunda liberdade é poder escolher o que somos e não apenas o que fazemos. Nós escolhemos um projeto para nós mesmos, o que Sartre chama de compromisso. Nós nos comprometemos com nossos valores, gostos, sonhos, desejos e projetos. Sobre o que somos e o que seremos, nós decidimos. A razão disso tudo é a liberdade, que nos permite tornar um tipo de pessoa, voltar atrás ou mudar para outra direção. A liberdade exige cada vez mais liberdade, liberdade de ser o indivíduo que queremos, bons, felizes, tristes, inteligentes, cultos, esportistas, verdadeiros, fingidos, torcedores fanáticos de um time de futebol, mães solteiras etc. Liberdade de escolha - mesmo com limites, a partir da nossa vida, nós decidimos a criação de uma outra vida para nós. Podemos sempre repetir: "Não importa o que fizeram de mim, o que importa é o que eu faço com o que fizeram de mim". Mas ninguém é livre sozinho. Para nos fazermos e refazermos, precisamos de outros com as mesmas possibilidades. É a liberdade dos outros que garante a nossa liberdade. Imagine se ninguém fosse livre a não ser você; seria como um jogo de futebol em que todos os demais jogadores estivessem presos ao chão. Que gosto teria jogar sozinho, sem ter alguém para comemorar ou entristecer-se conosco, partilhando conquistas e derrotas? Quanto mais livres são os outros, mais livres nós somos. Cada um, com sua liberdade, pode inventar a si mesmo e, assim, reinventar o mundo, as cidades, os grupos, lembrando, sempre, que a violência entre os homens começa quando alguém não respeita a liberdade do outro. DESTINO E DETERMINISMO A ideia de destino significa que o homem não pode escolher para onde vai, ou até o que fazer, mesmo que seja contra a sua vontade. Algo fora dele decidirá, e não há nada que ele possa fazer para mudar seu futuro ou alterar seu presente. Essa ideia tem caráter religioso e pode-se dizer que foi introduzida na Filosofia pelos estóicos. Para eles, havia uma causa necessária para tudo, ou seja, o mundo inteiro segue certas leis, as quais obrigam as pessoas a agir e morrer sem poder decidir por si. Essa ideia de causa necessária, posteriormente aplicada à ciência, significa que tudo tem uma causa e um efeito; o destino de tudo já foi decidido pelo seu passado, ou melhor, pela sua causa. A LIBERDADE DE FAZER-SE Sartre e a compreensão da liberdade Segundo Jean-Paul Sartre, a existência precede a essência. Esse princípio da Filosofia existencialista de Sartre quer dizer que os homens não possuem uma essência anterior que revele a sua verdadeira natureza. Ao afirmar que a existência precede a essência, Sartre quis dizer que cada indivíduo está inserido no mundo e o mundo, muito mais do que aspectos naturais, abarca as relações familiares e sociais, relações afetivas e materiais dentro de um determinado contexto histórico. A existência, nesse sentido, depende da conduta que cada um assume em relação aos diferentes fatores que caracterizam o mundo em que vivemos. Dessa forma, os homens são o que fazem no decorrer das suas vidas. Assim, para o existencialismo sartreano, nem a natureza e seus determinismos nem Deus podem explicar de antemão os homens, suas histórias e suas escolhas. Isto porque os homens, pelas suas escolhas, dentro de um determinado contexto de possibilidades, constroem-se a si mesmos. É por intermédio da liberdade de escolha que os homens se fazem. A liberdade de fazer-se significa que a liberdade não é um conceito abstrato, mas uma atitude concreta e identificável, a liberdade é uma característica básica da existência humana e, sendo assim, é preciso assumir a liberdade que nos define ou aprender a ser livre. Admitir a liberdade como base da existência humana significa que devemos atuar no sentido de realizar o nosso projeto de vida, significa não assumir um papel social determinado de antemão por outros, significa, por fim, assumir a responsabilidade pelas escolhas que