C-H - Ler,
compreender, analisar e interpretar textos dissertativos-argumentativos,
inferindo seus traços característicos, bem como suas finalidades e usos
sociais.
Rousseau assumiu uma posição peculiar em
relação ao movimento Iluminista, na medida em que, em relação a esse
movimento, embora não desprezasse a racionalidade, concedia valor
primordial aos sentimentos. Cabe lembrar, também, que se trata de um período de
transição, às vésperas da Revolução Francesa, evento que marca o triunfo da
burguesia e da passagem do Antigo Regime para o capitalismo. Nesse sentido,
Rousseau, apesar de sua perspectiva crítica com relação a certos valores
acalentados pela burguesia (como o luxo e a ostentação, por exemplo), e mesmo
com relação à propriedade privada, ainda se constituiu como ideólogo da
burguesia e um dos precursores do liberalismo político. Em que consiste a
desigualdade estabelecida por convenção e a desigualdade por natureza?
Desigualdade natural e desigualdade social
Em 1753, a
Academia de Dijon, na França, lançou um concurso no qual os interessados
deveriam discorrer sobre as seguintes questões: Qual é a origem da desigualdade
entre os homens? É autorizada pela lei natural? Jean-Jacques Rousseau já havia
vencido anteriormente um concurso semelhante, proposto pela mesma academia,
sobre o tema “Se o progresso das ciências e das artes contribuiu para corromper
ou apurar os costumes”. Ele resolveu, então, participar de novo, escrevendo seu
Discurso sobre a origem da desigualdade entre os homens. Vejamos como, nesse
texto, o autor explicou o surgimento da desigualdade social.
Rousseau iniciou distinguindo dois tipos de desigualdade: uma
instituída pela natureza e outra produzida pelos homens. Deixemos, porém, que o
próprio autor, em sua obra, explique mais claramente a diferença entre elas:
“Concebo na espécie humana duas espécies de desigualdade; uma, que chamo de
natural ou física, porque é estabelecida pela natureza, e que consiste na
diferença das idades, da saúde, das forças do corpo e das qualidades do
espírito, ou da alma; a outra, que se pode chamar de desigualdade moral ou
política, porque depende de uma espécie de convenção, e que é estabelecida ou,
pelo menos, autorizada pelo consentimento dos homens. Esta consiste nos
diferentes privilégios de que gozam alguns com prejuízo dos outros, como ser
mais ricos, mais honrados, mais poderosos do que os outros, ou mesmo fazerem-se
obedecer por eles.”
Diz Rousseau: “Não se pode perguntar qual é a fonte da
desigualdade natural, porque a resposta se encontraria enunciada na simples
definição da palavra”: ela decorre da natureza. Por isso, o autor dedicou-se a
investigar as origens da desigualdade que ele chamou de “moral ou política”,
isto é, da desigualdade social, procurando compreender o processo pelo qual ela
foi gradualmente instituída pelos homens, desde os tempos mais remotos, até
chegar ao estado em que se encontrava à época em que ele vivia (Europa do
século XVIII).
Quanto ao método adotado para empreender tal investigação,
Rousseau esclareceu que “Não se deve tomar as pesquisas que podemos realizar
sobre este tema por verdades históricas, mas somente por raciocínios
hipotéticos e condicionais” Ele também não levou em consideração as explicações
das pela religião, segundo as quais a desigualdade resultaria da vontade de
Deus, preferindo deixar de lado os dogmas da fé e, fazendo uso apenas da razão,
“formar conjecturas, tiradas somente da natureza do homem e dos seres que o
rodeiam”. Esclarece, ainda, que não se preocuparia em “considerá-lo [o homem]
desde a sua origem e examiná-lo [...] no primeiro embrião da espécie” para
entender como por meio de sucessivos desenvolvimentos ele chegou a ser o que é
atualmente. Disse o autor: “Não me deterei a buscar no sistema animal o que
pode ter sido no começo para se tornar afinal o que é. Não examinarei, como
pensa Aristóteles, se suas unhas alongadas não foram a princípio garras
recurvadas; se não era peludo como um urso; e se, ao andar sobre quatro patas,
seu olhar dirigido para a terra e limitado a um horizonte de alguns passos não
marcaria ao mesmo tempo o caráter e o limite de suas ideias”.
