terça-feira, 31 de maio de 2016

A DESIGUALDADE SEGUNDO ROUSSEAU


C-H - Ler, compreender, analisar e interpretar textos dissertativos-argumentativos, inferindo seus traços característicos, bem como suas finalidades e usos sociais.  

Rousseau assumiu uma posição peculiar em relação ao movimento Iluminista, na medida em que, em relação a esse movimento, embora não desprezasse a racionalidade, concedia valor primordial aos sentimentos. Cabe lembrar, também, que se trata de um período de transição, às vésperas da Revolução Francesa, evento que marca o triunfo da burguesia e da passagem do Antigo Regime para o capitalismo. Nesse sentido, Rousseau, apesar de sua perspectiva crítica com relação a certos valores acalentados pela burguesia (como o luxo e a ostentação, por exemplo), e mesmo com relação à propriedade privada, ainda se constituiu como ideólogo da burguesia e um dos precursores do liberalismo político. Em que consiste a desigualdade estabelecida por convenção e a desigualdade por natureza?

Desigualdade natural e desigualdade social 

Em 1753, a Academia de Dijon, na França, lançou um concurso no qual os interessados deveriam discorrer sobre as seguintes questões: Qual é a origem da desigualdade entre os homens? É autorizada pela lei natural? Jean-Jacques Rousseau já havia vencido anteriormente um concurso semelhante, proposto pela mesma academia, sobre o tema “Se o progresso das ciências e das artes contribuiu para corromper ou apurar os costumes”. Ele resolveu, então, participar de novo, escrevendo seu Discurso sobre a origem da desigualdade entre os homens. Vejamos como, nesse texto, o autor explicou o surgimento da desigualdade social.

Rousseau iniciou distinguindo dois tipos de desigualdade: uma instituída pela natureza e outra produzida pelos homens. Deixemos, porém, que o próprio autor, em sua obra, explique mais claramente a diferença entre elas: “Concebo na espécie humana duas espécies de desigualdade; uma, que chamo de natural ou física, porque é estabelecida pela natureza, e que consiste na diferença das idades, da saúde, das forças do corpo e das qualidades do espírito, ou da alma; a outra, que se pode chamar de desigualdade moral ou política, porque depende de uma espécie de convenção, e que é estabelecida ou, pelo menos, autorizada pelo consentimento dos homens. Esta consiste nos diferentes privilégios de que gozam alguns com prejuízo dos outros, como ser mais ricos, mais honrados, mais poderosos do que os outros, ou mesmo fazerem-se obedecer por eles.”

Diz Rousseau: “Não se pode perguntar qual é a fonte da desigualdade natural, porque a resposta se encontraria enunciada na simples definição da palavra”: ela decorre da natureza. Por isso, o autor dedicou-se a investigar as origens da desigualdade que ele chamou de “moral ou política”, isto é, da desigualdade social, procurando compreender o processo pelo qual ela foi gradualmente instituída pelos homens, desde os tempos mais remotos, até chegar ao estado em que se encontrava à época em que ele vivia (Europa do século XVIII).

Quanto ao método adotado para empreender tal investigação, Rousseau esclareceu que “Não se deve tomar as pesquisas que podemos realizar sobre este tema por verdades históricas, mas somente por raciocínios hipotéticos e condicionais” Ele também não levou em consideração as explicações das pela religião, segundo as quais a desigualdade resultaria da vontade de Deus, preferindo deixar de lado os dogmas da fé e, fazendo uso apenas da razão, “formar conjecturas, tiradas somente da natureza do homem e dos seres que o rodeiam”. Esclarece, ainda, que não se preocuparia em “considerá-lo [o homem] desde a sua origem e examiná-lo [...] no primeiro embrião da espécie” para entender como por meio de sucessivos desenvolvimentos ele chegou a ser o que é atualmente. Disse o autor: “Não me deterei a buscar no sistema animal o que pode ter sido no começo para se tornar afinal o que é. Não examinarei, como pensa Aristóteles, se suas unhas alongadas não foram a princípio garras recurvadas; se não era peludo como um urso; e se, ao andar sobre quatro patas, seu olhar dirigido para a terra e limitado a um horizonte de alguns passos não marcaria ao mesmo tempo o caráter e o limite de suas ideias”.

Na realidade, Rousseau optou por não recorrer aos conhecimentos disponíveis já naquela época sobre as possíveis mudanças na conformação física e na anatomia do homem, por se tratar de assunto sobre o qual ele apenas poderia formular “conjecturas vagas e quase imaginárias”. Em vez disso, preferiu supor o homem como ele é hoje: “andando com dois pés, servindo-se de suas mãos como fazemos com as nossas, dirigindo o olhar para toda a natureza e medindo com os olhos a vasta extensão do céu”. Vale lembrar que Rousseau não conheceu a teoria da evolução, de Darwin, que somente surgiria no século XIX. ROUSSEAU, Jean-Jacques. Discurso sobre a origem da desigualdade entre os homens. Disponível em: <http://gallica.bnf.fr/ark:/12148/bpt6k6240585m>. Acesso em: 30 set. 2013. Tradução Célia Gambini.

Destaca-se nesse texto as duas espécies de desigualdade definidas por Rousseau e suas considerações quanto aos procedimentos metodológicos que ele adotou. No primeiro caso, Rousseau distinguiu desigualdade natural de desigualdade convencional, esclarecendo que é desta última que irá tratar na obra em questão. No segundo, explicou que utilizará raciocínios hipotéticos e condicionais e que, por isso, suas conclusões não podem ser tomadas como verdades históricas. Acreditamos que essa informação é importante para que os leitores evitem justamente tomá-las como tais e também para que entrem em contato com esse tipo de raciocínio (hipotético e condicional) empregado pelo autor.

Ainda sobre as considerações metodológicas do autor, ele opta por deixar de lado tanto as explicações religiosas para a desigualdade, preferindo buscar compreender seu objeto de estudo apenas à luz da razão (e neste ponto ele parece estar em perfeita sintonia com o movimento Iluminista), quanto os conhecimentos já disponíveis em sua época sobre as mudanças na conformação física e anatômica do ser humano. Não está preocupado, portanto, em descrever a evolução biológica do homem, mas em compreender os traços característicos de sua natureza e os caminhos pelos quais passou do estado de natureza ao estado social, culminando com a instituição da desigualdade.