fazemos e, assim, ser responsável pelo que se é. Sartre com a filósofa e escritora Simone de Beauvoir. Os dois mantiveram um casamento aberto e foram companheiros até a morte dele, em 1980 (Simone faleceu em 1986). Sartre: o ser e o nada Em uma obra ampla, que reúne ensaios, filosofia, teatro e literatura, Sartre defendeu suas teses sobre o ser humano. Seu ponto de partida afirma que o homem vem do nada e é radicalmente livre para fazer a si mesmo. Filosofia, ensaio, literatura Uma das características mais marcantes de Jean-Paul Sartre (l 905-1980) é sua versatilidade com os vários tipos de texto. Ao rigor dos conceitos filosóficos ele aliou o ensaio e a ficção. E foi bem-sucedido em todos esses gêneros. Não se pode, porém, separá-los no conjunto da obra sartreana. Romances, contos, crônicas, crítica literária, jornalismo, análise política e ensaios estão profundamente ligados, na temática, no desenvolvimento das tramas e na composição das personagens, à sua filosofia. São maneiras diferentes de expressar o tema principal da reflexão de Sartre: o homem. Sartre com a filósofa e escritora Simone de Beauvoir. Os dois mantiveram um casamento aberto e foram companheiros até a morte dele, em 1980 (Simone faleceu em 1986). Nessa reflexão, ele retoma a ideia de Martin Heidegger (1889-1976), de que o ser humano vem do nada e se dirige também para o nada. Não há divindade criadora nem "essência" preexistente na origem do homem. Ele vem do nada e somente passa a ser, a existir, quando, já no mundo, começa a fazer-se, a construir-se. É nesse sentido que Sartre entende o homem como "ser para-si": dotado de consciência, ele se percebe (ou seja, ele percebe que "é", que "existe") e por isso pode fazer a si mesmo. E aqui Sartre também resgata outra noção de Heidegger a de que a existência humana é sempre um projeto. Existir é impelir-se na direção do futuro. Consciência, "ser em-si", "ser para-si" A característica mais fundamental do homem, aquilo que o diferencia de outros seres, é a consciência. E a consciência, a princípio, também é nada. É um vazio que começa a ser preenchido quando o ser humano nasce e passa a observar tudo aquilo que há no mundo (os "fenômenos"). O conteúdo da consciência, assim, é composto dos fenômenos que ela percebe na natureza. A consciência - isto é, o ser humano -, porém, faz muito mais do que apenas registrar os objetos do mundo. O homem consegue organizar os fenômenos que observa, dando-lhes um sentido. Ao fazer isso, ele se transforma num co-autor do mundo, que passa a ser aquilo que cada um (e todos, numa perspectiva mais ampla) entende que o mundo seja. A essa capacidade de perceber as coisas, e dar-lhes sentido, Jean-Paul Sartre chama "intencionalidade": a consciência sempre é consciência de algo. O ser humano, que percebe, e os objetos, que são percebidos, mas não podem perceber, são os dois tipos de seres existentes no mundo. O homem, dotado de consciência, é o único capaz de perceber que percebe e de utilizar essa capacidade para decidir o que é, o que fará e como fará. Por isso ele é um "ser para-si". Já os objetos, seres que são percebidos, mas não têm percepção, são "seres em-si": existem, estão no mundo, mas não têm, por princípio, a capacidade de reflexão e a autonomia que a consciência confere aos humanos. Psicanálise existencial A psicanálise existencial, proposta por Jean-Paul Sartre, diferencia-se da freudiana por rejeitar o determinismo como causa de acontecimentos passados. Uma psique que reage à pressão das circunstâncias permite descobrir a estrutura ontológica da escolha originária. O para-si, que é por essência nada, procura abandonar essa condição de origem: deseja ser. Porém, não aspira a um ser na forma do em-si, isto é, uma coisa, um objeto qualquer do mundo. O que o homem quer é converter-se em um em-si que, ao mesmo tempo, seja seu próprio fundamento, ou seja, um em-sí-para-si. Sartre: liberdade