Na realidade, Rousseau optou por não recorrer aos
conhecimentos disponíveis já naquela época sobre as possíveis mudanças na
conformação física e na anatomia do homem, por se tratar de assunto sobre o
qual ele apenas poderia formular “conjecturas vagas e quase imaginárias”. Em
vez disso, preferiu supor o homem como ele é hoje: “andando com dois pés,
servindo-se de suas mãos como fazemos com as nossas, dirigindo o olhar para
toda a natureza e medindo com os olhos a vasta extensão do céu”. Vale lembrar
que Rousseau não conheceu a teoria da evolução, de Darwin, que somente surgiria
no século XIX. ROUSSEAU, Jean-Jacques. Discurso
sobre a origem da desigualdade entre os homens. Disponível em:
<http://gallica.bnf.fr/ark:/12148/bpt6k6240585m>. Acesso em: 30 set.
2013. Tradução Célia Gambini.
Destaca-se nesse texto as duas espécies de
desigualdade definidas por Rousseau e suas considerações quanto aos
procedimentos metodológicos que ele adotou. No primeiro caso, Rousseau distinguiu
desigualdade natural de desigualdade convencional, esclarecendo que é desta
última que irá tratar na obra em questão. No segundo, explicou que utilizará
raciocínios hipotéticos e condicionais e que, por isso, suas conclusões não
podem ser tomadas como verdades históricas. Acreditamos que essa informação é
importante para que os leitores evitem justamente tomá-las como tais e também
para que entrem em contato com esse tipo de raciocínio (hipotético e
condicional) empregado pelo autor.
Ainda sobre as considerações metodológicas
do autor, ele opta por deixar de lado tanto as explicações religiosas para a
desigualdade, preferindo buscar compreender seu objeto de estudo apenas à luz
da razão (e neste ponto ele parece estar em perfeita sintonia com o movimento
Iluminista), quanto os conhecimentos já disponíveis em sua época sobre as
mudanças na conformação física e anatômica do ser humano. Não está preocupado,
portanto, em descrever a evolução biológica do homem, mas em compreender os
traços característicos de sua natureza e os caminhos pelos quais passou do
estado de natureza ao estado social, culminando com a instituição da
desigualdade.
O homem no estado de natureza
Segundo Rousseau
(Discurso sobre a origem da desigualdade entre os homens), antes de existir no
estado social, isto é, de viver em sociedade, o homem existia no estado de
natureza. Do ponto de vista físico, esse homem primitivo, embora fosse
menos forte e ágil em certos aspectos do que muitos animais, no conjunto levava
vantagem sobre todos eles; “[...] A terra, abandonada à sua fertilidade
natural e coberta de florestas imensas que o machado jamais mutilou, lhe
permitia satisfazer todas as suas necessidades naturais (alimentação,
reprodução, abrigo etc.) sem grandes dificuldades; acostumado desde a infância
às intempéries da natureza, à intensidade das estações, à fadiga, a
defender, de mãos vazias e nu a si mesmo e à sua prole, de animais ferozes ou
deles escapar correndo, valendo-se para isso apenas de seu próprio
corpo, mostrava-se fisicamente robusto e ágil, muito mais do que
qualquer homem poderia ser nos tempos atuais; graças à sua robustez,
praticamente não conhecia doenças, exceto os ferimentos naturalmente
decorrentes da velhice; visto que a conservação de sua vida era
praticamente sua única preocupação, era natural que os sentidos mais
desenvolvidos fossem aqueles mais diretamente voltados para esse
objetivo (subjugar a presa ou escapar de tornar-se uma), como a vista, a
audição e o olfato, ao passo que o tato e o paladar podiam permanecer rudes. Em
suma, a exemplo do que ocorre com os animais que, uma vez domesticados,
perdem força, vigor e coragem, também o homem, no estado de natureza, é
muito melhor fisicamente do que no estado social.
Do ponto de vista moral, ao contrário dos animais que se
limitam a seguir as regras prescritas pela natureza, o homem se constitui como
agente livre podendo escolher ou rejeitar essas regras. Assim, enquanto “uma
pomba morreria de fome perto de uma bacia cheia das melhores carnes e um gato
sobre pilhas de frutas ou de grãos, conquanto ambos pudessem muito bem
nutrir-se com os alimentos que desdenham se tivessem a ideia de prová-los”, o
homem, dotado de vontade, é capaz não apenas de diversificar seus alimentos,
como também de continuar a comer quando sua necessidade natural já foi
satisfeita, ainda que isso lhe cause prejuízo à saúde.