O homem no estado de natureza 

Segundo Rousseau (Discurso sobre a origem da desigualdade entre os homens), antes de existir no estado social, isto é, de viver em sociedade, o homem existia no estado de natureza. Do ponto de vista físico, esse homem primitivo, embora fosse menos forte e ágil em certos aspectos do que muitos animais, no conjunto levava vantagem sobre todos eles; “[...] A terra, abandonada à sua fertilidade natural e coberta de florestas imensas que o machado jamais mutilou, lhe permitia satisfazer todas as suas necessidades naturais (alimentação, reprodução, abrigo etc.) sem grandes dificuldades; acostumado desde a infância às intempéries da natureza, à intensidade das estações, à fadiga, a defender, de mãos vazias e nu a si mesmo e à sua prole, de animais ferozes ou deles escapar correndo, valendo-se para isso apenas de seu próprio corpo, mostrava-se fisicamente robusto e ágil, muito mais do que qualquer homem poderia ser nos tempos atuais; graças à sua robustez, praticamente não conhecia doenças, exceto os ferimentos naturalmente decorrentes da velhice; visto que a conservação de sua vida era praticamente sua única preocupação, era natural que os sentidos mais desenvolvidos fossem aqueles mais diretamente voltados para esse objetivo (subjugar a presa ou escapar de tornar-se uma), como a vista, a audição e o olfato, ao passo que o tato e o paladar podiam permanecer rudes. Em suma, a exemplo do que ocorre com os animais que, uma vez domesticados, perdem força, vigor e coragem, também o homem, no estado de natureza, é muito melhor fisicamente do que no estado social.

Do ponto de vista moral, ao contrário dos animais que se limitam a seguir as regras prescritas pela natureza, o homem se constitui como agente livre podendo escolher ou rejeitar essas regras. Assim, enquanto “uma pomba morreria de fome perto de uma bacia cheia das melhores carnes e um gato sobre pilhas de frutas ou de grãos, conquanto ambos pudessem muito bem nutrir-se com os alimentos que desdenham se tivessem a ideia de prová-los”, o homem, dotado de vontade, é capaz não apenas de diversificar seus alimentos, como também de continuar a comer quando sua necessidade natural já foi satisfeita, ainda que isso lhe cause prejuízo à saúde.

É justamente essa sua condição de agente livre, e a consciência que possui dessa liberdade, uma das diferenças entre o homem e os animais, segundo Rousseau. “A natureza comanda todo animal, e o bicho obedece. O homem experimenta a mesma impressão, mas se reconhece livre para aquiescer ou resistir; e é sobretudo na consciência dessa liberdade que se mostra a espiritualidade de sua alma.”

Outra característica distintiva do ser humano é a sua perfectibilidade, isto é, sua “faculdade de aperfeiçoar-se” Ao contrário do animal que “é, ao cabo de alguns meses, o que será por toda a vida, e sua espécie, ao cabo de mil anos, o que era no primeiro ano desses mil anos”, o homem pode, com o auxílio das circunstâncias, desenvolver suas potencialidades, as quais se encontram tanto no indivíduo quanto na espécie. Infelizmente, diz Rousseau, justamente “essa faculdade distintiva, e quase ilimitada, é a fonte de todas as infelicidades do homem; [...] é ela que o tira, por força do tempo, dessa condição originária em que ele passaria dias tranquilos e inocentes”.

Quanto aos valores morais, Rousseau considera que, no estado de natureza, os homens não eram nem bons, nem maus, nem possuíam vícios ou virtudes, uma vez que não havia entre eles nenhum tipo de relação moral ou de deveres recíprocos. Na realidade, a única virtude natural que possuíam era a piedade, entendida como uma “repugnância inata ao ver sofrer seu semelhante”. Decorre daí a ideia do bom selvagem, frequentemente associada à teoria de Rousseau. Dessa virtude natural é que resultam as virtudes sociais como a generosidade, a clemência, a humanidade, a benquerença e a comiseração.

Essa piedade natural do homem opõe-se ao seu amor-próprio nele gerado pela razão e pela reflexão, típicas do estado de sociedade. É por causa da reflexão que o homem é capaz de pensar primeiro em si e, vendo sofrer seu semelhante, dizer: “Morre, se queres; estou em segurança”. E complementa Rousseau: “Pode-se impunemente degolar seu semelhante debaixo de sua janela; é só tapar os ouvidos e argumentar um pouco, para impedir que a natureza, revoltando-se nele, o identifique com aquele que assassinam. O homem selvagem não tem esse admirável talento e, por falta de sabedoria e de razão, vemo-lo sempre entregar-se, perturbado, ao primeiro sentimento de humanidade.”

A piedade é, pois, para Rousseau, um sentimento natural presente em todos os homens. Daí sua posição, de que o homem nasce bom e a sociedade o corrompe, ser contrária à de outros pensadores, como Hobbes, por exemplo. “É ela que nos leva, sem reflexão, a socorrer aqueles que vemos sofrer; é ela que, no estado de natureza, toma o papel da lei, do costume e da virtude, com a vantagem de que ninguém é tentado a desobedecer-lhe sua doce voz; é ela que impede qualquer selvagem robusto de arrebatar de uma criança fraca, ou um velho enfermo, sua subsistência adquirida com sacrifício, se ele mesmo espera poder encontrar a sua em outro lugar; é ela que, em vez desta máxima sublime de justiça raciocinada: Faze ao próximo o que queres que te façam, inspira a todos os homens esta outra máxima de bondade natural, bem menos perfeita, entretanto mais útil, talvez, do que a precedente: Faze o teu bem com o menor mal possível ao próximo. ”Esta era, em linhas gerais, segundo Rousseau, a situação em que vivia o homem no estado de natureza, no qual a desigualdade praticamente não existia.