radical Condenado a ser livre, o homem é o único responsável por si e por seus atos. Por isso mesmo tem medo e angústia: sente-se sozinho, abandonado no mundo, sem saber o que fazer no instante seguinte. Liberdade e ação A teoria sartreana do ser para-si conduz a uma teoria da liberdade. Isso porque o ser para-si define-se como ação e a primeira condição da ação é a liberdade. O que está na base da existência humana é a livre escolha que cada homem faz de si mesmo e de sua maneira de ser. Desse princípio decorre a afirmação de Jean-Paul Sartre (1905-1980) de que o homem é inteiramente responsável por aquilo que é; não tem sentido querer-se atribuir as falhas individuais a fatores externos como a hereditariedade, a ação do meio, a influência de outras pessoas. A cada momento o ser humano precisa exercer sua liberdade absoluta, refazendo seu eu. É esse o processo de existir, uma relação indeterminada com esse refazer. Isso provoca angústia. Provoca também o medo de realizar as próprias possibilidades; há medo e angústia porque o homem não sabe o que será no momento seguinte. A autonomia da liberdade, como determinação fundamental e radical do ser para-si, faz do existencialismo uma filosofia que prescinde da ideia de Deus. Para Sartre não há nenhum fundamento sobrenatural para os valores: é o homem que os cria. O valor da vida é o sentido que cada homem escolhe para si mesmo. Em síntese, o existencialismo sartreano é uma forma radical de humanismo, suprimindo a necessidade da metafísica e colocando o próprio homem como criador de todos os valores. A má-fé Quando o ser humano se fixa numa personagem de si mesmo, rompendo com o fazer-se contínuo, ele deixa de usar sua liberdade. Cristaliza-se. Essa cristalização, esse parar de fazer-se livremente, tem um nome: má-fé. O ideal perseguido pela má-fé é tornar-se coisa, ser em-si. A má-fé leva à reificação: o ser humano passa a considerar-se algo sólido (como um objeto), definitivo, contrariando a possibilidade do para-si - que é fazer-se - e desagregando a existência, pois desestruturou a liberdade. A conduta de má-fé é a fuga da liberdade. O “ser para - outro” O ser humano convive, no mundo, com outros seres humanos e com objetos. Difere, porém, o modo como se dá a interação com uns e outros. Se, diante de objetos, o homem não tem com que se preocupar, com outros seres humanos a preocupação aparece. O olhar do outro vê os demais como objeto a ser analisado, medido, avaliado, incorporado, anulando-os como sujeitos. Como há resistência, por parte dos seres humanos, a ver-se relegados à condição de objetos, essa objetivação mútua não é capaz de converter o outro em mero em-si. Para escapar da objetivação, é preciso ver o outro como um traço estrutural e originário do para-si: o homem, ao saber aquilo que é, sabe também aquilo que não é (sabe que não é o outro). E pode, então, reconhecer no outro uma consciência, um sujeito como ele, não uma coisa. Liberdade e responsabilidade (...) o homem, estando condenado a ser livre, carrega nos ombros o peso do mundo inteiro: é responsável pelo mundo e por si mesmo enquanto maneira de ser. Tomamos a palavra "responsabilidade" em seu sentido corriqueiro de "consciência (de) ser o autor incontestável de um acontecimento ou de um objeto". (...) Portanto, é insensato pensar em queixar-se, pois nada alheio determinou aqui/o que sentimos, vivemos ou somos. Por outro lado, ta/ responsabilidade absoluta não é resignação: é simples reivindicação lógica das consequências da nossa liberdade. O que acontece comigo, acontece por mim, e eu não poderia me deixar afetar por isso, nem me revoltar, nem me resignar. (...) Sou abandonado no mundo (...) no sentido de que me deparo subitamente sozinho e sem ajuda, comprometido em um mundo pelo qual sou inteiramente responsável, sem poder, por mais que tente, livrar-me um instante sequer desta responsabilidade, pois sou