É justamente essa sua condição de agente livre, e a
consciência que possui dessa liberdade, uma das diferenças entre o homem e os
animais, segundo Rousseau. “A natureza comanda todo animal, e o bicho obedece.
O homem experimenta a mesma impressão, mas se reconhece livre para aquiescer ou
resistir; e é sobretudo na consciência dessa liberdade que se mostra a
espiritualidade de sua alma.”
Outra característica distintiva do ser humano é a sua
perfectibilidade, isto é, sua “faculdade de aperfeiçoar-se” Ao contrário do
animal que “é, ao cabo de alguns meses, o que será por toda a vida, e sua
espécie, ao cabo de mil anos, o que era no primeiro ano desses mil anos”, o
homem pode, com o auxílio das circunstâncias, desenvolver suas potencialidades,
as quais se encontram tanto no indivíduo quanto na espécie. Infelizmente, diz
Rousseau, justamente “essa faculdade distintiva, e quase ilimitada, é a fonte
de todas as infelicidades do homem; [...] é ela que o tira, por força do tempo,
dessa condição originária em que ele passaria dias tranquilos e inocentes”.
Quanto aos valores morais, Rousseau considera que, no estado
de natureza, os homens não eram nem bons, nem maus, nem possuíam vícios ou
virtudes, uma vez que não havia entre eles nenhum tipo de relação moral ou de
deveres recíprocos. Na realidade, a única virtude natural que possuíam era a
piedade, entendida como uma “repugnância inata ao ver sofrer seu semelhante”. Decorre
daí a ideia do bom selvagem, frequentemente associada à teoria de Rousseau.
Dessa virtude natural é que resultam as virtudes sociais como a generosidade, a
clemência, a humanidade, a benquerença e a comiseração.
Essa piedade natural do homem opõe-se ao seu amor-próprio nele
gerado pela razão e pela reflexão, típicas do estado de sociedade. É por causa
da reflexão que o homem é capaz de pensar primeiro em si e, vendo sofrer seu
semelhante, dizer: “Morre, se queres; estou em segurança”. E complementa Rousseau:
“Pode-se impunemente degolar seu semelhante debaixo de sua janela; é só tapar
os ouvidos e argumentar um pouco, para impedir que a natureza, revoltando-se
nele, o identifique com aquele que assassinam. O homem selvagem não tem esse
admirável talento e, por falta de sabedoria e de razão, vemo-lo sempre
entregar-se, perturbado, ao primeiro sentimento de humanidade.”
A piedade é, pois, para Rousseau, um sentimento natural
presente em todos os homens. Daí sua posição, de que o homem nasce bom e a
sociedade o corrompe, ser contrária à de outros pensadores, como Hobbes, por
exemplo. “É ela que nos leva, sem reflexão, a socorrer aqueles que vemos
sofrer; é ela que, no estado de natureza, toma o papel da lei, do costume e da
virtude, com a vantagem de que ninguém é tentado a desobedecer-lhe sua doce
voz; é ela que impede qualquer selvagem robusto de arrebatar de uma criança
fraca, ou um velho enfermo, sua subsistência adquirida com sacrifício, se ele
mesmo espera poder encontrar a sua em outro lugar; é ela que, em vez desta
máxima sublime de justiça raciocinada: Faze ao próximo o que queres que te
façam, inspira a todos os homens esta outra máxima de bondade natural, bem
menos perfeita, entretanto mais útil, talvez, do que a precedente: Faze o teu
bem com o menor mal possível ao próximo. ”Esta era, em linhas gerais, segundo
Rousseau, a situação em que vivia o homem no estado de natureza, no qual a
desigualdade praticamente não existia.
A propriedade privada como origem da desigualdade social
Após
ter demonstrado a quase inexistência da desigualdade no estado de natureza,
Rousseau, ainda raciocinando hipoteticamente, passa a descrever como ela surge
e se desenvolve ao longo da história, procurando demonstrar que o momento
determinante para esse surgimento foi o da invenção da propriedade privada.
“O primeiro que, tendo cercado um terreno, lembrou-se de
dizer: Isto é meu, e encontrou pessoas bastante estúpidas para o acreditar, foi
o verdadeiro fundador da sociedade civil. Quantos crimes, guerras,
assassinatos, misérias e horrores teria poupado ao gênero humano aquele que,
arrancando as estacas ou tapando os buracos, tivesse gritado aos seus
semelhantes: Livrai-vos de escutar esse impostor; estareis perdidos se
esquecerdes que os frutos são de todos e a terra, de ninguém!”