A propriedade privada como origem da desigualdade social 

Após ter demonstrado a quase inexistência da desigualdade no estado de natureza, Rousseau, ainda raciocinando hipoteticamente, passa a descrever como ela surge e se desenvolve ao longo da história, procurando demonstrar que o momento determinante para esse surgimento foi o da invenção da propriedade privada.

“O primeiro que, tendo cercado um terreno, lembrou-se de dizer: Isto é meu, e encontrou pessoas bastante estúpidas para o acreditar, foi o verdadeiro fundador da sociedade civil. Quantos crimes, guerras, assassinatos, misérias e horrores teria poupado ao gênero humano aquele que, arrancando as estacas ou tapando os buracos, tivesse gritado aos seus semelhantes: Livrai-vos de escutar esse impostor; estareis perdidos se esquecerdes que os frutos são de todos e a terra, de ninguém!”

Mas como a humanidade chegou a esse ponto? Segundo Rousseau, isso ocorreu graças a uma série de acasos que levaram a sucessivos progressos, ao aperfeiçoamento da razão humana e à deterioração da espécie, tornando mau um ser que era naturalmente bom ao transformá-lo em ser social. Dentre os progressos obtidos, destacam-se: o aprimoramento das habilidades físicas, proporcionado pela necessidade de sobrevivência; a descoberta das armas naturais (galhos e pedras) e a criação de outras (arco e flecha, lanças etc.); a invenção da pesca; a percepção de certas relações (grande, pequeno, forte, rápido, lento, medroso, corajoso etc.), levando a certo nível de reflexão; a consciência da superioridade em relação aos animais, gerando o sentimento de orgulho; as primeiras associações com seus semelhantes para fins de defesa mútua; o desenvolvimento dos instrumentos de produção mais eficientes (machados de pedras cortantes); o surgimento das famílias e de uma espécie de propriedade das habitações; o surgimento do amor conjugal e do amor paternal, fruto do hábito de viver junto; o estabelecimento da primeira diferença no modo de viver de cada sexo, até então inexistente: as mulheres tomando conta da cabana e os homens provendo a subsistência; o aprimoramento da linguagem; a formação das ideias de mérito e beleza, produzindo sentimentos de preferência; o surgimento do amor e do ciúme; o aparecimento do canto e da dança como formas de distração; o nascimento de sentimentos como a vaidade, a inveja, a vergonha e a vingança; a invenção da metalurgia e da agricultura.

Aos poucos, os mais fortes e habilidosos começaram a se destacar, aprofundando a desigualdade. Assim, o homem, que antes era livre, passou a ser escravo de seus semelhantes e a ambição devoradora que se apossou dos homens passou a inspirar em todos eles uma tendência a “se prejudicarem mutuamente, uma inveja secreta tão mais perigosa que, para dar seu golpe com mais segurança, toma muitas vezes a máscara da benevolência”. Desse modo, conclui Rousseau, rompeu-se a igualdade do estado de natureza e instauraram-se “as mais terríveis desordens”:

“[...] as usurpações dos ricos, os assaltos dos pobres, as paixões desenfreadas de todos, sufocando a piedade natural e a voz ainda mais fraca da justiça, tornaram os homens avarentos, ambiciosos e maus [...]. A sociedade nascente foi palco do mais horrível estado de guerra: o gênero humano, aviltado e desolado, não podendo mais voltar atrás, nem renunciar às infelizes aquisições já feitas, e trabalhando apenas para a sua vergonha pelo abuso das faculdades que o honram, se colocou ele mesmo na véspera de sua ruína.” Esses são, pois, segundo Rousseau, os primeiros efeitos nocivos da instituição da propriedade.

Instaurada a desigualdade e o “estado de guerra” entre os homens, os ricos precisavam criar mecanismos para legitimar e perpetuar sua condição. Sabiam muito bem, diz Rousseau, que suas usurpações apoiavam-se em um “direito precário e abusivo” e que, tendo adquirido suas posses pelo uso da força, não poderiam reclamar caso essas lhes fossem tomadas da mesma maneira. “Bem podiam dizer: ‘Fui eu quem construiu este muro; ganhei este terreno com o meu trabalho’. ‘E quem vos deu o acordo?’, poder-se-ia responder-lhe, ‘e em virtude de que pretendeis ser pagos à nossa custa por um trabalho que não vos impusemos? Ignorais que uma multidão de vossos irmãos perece ou sofre da necessidade daquilo que possuis demais, e que vos seria necessário um consentimento expresso e unânime do gênero humano para vos apropriardes de tudo que da subsistência comum vai além da vossa?’”

 Assim, munido pela necessidade, o rico concebeu uma forma de transformar em aliados seus adversários, inspirando-lhes máximas e criando instituições que servissem a seus propósitos. “‘Unamo-nos’, lhes disse, ‘para libertar os fracos da opressão, deter os ambiciosos e garantir a cada um a posse do que lhe pertence: instituamos regulamentos de justiça e de paz, aos quais todos sejam obrigados a se conformar, que não deem preferência a ninguém e que de certo modo reparem os caprichos da fortuna, submetendo igualmente o poderoso e o fraco a deveres mútuos. Em poucas palavras, em vez de voltarmos nossas forças contra nós mesmos, reunamo-las em um poder supremo que nos governe segundo leis sábias, que proteja e defenda todos os membros da associação, expulse os inimigos comuns e nos mantenha em uma eterna concórdia.’”

 Desse modo, “todos correram para as suas correntes de ferro, acreditando assegurar a própria liberdade”. E complementa Rousseau: “Tal foi ou deve ter sido a origem da sociedade e das leis, que deram novos entraves ao fraco e novas forças ao rico, destruíram irremediavelmente a liberdade natural, fixaram para sempre a lei da propriedade e da desigualdade e de uma ardilosa usurpação fizeram um direito irrevogável e, para proveito de alguns ambiciosos, sujeitaram para o futuro todo o gênero humano ao trabalho, à servidão e à miséria.” Em suma, pode-se concluir que, para Rousseau, a desigualdade, insignificante no estado de natureza, institui-se por obra do próprio homem, pelo desenvolvimento de nossas faculdades e pelo progresso de nosso espírito, consolidando-se finalmente pelo estabelecimento da propriedade e das leis.