responsável até mesmo pelo meu próprio desejo de livrar-me das responsabilidades (...). JEAN-PAUL SARTRE, O ser e o nada. SITUAÇÃO 4 IMMANUEL KANT AUTONOMIA O objetivo desse texto é desenvolver a capacidade de pensar a autonomia, entendida como uma espécie de legislação particular do indivíduo, ou seja, as normas de conduta que ele cria para si mesmo. Já que todos podemos escolher sempre, é importante fazermos a constante reflexão sobre nossas regras pessoais: Como podemos criá-las e com base em quais critérios? Em todos os lugares, existem sempre muitas normas, disciplinando quase tudo. Algumas delas são escritas e outras já fazem parte do nosso entendimento comum do mundo, ou seja, fazem parte de uma tradição. A escola, por exemplo, está cheia de regras. São normas que vão do uso do boné ao uso do banheiro, sobre a preservação do silêncio quando o professor está falando, que proíbem a “cola” na prova, além de muitas outras. Em casa, também, há muitas regras, como as que disciplinam o uso da TV e do som, as que exigem respeito à limpeza do lar, as que orientam a distribuição de tarefas e responsabilidade domésticas. Até entre os amigos deve haver normas que possam preservar o respeito mutuo e a amizade. As normas são criadas pela influência dos costumes das sociedades ou por quem detém a autoridade. Nem sempre, porém, a tradição, as normas ou a legislação são capazes de nos orientar em nossas escolhas. Autonomia e heteronomia Segundo o Dicionário básico de Filosofia, a palavra autonomia significa liberdade política, autodeterminação e capacidade de governar a si mesmo. De acordo com a Filosofia Kantiana, autonomia “é o caráter da vontade pura que só se determina em virtude de sua própria lei, que é conformar-se ao dever ditado pela razão prática e não por interesse externo”. A heteronomia, ao contrário, significa que a lei a que se obedece é de origem externa. “Em Kant, por oposição à autonomia da vontade, a heteronomia compreende todos os princípios da moralidade aos quais, a vontade deve submeter-se: educação, constituição civil” etc. Dessa forma, a autonomia da vontade se manifesta quando seguimos leis que nós mesmos estabelecemos com base na razão e independente de outras motivações além da própria razão. A heteronomia está atrelada às normas que foram estabelecidas de acordo com as concepções de consciência e bem-estar. Nesse sentido, com base na Filosofia Kantiana, os homens, por serem racionais e viverem em sociedade e segundo normas de convivência, pautam as suas ações pela autonomia da vontade e/ou por heteronomia. Para melhor entendermos sobre a ética Kantiana, vamos fazer a leitura de dois textos a seguir. O texto 1 traz breves considerações sobre como o debate ético está instaurado em nosso cotidiano. O texto 2, é um fragmento em que Kant explica o Imperativo Categórico e o Imperativo hipotético. Texto 1 Um critério para nossas escolhas Em geral, trazemos para questões éticas os grandes debates, tais como o aborto, a pena de morte e a utilização de animais para testes científicos. Esses e outros temas de grande magnitude certamente devem ser tocados pelos debates éticos. Contudo, as ações corriqueiras do nosso cotidiano são reveladoras das nossas crenças e dos nossos critérios de escolha e, portanto, devem ter parte na reflexão ética. A forma de tratar os colegas, os professores, os pais e as pessoas desconhecidas que cruzam o nosso caminho revela os nossos valores e os nossos critérios de ação. Por exemplo: Quando nos deparamos com alguma dificuldade, quais são os nossos critérios para decidir o que fazer? Consideramos critérios individuais ou de solidariedade? Critérios racionais ou emocionais? Para o Filosofo Immanuel Kant, as nossas ações devem ter como critério o dever moral. É o dever moral, fundado na razão, que nos eleva à condição de seres morais, ou seja, que nos permite abrandar o nosso egoísmo, a nossa ambição