Mas como a humanidade chegou a esse ponto? Segundo Rousseau,
isso ocorreu graças a uma série de acasos que levaram a sucessivos progressos,
ao aperfeiçoamento da razão humana e à deterioração da espécie, tornando mau um
ser que era naturalmente bom ao transformá-lo em ser social. Dentre os
progressos obtidos, destacam-se: o aprimoramento das habilidades físicas,
proporcionado pela necessidade de sobrevivência; a descoberta das armas
naturais (galhos e pedras) e a criação de outras (arco e flecha, lanças etc.);
a invenção da pesca; a percepção de certas relações (grande, pequeno, forte,
rápido, lento, medroso, corajoso etc.), levando a certo nível de reflexão; a
consciência da superioridade em relação aos animais, gerando o sentimento de
orgulho; as primeiras associações com seus semelhantes para fins de defesa
mútua; o desenvolvimento dos instrumentos de produção mais eficientes (machados
de pedras cortantes); o surgimento das famílias e de uma espécie de propriedade
das habitações; o surgimento do amor conjugal e do amor paternal, fruto do
hábito de viver junto; o estabelecimento da primeira diferença no modo de viver
de cada sexo, até então inexistente: as mulheres tomando conta da cabana e os
homens provendo a subsistência; o aprimoramento da linguagem; a formação das
ideias de mérito e beleza, produzindo sentimentos de preferência; o surgimento
do amor e do ciúme; o aparecimento do canto e da dança como formas de
distração; o nascimento de sentimentos como a vaidade, a inveja, a vergonha e a
vingança; a invenção da metalurgia e da agricultura.
Aos poucos, os mais fortes e habilidosos começaram a se
destacar, aprofundando a desigualdade. Assim, o homem, que antes era livre,
passou a ser escravo de seus semelhantes e a ambição devoradora que se apossou
dos homens passou a inspirar em todos eles uma tendência a “se prejudicarem
mutuamente, uma inveja secreta tão mais perigosa que, para dar seu golpe com
mais segurança, toma muitas vezes a máscara da benevolência”. Desse modo,
conclui Rousseau, rompeu-se a igualdade do estado de natureza e instauraram-se
“as mais terríveis desordens”:
“[...] as usurpações dos ricos, os assaltos dos pobres, as
paixões desenfreadas de todos, sufocando a piedade natural e a voz ainda mais
fraca da justiça, tornaram os homens avarentos, ambiciosos e maus [...]. A
sociedade nascente foi palco do mais horrível estado de guerra: o gênero
humano, aviltado e desolado, não podendo mais voltar atrás, nem renunciar às
infelizes aquisições já feitas, e trabalhando apenas para a sua vergonha pelo
abuso das faculdades que o honram, se colocou ele mesmo na véspera de sua
ruína.” Esses são, pois, segundo Rousseau, os primeiros efeitos nocivos da
instituição da propriedade.
Instaurada a desigualdade e o “estado de guerra” entre os
homens, os ricos precisavam criar mecanismos para legitimar e perpetuar sua
condição. Sabiam muito bem, diz Rousseau, que suas usurpações apoiavam-se em um
“direito precário e abusivo” e que, tendo adquirido suas posses pelo uso da força,
não poderiam reclamar caso essas lhes fossem tomadas da mesma maneira. “Bem
podiam dizer: ‘Fui eu quem construiu este muro; ganhei este terreno com o meu
trabalho’. ‘E quem vos deu o acordo?’, poder-se-ia responder-lhe, ‘e em virtude
de que pretendeis ser pagos à nossa custa por um trabalho que não vos
impusemos? Ignorais que uma multidão de vossos irmãos perece ou sofre da
necessidade daquilo que possuis demais, e que vos seria necessário um
consentimento expresso e unânime do gênero humano para vos apropriardes de tudo
que da subsistência comum vai além da vossa?’”
Assim, munido pela
necessidade, o rico concebeu uma forma de transformar em aliados seus adversários,
inspirando-lhes máximas e criando instituições que servissem a seus propósitos.