O contrato social e a igualdade formal 

Apesar de sua crítica mordaz aos rumos tomados pela civilização, Rousseau não propõe o retorno da humanidade ao estado de natureza, o que, de resto, seria impossível. Uma vez instituída a sociedade civil, não há mais caminho de volta. Trata-se, agora, de encontrar uma forma de assegurar que a vida em sociedade esteja em conformidade com a justiça e a liberdade. Cabe, segundo o autor, na obra Do contrato social: “Encontrar uma forma de associação que defenda e proteja de toda a força comum a pessoa e os bens de cada associado, e pela qual cada um, unindo-se a todos, obedeça apenas a si mesmo e permaneça tão livre quanto antes.”

Como isso seria possível? Como conciliar obediência e liberdade? A resposta estaria no contrato social, isto é, na livre associação dos indivíduos que deliberadamente decidem constituir certo tipo de sociedade e a ela obedecer. As cláusulas desse contrato se reduziriam a uma só: “a alienação total de cada associado, com todos os seus direitos, em favor de toda a comunidade; porque, primeiramente, cada qual se entregando por completo, a condição é igual para todos, e, a condição sendo igual para todos, não interessa a ninguém torná-la onerosa aos outros”. Alienar significa transferir para outrem o domínio ou a propriedade de alguma coisa, renunciar. No caso em questão, trata-se de renunciar parcialmente a si mesmo (parte de seu poder, de sua vontade, de sua liberdade) em benefício da coletividade. Como, porém, essa alienação é total, isto é, praticada por todos, cada cidadão não obedecerá a interesses particulares de determinado grupo, mas à vontade geral, que é sempre dirigida para o bem comum. Assim, a ameaça da opressão, da injustiça e da desigualdade fica afastada.

“Enfim, cada um, dando-se a todos, não se dá a ninguém, e, como não existe um associado sobre quem não se adquira o mesmo direito que lhe foi cedido, ganha-se o equivalente de tudo o que se perde e mais força para conservar o que se tem.” Como a vontade individual de cada cidadão participa da vontade geral, visto que a alienação foi aceita por todos com liberdade, a submissão à vontade geral conduz à liberdade: cada cidadão obedece às leis que prescreveu para si mesmo.

Na realidade, Rousseau distingue “liberdade natural, que tem por limites apenas as forças do indivíduo, da liberdade civil, que é limitada pela vontade geral”. Com o contrato, o homem perde a primeira, mas ganha a segunda. E para Rousseau, essa liberdade moral adquirida com o estado civil é “a única que torna o homem verdadeiramente senhor de si, pois o impulso apenas do apetite é escravidão, e a obediência à lei a que se está prescrito é liberdade”. Nesse contexto, as leis ganham novo significado: sendo resultado da vontade geral, a obediência a elas deixa de ser um mecanismo de submissão aos ricos para se tornar expressão da liberdade e da soberania do povo.

Assim, de algum modo, o contrato social compensa, com vantagem, a perda da igualdade que reinava no estado de natureza. Ele “substitui por uma igualdade moral e legítima o que a natureza pode ter criado de desigualdade física entre os homens; podendo ser desiguais em força ou em gênio, eles se tornam todos iguais por convenção e direito”. Trata-se, porém, como o próprio Rousseau reconhece, de uma igualdade formal, de direito, capaz de conviver perfeitamente com a desigualdade material, de fato.

O texto intitulado A propriedade privada como origem da desigualdade social, visa a esclarecer a perspectiva de Rousseau acerca da origem da desigualdade, que ele localizou no surgimento da propriedade privada. Rompida a igualdade original, seria instaurada a desordem e o estado de guerra, o qual se tornaria muito mais oneroso para os ricos que têm muito mais a perder que os pobres. Daí a instituição do Estado e das leis que, sobretudo durante o Antigo Regime, cumpriam a função de proteger os interesses dos ricos e impor entraves aos pobres.

No texto “O contrato social e a igualdade formal”, Rousseau colocou-se um problema: Como conciliar a obediência a uma associação, a um contrato, às leis, com a liberdade dos indivíduos? A resposta, para ele, está na alienação total e na submissão de todos à vontade geral. Como todos participam dessa vontade geral, a obediência a ela significa, em última instância, obediência a si mesmo, de modo que a liberdade ficaria preservada. Parece-nos particularmente interessante explorar os conceitos de liberdade natural (fazer tudo o que se quer) e liberdade civil ou moral, limitada pela vontade geral. Isso porque, para Rousseau, ao contrário do que muitos pensam, principalmente, talvez, os adolescentes, essa liberdade moral é, no estado atual da humanidade, a única capaz de tornar o homem verdadeiramente senhor de si mesmo. Afinal, quem busca fazer tudo o que deseja torna-se escravo dos próprios apetites, ao passo que aquele que se submete à lei que ele também ajudou a instituir exerce a liberdade. Desse modo, por meio das leis entendidas como fruto da vontade geral, Rousseau soluciona o problema da desigualdade, instituindo uma igualdade formal, jurídica (perante a lei), em substituição à desigualdade perdida do estado de natureza.

1.      Qual o objetivo do tema?

2.      Com base na distinção feita por Rousseau entre desigualdade natural e desigualdade por convenção, como você classifica a desigualdade social no Brasil? Justifique.

3.      Por que existem pobres e ricos?

4.      Assistir ao vídeo domingo espetacular - crianças criadas por animais 1/2.

https://www.youtube.com/watch?v=YfmnXFnqAGo. Como seria a vida de uma pessoa que não tivesse contato com a civilização?

5.      Como Rousseau explicou o surgimento da desigualdade social.

6.      Segundo Rousseau (Discurso sobre a origem da desigualdade entre os homens), antes de existir no estado social, isto é, de viver em sociedade, o homem existia no estado de natureza. Explique como vivia esse homem do ponto de vista físico e moral.