e a busca desenfreada pelos prazeres. Kant traz as reflexões éticas para a prática, para as ações que demandam escolhas. O poder de tomar decisões no âmbito da vida humana, Kant chama de “arbítrio”. “Imaginemos que um homem cometa um crime, um assassinato. De fato, ele pode tentar se eximir da culpa pelo que fez alegando que foi levado a isso por forças maiores, e que por isso ele ‘não teve escolha’. Pode afirmar, por exemplo, que foi criado num ambiente violento e desumano, ou que foi tomado por uma ira incontrolável naquele momento determinado, ou ainda que ouviu vozes de instâncias sobrenaturais ordenando o ato... É bem possível que essas alegações, se confirmadas, sirvam eventualmente como atenuantes de sua responsabilidade. Mas ele jamais escapará da acusação de que, por ser ele um ser humano e tomar decisões a partir de um arbítrio humano, poderia ter tomado a decisão de resistir a todas as forças, por maiores que fossem, que o ‘conduziram’ ao crime.” Texto 2 Fundamentação da metafísica dos costumes Na natureza, tudo funciona de acordo com certas leis. Somente um ser racional tem a faculdade de agir de acordo com a representação das leis, isto é, de acordo com princípios, ou seja, usando sua vontade. Uma vez que a dedução de ações a partir de princípios demanda razão, a vontade nada mais é do que a razão prática [...] a vontade é a faculdade de escolher aquilo que somente a razão, independente de inclinações, reconhece como algo necessário na prática, ou seja, como algo bom. Porém, se a razão por si só não é suficiente para determinar a vontade, esta estará, por sua vez, sujeita a condições subjetivas (impulsos individuais), que nem sempre coincidem com as condições objetivas em resumo, se a vontade não estiver totalmente de acordo com a razão (o que, em realidade, acontece entre os homens), então as ações, objetivamente reconhecidas como necessárias, são subjetivamente contingentes, e a determinação da vontade de acordo com leis objetivas é uma obrigação [...]. A representação de um princípio objetivo, no sentido de ser obrigatório para uma vontade, é chamada comando (da razão), e a fórmula do comando é chamada imperativo. Todos os imperativos são expressos pelo verbo deve (ou deverá) [...]. Assim, todos os imperativos são ordens hipotéticas ou categóricas. A forma hipotética representa a necessidade prática de uma ação possível como meio para chegar-se a algo que é desejado (ou, pelo menos, algo que pode vir a ser desejado). O imperativo categórico seria aquele representado por uma ação necessária em si, sem referência a outros fins, ou seja, como objetivamente necessária. [...] todos os imperativos são formulas para determinar uma ação que seja necessária de acordo com o princípio da boa vontade, sob certos aspectos. Se, portanto, a ação é boa apenas como meio para se chegar a algo, então o imperativo é hipotético, se for concebida como boa em si mesmo e, consequentemente, como necessária e dentro do princípio de uma vontade ajustada à razão, então ela é categórica. [...] O imperativo categórico que declara uma ação como objetivamente necessária em si mesmo, sem referência a qualquer outro propósito, isto é, sem qualquer outro fim, é válido como um princípio apodítico (prático). Immanuel Kant é um Filosofo que nos ajuda a pensar as questões éticas e a problematizar regras morais. Esse filósofo distinguiu diferentes possibilidades para analisarmos as relações entre vontade, razão e ação. Kant chamou de imperativos os mandamentos da razão que se relacionam com uma vontade. E definiu dois imperativos centrais: imperativo hipotético e imperativo categórico. O imperativo hipotético representa a necessidade de uma ação como meio de alcançar qualquer objetivo que se queira. O imperativo categórico é a ação necessária por si mesma, universal, e, como tal, válida para todos os homens. Essa distinção é interessante para questionarmos