“‘Unamo-nos’, lhes disse, ‘para libertar os fracos da opressão, deter os
ambiciosos e garantir a cada um a posse do que lhe pertence: instituamos
regulamentos de justiça e de paz, aos quais todos sejam obrigados a se
conformar, que não deem preferência a ninguém e que de certo modo reparem os
caprichos da fortuna, submetendo igualmente o poderoso e o fraco a deveres
mútuos. Em poucas palavras, em vez de voltarmos nossas forças contra nós
mesmos, reunamo-las em um poder supremo que nos governe segundo leis sábias,
que proteja e defenda todos os membros da associação, expulse os inimigos
comuns e nos mantenha em uma eterna concórdia.’”
Desse modo, “todos
correram para as suas correntes de ferro, acreditando assegurar a própria
liberdade”. E complementa Rousseau: “Tal foi ou deve ter sido a origem da sociedade
e das leis, que deram novos entraves ao fraco e novas forças ao rico,
destruíram irremediavelmente a liberdade natural, fixaram para sempre a lei da propriedade
e da desigualdade e de uma ardilosa usurpação fizeram um direito irrevogável e,
para proveito de alguns ambiciosos, sujeitaram para o futuro todo o gênero
humano ao trabalho, à servidão e à miséria.” Em suma, pode-se concluir que,
para Rousseau, a desigualdade, insignificante no estado de natureza,
institui-se por obra do próprio homem, pelo desenvolvimento de nossas
faculdades e pelo progresso de nosso espírito, consolidando-se finalmente pelo
estabelecimento da propriedade e das leis.
O contrato social e a igualdade formal
Apesar de sua
crítica mordaz aos rumos tomados pela civilização, Rousseau não propõe o
retorno da humanidade ao estado de natureza, o que, de resto, seria impossível.
Uma vez instituída a sociedade civil, não há mais caminho de volta. Trata-se,
agora, de encontrar uma forma de assegurar que a vida em sociedade esteja em
conformidade com a justiça e a liberdade. Cabe, segundo o autor, na obra Do
contrato social: “Encontrar uma forma de associação que defenda e proteja de
toda a força comum a pessoa e os bens de cada associado, e pela qual cada um,
unindo-se a todos, obedeça apenas a si mesmo e permaneça tão livre quanto
antes.”
Como isso seria possível? Como conciliar obediência e
liberdade? A resposta estaria no contrato social, isto é, na livre associação
dos indivíduos que deliberadamente decidem constituir certo tipo de sociedade e
a ela obedecer. As cláusulas desse contrato se reduziriam a uma só: “a
alienação total de cada associado, com todos os seus direitos, em favor de toda
a comunidade; porque, primeiramente, cada qual se entregando por completo, a
condição é igual para todos, e, a condição sendo igual para todos, não
interessa a ninguém torná-la onerosa aos outros”. Alienar significa transferir
para outrem o domínio ou a propriedade de alguma coisa, renunciar. No caso em
questão, trata-se de renunciar parcialmente a si mesmo (parte de seu poder, de
sua vontade, de sua liberdade) em benefício da coletividade. Como, porém, essa
alienação é total, isto é, praticada por todos, cada cidadão não obedecerá a
interesses particulares de determinado grupo, mas à vontade geral, que é sempre
dirigida para o bem comum. Assim, a ameaça da opressão, da injustiça e da
desigualdade fica afastada.
“Enfim, cada um, dando-se a todos, não se dá a ninguém, e,
como não existe um associado sobre quem não se adquira o mesmo direito que lhe
foi cedido, ganha-se o equivalente de tudo o que se perde e mais força para
conservar o que se tem.” Como a vontade individual de cada cidadão participa da
vontade geral, visto que a alienação foi aceita por todos com liberdade, a
submissão à vontade geral conduz à liberdade: cada cidadão obedece às leis que
prescreveu para si mesmo.
Na realidade, Rousseau distingue “liberdade natural, que tem
por limites apenas as forças do indivíduo, da liberdade civil, que é limitada
pela vontade geral”. Com o contrato, o homem perde a primeira, mas ganha a
segunda. E para Rousseau, essa liberdade moral adquirida com o estado civil é
“a única que torna o homem verdadeiramente senhor de si, pois o impulso apenas
do apetite é escravidão, e a obediência à lei a que se está prescrito é
liberdade”. Nesse contexto, as leis ganham novo significado: sendo resultado da
vontade geral, a obediência a elas deixa de ser um mecanismo de submissão aos
ricos para se tornar expressão da liberdade e da soberania do povo.