7.      Segundo Rousseau, quais as características que diferencia o homem dos outros animais?

8.      De onde decorre a ideia do bom selvagem, frequentemente associada à teoria de Rousseau?

9.      Por que, segundo Rousseau, o homem nasce bom, mas a sociedade o corrompe?

10.  Qual a origem da desigualdade social? Descreva como ela surge e se desenvolve ao longo da história?

11.  Segundo Rousseau, o homem nasce bom, mas a sociedade o corrompe. Como a humanidade chegou a esse ponto?

12.  Segundo Rousseau, quais foram os primeiros efeitos nocivos da instituição da propriedade.

13.  “Encontrar uma forma de associação que defenda e proteja de toda a força comum a pessoa e os bens de cada associado, e pela qual cada um, unindo-se a todos, obedeça apenas a si mesmo e permaneça tão livre quanto antes. ” Como isso seria possível? Como conciliar obediência e liberdade?

14.  Segundo Rousseau, o que significa alienar?

15.  Explique, segundo Rousseau, “liberdade natural e liberdade civil.

16.  Explique por que o contrato social compensa, com vantagem, a perda da igualdade que reinava no estado de natureza.

17.  Assistir ao vídeo: Sócrates, Platão, Aristóteles, Descartes e Rousseau e fazer o resumo. https://www.youtube.com/watch?v=b6dCnMwmB0A


Prof. Manoelito

Boa Sorte!!!!!!!



segunda-feira, 30 de maio de 2016

ALIENAÇÃO M0RAL


C - H - Estabelecer relação entre a tese e o argumentos apresentados para defendê-la ou refutá-la. 


O objetivo do texto é dialogar a respeito da preocupação com as outras pessoas. Considerar o outro é necessário para a nossa constituição como indivíduos. Para tanto, procuraremos entender a construção da imagem do sujeito ético, contando com os aportes do pensamento de Emmanuel Lévinas e de Jean-Paul Sartre.
Viver para o outro - Em geral, quando nos vemos como indivíduos, temos uma certeza: somos nós e o mundo. O “eu” percebe o mundo e os entes do mundo como coisas. Dividimos o mundo em entes importantes para nós e entes que não nos são importantes; entes que amamos e entes que não amamos; entes que fazem parte da nossa vida e entes que ignoramos por completo. Dessa maneira, categorizamos o mundo e damos sentidos a tudo. Por exemplo, no livro A menina que roubava livros, de Markus Zusak (2006), a personagem principal guarda alguns livros, mesmo sem saber ler, pois eles significam a presença do irmão e da mãe, isto é, o sentido dos livros não foi atribuído pelo texto, mas pela analogia que a menina fez entre esses objetos e pessoas que amava.
A linguagem como acesso ao outro - A linguagem nos precede, nós recebemos o que somos não por nós mesmos, mas a partir do local onde fomos criados. Somos fruto do mundo que nos cerca. Somos parte dele, queiramos ou não, justamente porque até a maneira de vermos o mundo está constituída pelas formas de linguagem que aprendemos de outras pessoas, como os nossos pais e professores.
“O senhor escreve que a relação do mesmo e do outro, ou seja, por excelência, do eu e de outrem, é a linguagem. Deve a linguagem ser pensada unicamente como a comunicação de uma ideia ou de uma informação, e não também e, talvez, acima de tudo, como o fato de ela abordar outrem como outrem, isto é, já responder por ele? A primeira palavra não é bom-dia?! Simples como um bom-dia!... Bom dia como bênção e como minha disponibilidade para com o outro homem? Isto não quer dizer ainda: que belo dia. Isto exprime: eu te desejo paz, eu te desejo um bom dia, a expressão de quem se preocupa com o outro. Ela porta todo o resto da comunicação, ela carrega todo o discurso. [...]”
A troca de sentidos é o que nos faz humanos. Ao reconhecer que outras pessoas são capazes de dar sentido, elas deixam de ser apenas coisas e tornam-se o outro, parte do nosso “eu”, assim como nós nos tornamos parte deles. No entanto, o outro é para nós um profundo e infinito mistério, e cada pessoa do mundo pode nos levar a lugares jamais pensados.
“Pois é a ética antes de tudo? A palavra ética é grega. Eu penso muito mais, sobretudo agora, na santidade, na santidade do rosto de outrem ou na santidade de minha obrigação como tal. Tanto faz! Há uma santidade no rosto, mas sobretudo há santidade ou ética para consigo mesmo em um comportamento que aborda o rosto como rosto, em que a obrigação em relação a outrem se impõe antes de toda e qualquer obrigação: respeitar outrem é dar-se conta de outrem, é fazê-lo passar antes de si próprio. E a cortesia! Ah, mas é muito bom: o fazer passar antes de mim, esse pequeno impulso de cortesia é um acesso ao rosto também. Por que você deve passar antes de mim? É bem difícil porque você também abordou meu rosto. Mas a cortesia ou a ética consiste em não pensar nessa reciprocidade. ”
Por isso, é preciso viver para o outro, pois assim o desenvolvimento do nosso “eu” será cada vez maior. Viver para o outro é a melhor maneira de viver para si, pois os outros são a maior parte de nós mesmos. Os outros são as pessoas de quem gostamos ou de quem não gostamos. Estranhos ou conhecidos. Podemos compreender e sermos compreendidos por todos. Nossa atitude ética, então, é viver para o outro, e cada vez que nos aproximamos dos outros nós nos completamos, nos instituímos. Os outros nos dão mais expressividade, mais linguagem. Portanto, devemos viver por quem nos dá mais, que é a maneira de vivermos por nós mesmos, ou seja, viver para o outro.
Alienação moral e o ser-para-outros em Sartre - Muitas pessoas sonham ou têm pesadelos em que aparecem sem roupa na rua, na frente de estranhos. Ficam aflitas e envergonhadas e só sentem alívio ao despertar e perceber que tudo não passou de um sonho. Com base nisso, podemos pensar, filosoficamente, por que sentimos vergonha? Por que um bebê não sente vergonha de estar sem roupa?
Para Sartre, a vergonha vem do fato de que nós somos o que os outros nos revelam. Assim, no caso da vergonha, somos instituídos pela presença julgadora dos outros. Nós reconhecemos nossa existência por meio do significado que o outro nos atribui. Se me sinto envergonhado e acho que o que está acontecendo comigo é algo feio, é o outro que me revela nesse significado. Do mesmo modo, ao estar apaixonado, egoisticamente precisando ser amado, o outro me revela nessa necessidade. Diferentemente do amor, que quer manter o outro ao nosso lado, o ódio também revela quem somos. O ódio revela minha maldade, meu ser cruel, que despreza a liberdade do outro. Por isso, mesmo quem ri de nós nos institui. Enfim, cada um de nós experimenta a própria existência sob o olhar alheio. Isso faz que nossa relação com os outros seja tão íntima que precisamos assumir uma vida ética. Por mais que eu me considere de determinada maneira, sempre haverá quem me mostre de modo diferente. Podemos até disfarçar, mas o ato de disfarçar já é colocar-se no mundo com base no outro. Por isso, Sartre chegou a dizer que o inferno são os outros. Não há como escapar disso: é preciso ser ético.
Alienação moral - “Alienação moral é preocupar-se de maneira distorcida com o outro. Não é ignorá-lo, visto que é impossível, pois ele nos mostra, em si, como somos, mas traduzi-lo de uma forma que não permita essa revelação. No processo de alienação moral, uma pessoa trata as demais sem reflexão que permita o questionamento sobre diferenças, semelhanças, justiça, igualdade; sem repensar em si mesmo. Sobre isso, Sartre afirmou que não podemos viver com morais alienantes, fora da história. A ética deve ser entendida como ação no mundo, sob o contingenciamento da história – história e ética se confundem. A alienação moral procura fazer que a ação do passado seja repetida no presente; o que é bom é a cópia do que foi bom, ignorando as transformações que a história de cada um e das sociedades imputa a todos. Não podemos dizer, sem pensar, que o que era errado há cem anos continuará sendo errado, que não deve haver mudanças. Nós, seres humanos, precisamos de princípios morais e reflexão ética. A falta desses princípios pode significar a morte ou uma falsa vida, falsa individualidade e pseudoexistência. Deve haver, portanto, no presente, a preocupação de como devemos agir em relação ao outro. As mudanças de nosso tempo exigem uma reflexão a respeito de nossa convivência ética, com os desafios do mundo atual, para a construção da solidariedade entre os seres humanos. Cabe a cada um de nós assumirmos a reflexão pura e sermos autênticos na perspectiva da solidariedade. Devemos nos reconciliar conosco e assumir a ação ética no mundo, mesmo sem apoio. Portanto, sermos éticos é assumirmos a responsabilidade com o outro, com aquele que não somos. Com base nisso, teremos a autenticidade da nossa própria vida e não a vileza de uma vida baseada em sistemas não históricos. Afinal, é o outro que nos revela o que somos”.
1. Em geral, quando nos vemos como indivíduos, temos uma certeza. Explique.
2. Como dividimos o mundo?
3. Fale sobre a linguagem como acesso ao outro.
4. Por que a troca de sentidos é o que nos faz humanos?
5. O que o outro é para nós?
6. Por que é preciso viver para o outro?
7. Fale sobre a vergonha e o ódio, segundo Sartre.
8. Por que, segundo Sartre, o inferno são os outros?
9. O que é Alienação moral?
10. Explique o processo de alienação moral e o que Sartre afirmou sobre isso.
11. Por que, nós, seres humanos, precisamos de princípios morais e reflexão ética.
12. Pesquisar a biografia de Lévinas e Jean Paul Sartre e o significado das palavras “Alienação”, “Moral”, “História” e “Metafísica”.
13. Pesquisar e fazer o resumo do tema “O Existencialismo é um humanismo” de Jean Paul Sartre. https://www.youtube.com/watch?v=_tXuovkCHcA
Prof. Manoelito