nossas ações e nossos princípios morais, sobretudo tomando-se por base esta pergunta: O que considero válido para mim é válido para todos os homens? O Esclarecimento Kantiano Toda a presente dissertação do filósofo moderno Immanuel Kant gira em volta da resposta à pergunta sobre o esclarecimento (aufklärung). Kant começa pelo próprio termo esclarecimento, que «é a saída do homem de sua menoridade». O que produz tal menoridade é o próprio homem, que não consegue sair de sua condição medíocre e tomar coragem de servir-se de si mesmo sem necessitar da ajuda de alheios. A menoridade do homem o afeta em todos os campos: na política, na sociedade, no trabalho, etc. O processo para se sair desse estado de minoridade está no autocontrole e na liberdade que cada indivíduo deve cultivar. Somos convidados a não nos acomodar, a sair em busca do saber, por isso usa o termo latino: Sapere aude! (Ouse saber). Somente através dessa ousadia é que podemos sair de nossa condição. Essa ousadia implica a «coragem de fazer uso de teu próprio entendimento», o que é como que o slogan do esclarecimento. As principais causas que impedem o esclarecimento estão no comodismo, na preguiça e na covardia. Com tais causas, o homem permanecerá sempre em sua menoridade. Para as pessoas acostumadas a ‘receberem as coisas nas mãos’ (Kant enumera alguns: ter um livro que faz as vezes de nosso entendimento; um diretor espiritual que tem consciência em nosso lugar; um método que decide a nossa dieta; etc.), torna-se difícil e perigoso renunciar sua menoridade. Isto está tão enraizado em sua vida, em seu cotidiano, em todos seus trabalhos, que se torna natural, cômodo. Por isso é que os homens não sabem como lidar com a liberdade quando a têm e os impede de utilizar seu entendimento. Mas, para tanto, sempre há uma primeira tentativa, e é essa a exortação de Kant em sua resposta à pergunta proposta. Há pessoas, no entanto, que são o contrário. São aqueles “indivíduos capazes de pensamento próprio”. Esses indivíduos devem espalhar o espírito de avaliação racional de cada homem. Todavia, existem pessoas que acabam tirando proveito da situação, obrigando as demais pessoas a viverem sob seu domínio. A verdadeira revolução deve ser a mudança de pensamento das pessoas. Essa mudança traz benefícios muito maiores que a de uma revolução política, em que apenas se trocam algumas pessoas do poder, mas a dominação continua. Uma revolução assim, que derruba um governo despótico, «nunca produzirá a verdadeira reforma do modo de pensar». O esclarecimento exige liberdade. Uma liberdade não limitada, não condicionada, que favoreça apenas aos que têm o “poder” nas mãos. Também o uso privado da razão, apesar de ser limitado, pode ajudar consideravelmente no progresso do esclarecimento. O uso privado da razão é aquele que o sábio pode fazer em um certo cargo público ou numa função a ele confiada. Um oficial não pode colocar, contra seu superior, seu raciocinar em voz alta. “Deve obedecer.” Entretanto, este mesmo oficial não está impedido de fazer observações sobre os erros no serviço militar. Da mesma forma que um sacerdote, obediente ao credo que professa, diz palavras, em seu sermão, coniventes com o credo professado. Mas, pode e deve, contudo, alertar o público sobre as idéias equivocadas da fé professada. Mesmo a época relatada por Kant é um período apenas de passagem. A época do filósofo não é, ainda, “esclarecida”, mas está em processo de “esclarecimento”. Tal processo é fruto do Iluminismo, tendência de pensamento esclarecido pela luz da razão, e não mais das trevas do Medieval. Portanto, o texto de Kant é essa explicação do esclarecimento. Com ele e nele, temos a ansiedade de buscar, assim como o próprio filósofo, inspirado por Hume, “acordar do sonho dogmático” em que vivemos. Só assim é que o homem se redimirá de sua culpa e sairá de sua tão deplorável menoridade. Prof. Manoelito