Assim, de algum modo, o contrato social compensa, com
vantagem, a perda da igualdade que reinava no estado de natureza. Ele
“substitui por uma igualdade moral e legítima o que a natureza pode ter criado
de desigualdade física entre os homens; podendo ser desiguais em força ou em
gênio, eles se tornam todos iguais por convenção e direito”. Trata-se, porém,
como o próprio Rousseau reconhece, de uma igualdade formal, de direito, capaz
de conviver perfeitamente com a desigualdade material, de fato.
O texto intitulado A propriedade privada
como origem da desigualdade social, visa a esclarecer a perspectiva de Rousseau
acerca da origem da desigualdade, que ele localizou no surgimento da
propriedade privada. Rompida a igualdade original, seria instaurada a desordem
e o estado de guerra, o qual se tornaria muito mais oneroso para os ricos que
têm muito mais a perder que os pobres. Daí a instituição do Estado e das leis
que, sobretudo durante o Antigo Regime, cumpriam a função de proteger os
interesses dos ricos e impor entraves aos pobres.
No texto “O contrato social e a igualdade
formal”, Rousseau colocou-se um problema: Como conciliar a obediência a uma
associação, a um contrato, às leis, com a liberdade dos indivíduos? A resposta,
para ele, está na alienação total e na submissão de todos à vontade geral. Como
todos participam dessa vontade geral, a obediência a ela significa, em última
instância, obediência a si mesmo, de modo que a liberdade ficaria preservada. Parece-nos
particularmente interessante explorar os conceitos de liberdade natural (fazer
tudo o que se quer) e liberdade civil ou moral, limitada pela vontade geral.
Isso porque, para Rousseau, ao contrário do que muitos pensam, principalmente,
talvez, os adolescentes, essa liberdade moral é, no estado atual da humanidade,
a única capaz de tornar o homem verdadeiramente senhor de si mesmo. Afinal,
quem busca fazer tudo o que deseja torna-se escravo dos próprios apetites, ao
passo que aquele que se submete à lei que ele também ajudou a instituir exerce
a liberdade. Desse modo, por meio das leis entendidas como fruto da vontade
geral, Rousseau soluciona o problema da desigualdade, instituindo uma igualdade
formal, jurídica (perante a lei), em substituição à desigualdade perdida do
estado de natureza.
1.
Qual o objetivo do tema?
2.
Com base na distinção feita por
Rousseau entre desigualdade natural e desigualdade por convenção, como você
classifica a desigualdade social no Brasil? Justifique.
3.
Por que existem pobres e ricos?
4.
Assistir ao vídeo domingo
espetacular - crianças criadas por animais 1/2.
https://www.youtube.com/watch?v=YfmnXFnqAGo.
Como seria a vida de uma pessoa que não tivesse contato com a civilização?
5.
Como Rousseau explicou o surgimento
da desigualdade social.
6.
Segundo Rousseau (Discurso sobre a
origem da desigualdade entre os homens), antes de existir no estado social,
isto é, de viver em sociedade, o homem existia no estado de natureza. Explique
como vivia esse homem do ponto de vista físico e moral.
7.
Segundo Rousseau, quais as
características que diferencia o homem dos outros animais?
8.
De onde decorre a ideia do bom
selvagem, frequentemente associada à teoria de Rousseau?
9.
Por que, segundo Rousseau, o homem
nasce bom, mas a sociedade o corrompe?
10.
Qual a origem da desigualdade
social? Descreva como ela surge e se desenvolve ao longo da história?
11.
Segundo Rousseau, o homem nasce
bom, mas a sociedade o corrompe. Como a humanidade chegou a esse ponto?
12.
Segundo Rousseau, quais foram os
primeiros efeitos nocivos da instituição da propriedade.
13.
“Encontrar uma forma de associação
que defenda e proteja de toda a força comum a pessoa e os bens de cada
associado, e pela qual cada um, unindo-se a todos, obedeça apenas a si mesmo e
permaneça tão livre quanto antes. ” Como isso seria possível? Como conciliar
obediência e liberdade?
14.
Segundo Rousseau, o que significa
alienar?
15.
Explique, segundo Rousseau,
“liberdade natural e liberdade civil.
16.
Explique por que o contrato social
compensa, com vantagem, a perda da igualdade que reinava no estado de natureza.
17.
Assistir ao vídeo: Sócrates,
Platão, Aristóteles, Descartes e Rousseau e fazer o resumo. https://www.youtube.com/watch?v=b6dCnMwmB0A
Prof.
Manoelito
Boa
Sorte!!!!!!!