sábado, 28 de maio de 2016

FILOSOFIA DA CULTURA – MITO E CULTURA

O objetivo do texto é problematizar os aspectos simbólicos e filosóficos da cultura. Para isso, iniciaremos a abordagem com a leitura do mito de Eros, constante no diálogo platônico O banquete; em seguida, trataremos do pensamento de Ernest Cassirer. Com isso, vamos refletir sobre alguns problemas relativos ao conceito de cultura. Enfim, debateremos os conceitos de etnocentrismo, relativismo cultural e alteridade.

O que é o amor? Poetas e filósofos da Grécia Antiga, no período que abarca os séculos VIII, VII e VI a.C., registraram diferentes interpretações para compreender o amor e sua importância para os seres humanos. Hesíodo, poeta grego do século VIII a.C., escreveu a obra Teogonia, na qual descreve em poemas a origem dos deuses gregos. Para ele, o deus do amor, Eros, era filho do primeiro deus manifesto no mundo: Caos. No poema de Hesíodo, Eros é um deus de extrema beleza e capaz de organizar o mundo, fazendo com que os seres saiam do caos e construam o cosmo. Em grego antigo, “caos” significa o início sem ordem, e “cosmo” é o mundo organizado. Eros é o deus capaz de unir os seres e de organizar o mundo. 

Porém, na própria Antiguidade grega, há outra interpretação para a origem e o papel desse deus. Posterior à obra de Hesíodo, outro modo de interpretar o amor está registrado no diálogo O banquete, de Platão. A obra nos conta que, no mesmo dia em que nasceu Afrodite, deusa da beleza, Poros e Penia se encontraram e conceberam Eros, deus do amor sensual. A vida desse deus é marcada pela necessidade da presença e da posse de um outro. Para suprir essa carência constante, Eros conta com sua extraordinária inteligência, e, por ter nascido no mesmo dia em que Afrodite, com uma beleza incomum, qualidades que, combinadas, o habilitam a seduzir, conquistar e dominar os que despertam a sua paixão. A associação de Eros à deusa Afrodite foi interpretada por poetas posteriores a Hesíodo como uma relação de mãe e filho. Há uma tradição bastante divulgada sobre a Mitologia grega que apresenta Eros como filho de Hermes e Afrodite.

O banquete (o amor, o belo)

Por ocasião do nascimento de Afrodite, os deuses celebraram com uma grande festa e, entre eles, estava Porus (a Abundância), filho de Métis. Após a ceia, Penia (a Penúria), percebendo tanta fartura, veio mendigar as sobras e encostou-se junto à porta. Porus, embriagado pelo néctar dos deuses, já que o vinho ainda não havia sido inventado, entra no jardim de Zeus e cai em sono profundo. Penia, desejosa de gerar um filho de Porus para superar sua situação de penúria, deita-se junto a ele e, nesse encontro, Eros é concebido. Eros é, portanto, seguidor e servo de Afrodite, pois foi concebido no dia do nascimento dessa deusa, e também por ser naturalmente um amante de tudo o que é belo, e Afrodite era bela. E por ser filho da Penúria e da Abundância, Eros partilha da natureza e do destino de seus pais. Ele é eternamente pobre, e longe de ser delicado e belo como imaginado pelos homens, é esquálido e enrugado; seu voo é raso junto ao chão e ele não tem morada ou sapatos; dorme ao relento junto aos umbrais das portas, em ruas desprotegidas; possuindo, assim, a mesma condição de sua mãe, ele é eternamente insaciável.

Mas, visto que traz algo de seu pai, ele está sempre a fazer planos para obter coisas que sejam boas e belas; ele é destemido, veemente e forte; um caçador cruel, sempre está a tramar novas armadilhas; extremamente cauteloso e prudente, possui inúmeros recursos; é também, ao longo de toda sua existência, um filósofo, um poderoso sedutor, um mago e um sofista sutil. E, por não ser nem mortal nem imortal, no mesmo dia em que pode ser bem-aventurado e bem-sucedido, ele irá simultaneamente florescer e morrer para, em seguida, e de acordo com a natureza de seu pai, renascer novamente. Tudo o que conquista, escapa-lhe continuamente, de tal modo que Eros não é jamais rico ou pobre, e encontra-se permanentemente em um estado intermediário entre a ignorância e a sabedoria.  PLATÃ O. O banquete (o amor, o belo).

O mito é uma forma de explicar o mundo, uma forma de pensamento tão válida quanto a Filosofia ou a religião. O que o mito tem de peculiar, e o que o torna interessante, é que ele explica as coisas com narrativas, simbólicas, acerca das origens – do mundo, dos deuses, dos homens, da sociedade. Ele dá um sentido, portanto, a realidades difíceis de entender ou mesmo incompreensíveis: a vida, a morte, o amor, a guerra, e assim por diante. Em um sentido mais amplo, a palavra “mito” é utilizada para se referir, positivamente, a pessoas ou feitos marcantes ou memoráveis; e negativamente, a noções falsas que passam por verdadeiras. Vocês conhecem mitos que correspondam a cada um desses sentidos – o propriamente mitológico, o sentido heroico e o sentido de negativo? No livro A filosofia das formas, de Ernest Cassirer (2004), o filósofo desenvolve uma profunda reflexão sobre os mitos. Para ele, o mito seria a primeira forma de interpretação do mundo, o que deu lugar, depois, à religião, sem que esta lhe seja superior. Todo o contato do homem com a natureza e com os outros homens é realizado por meio de símbolos, que, por sua vez, colaboram na construção dos mitos. O homem toca o mundo pelos signos, ele os inventa e deles tira o sentido das coisas. Desde os primórdios da história, o homem acredita e representa suas crenças e suas visões do mundo. Os símbolos são a forma que o homem usa para representar sua vida. Por exemplo:

ü  Quando falamos à pessoa amada “Você é tudo de que meu coração precisa”, é fácil entender que estamos dizendo que a amamos e que sofreremos se não formos correspondidos;

ü  Quando uma criança pega algum objeto que estava no chão e coloca na boca, dizemos “caca!” – usamos um símbolo (uma palavra) que representa a sujeira.

Os símbolos são amplamente partilhados, mas também podem ser muito pessoais, e o mesmo acontece com os significados. Lembre-se de que os signos são a representação dos sentidos de algo: pode ser uma imagem, um som, um cheiro, um sabor, um gesto, uma temperatura, uma dança. O significado é o “conteúdo” desse signo, a ideia que está por trás daquilo que se apresenta para as pessoas ou para si mesmo.  Ainda que Cassirer faça uma crítica ao tipo de uso que Platão fez do mito, podemos perceber que se trata de uma narrativa simbólica, e que cada símbolo ou signo corresponde a um ou mais significados no mundo.

Dos mitos à cultura - Nesta etapa, será discutido o conceito de cultura, principalmente com base no livro A ideia de cultura, de Terry Eagleton (2005). Para começar, vamos discutir a seguinte questão: Quem governa a sua vida, seus impulsos ou suas ideias?

Cultura versus natureza - A palavra “cultura” nos remete a duas possibilidades. Uma, que é entendida como o acúmulo de conhecimentos e outra, que é entendida como ação dos homens sobre a natureza por meio do trabalho. O conceito de cultura é derivado da natureza, em especial do ato de cultivar uma lavoura. Por isso, a cultura tem seu início absolutamente material, passando, mais tarde, a ser entendida como atividade do espírito, principalmente como atividade dos homens urbanos, não mais do meio rural. O indivíduo culto não é mais o lavrador, e sim o estudioso da cidade. Nessa concepção mais tradicional de cultura, ela aparece como relação do homem com a natureza – a cultura pertence ao mundo dos homens e é a sua forma de vencer os descaminhos e os sofrimentos causados pela natureza; a cultura está no mundo do espírito humano e deve, por seu turno, colonizar quem está próximo à natureza e distante do mundo intelectual.

Liberdade e determinismo - Se retomarmos a questão registrada acima, temos aqui uma importante reflexão. Quem nos governa: a natureza ou nossas ideias? Nosso corpo ou nosso pensamento? Dessa maneira, a cultura pode significar o uso da liberdade, enquanto a natureza pode significar o determinismo biológico. Ao imaginar, sonhar, planejar, escrever, trabalhar, conduzir, governar, rezar ou se divertir, o homem exerce sua liberdade, enfrenta os imprevistos e as dificuldades causadas pela natureza, prevê condições de alívio e consola-se diante do inevitável ou das suas derrotas. O homem percebe seu lugar de origem, sua identidade e, ao mesmo tempo, compreende que pode mudar e ter suas raízes autotransportadas. A natureza estaria apenas posta diante dos homens, exigindo deles não mais que uma vida animal, submetendo-os aos destinos dos que não pensam antes de agir, dos que não imaginam nem planejam uma vida mais significativa. A natureza impõe o corpo, a fome, o impulso sexual, a necessidade de saciar a sede, a doença, o cansaço, o calor e o frio. Com ela, o destino do homem está traçado. Um destino nada significativo, assim como a vida e a morte de qualquer animal.

A cultura em transição com a natureza - Um dos atos culturais por excelência é a arte. Seria possível imaginá-la sem a natureza? Como pensar um quadro paisagístico sem a paisagem e sem o material como a tela e a tinta, que se originam na natureza? Uma música sem paixão? Um marceneiro sem madeira? Um escultor sem pedra ou metal? Segundo essa concepção, natureza e cultura estão em acordo recíproco. Por isso, o homem não é fruto determinado de seu ambiente; ele é livre, mas é intimamente influenciado pela natureza. Voltando ao exemplo da arte, por mais livre que seja um pintor, ele estará, ao mesmo tempo, limitado e inspirado por seus instrumentos – o tipo de pêlo animal de seu pincel, o tipo de pigmento de sua tinta, a paisagem, o objeto ou o corpo que quer representar. Limitado, porque talvez não consiga transmitir para a tela seus sentimentos mais profundos; inspirado, porque sabe que pode fazer algo cada vez mais belo, com base naquilo que a natureza lhe oferece, porque domina sua técnica, avança em seus limites, diz o que ainda não foi dito, ou reproduz o já expresso de um modo próprio. Assim, convém relativizar a ideia naturalista, que afirma ser a cultura uma expressão da natureza e sua determinação, o que devemos fazer também com o idealismo, pois as ideias estão associadas diretamente ao ambiente em que as pessoas vivem. O fazer e o natural estão, portanto, indissociavelmente ligados.

A cultura é uma construção de si mesmo - Quando pensamos que a cultura constrói cada um de nós, o nosso eu, podemos supor uma divisão: o eu inferior e o eu superior. Nessa relação, a natureza estaria no eu inferior, como desejo e paixão, e a cultura estaria no eu superior, como vontade e razão. Desse modo, a natureza não estaria apenas em nosso corpo ou em nosso entorno. Ela está no mais íntimo de cada um de nós. Mesmo assim, ela não seria capaz de nos saciar, porque não poderíamos viver apenas de desejos e porque, se isso fosse possível, não precisaríamos de cultura. A cultura é uma necessidade física e subjetiva de cada indivíduo. Por essa ideia de cultura, podemos entender que somos capazes de nos inventar, já que estamos sempre nos fazendo. Assim, por exemplo, uma pessoa culta é aquela que inventou um ser para si. Por exemplo, se alguém quiser ser roqueiro, o que deve fazer? No mínimo, deve aprender a escutar rock, conversar com quem entende do assunto, ler sobre ele, aprender a tocar algum instrumento. O indivíduo não nasceu roqueiro; ele se inventou, criou uma forma pessoal de ser. Do mesmo modo, qualquer um de nós pode se inventar. Caso não nos inventemos, estaremos determinados pelo mundo que nos rodeia. Podemos ser pessoas pacientes, agradáveis, chatas; enfim, tudo é questão de escolha e atividade cultural. Mas nem sempre se inventar é fácil. Somos uma espécie de planta que precisa ser cultivada por nós mesmos.

Cultura e estado - Para discutirmos a relação entre cultura e Estado, é preciso entender o conceito de Estado: A palavra Estado, grafada com inicial maiúscula, é uma forma organizacional cujo significado é de natureza política. É uma entidade com poder soberano para governar um povo dentro de uma área territorial delimitada. As funções tradicionais do Estado englobam três domínios: Poder Executivo, Poder Legislativo e Poder Judiciário. Numa nação, o Estado desempenha funções políticas, sociais e econômicas. Além de nós e das influências que recebemos de outras pessoas, quem pode nos ajudar a nos inventar? Com certeza, não é partindo do nada que imaginamos o que queremos ser ou nos tornar. Por isso, precisamos da ajuda ou do exemplo dos outros. Assim, se alguém quiser ser ator, necessitará de apoio para isso, desde o financeiro até o incentivo para o exercício da arte de representar. Ora, o Estado brasileiro tem o dever de ajudar as pessoas a se formar como cidadãos, como repetimos exaustivamente. No entanto, a mera repetição dessa ideia produz resultados infinitamente pequenos. É preciso considerar outros campos de atuação estatal que incluem, por exemplo, a regulamentação dos meios de comunicação, as políticas educacionais e os incentivos artísticos e culturais. Nessa concepção, a cultura é o que está entre a maquinaria do Estado e a sociedade civil, criando tensões e, ao mesmo tempo, produzindo unidades entre um e outro. Do ponto de vista do Estado, a cultura deve ser civilizadora, isto é, deve fazer com que as pessoas se tornem mais sociáveis.

Conceito de cultura - Em geral, podemos dizer que a cultura é a ação dos homens com ou sobre a natureza, por meio da objetivação da consciência (Hegel), pelo trabalho em sociedade (Marx), pela instituição de símbolos (Cassirer), por uma lei simbólica (Lévi-Strauss), por meio do contrato social (Rousseau), por meio da educação (Cícero). Em síntese, essa ação produz técnicas, valores, conhecimentos, ideias, religiões, artes e tudo o que circunscreve o mundo humano. Leiam o texto de ROUSSEAU, disponível no caderno do aluno, para maior compreensão do conceito de cultura.

Etnocentrismo, relativismo e alteridade - Existem diversas culturas, já que existem diversas maneiras de agir e de interpretar o mundo, dando sentido às coisas. Essas culturas mantêm contato entre si, mas nem sempre esse contato é algo com que todos saem ganhando. Isso ocorre porque muitas culturas se sentem superiores a outras, o que implica diversas maneiras de ver o mundo. Quando um grupo se acha superior a outro, no sentido cultural, chamamos isso de etnocentrismo. Todas as vezes em que há uma ação etnocêntrica, deflagram-se várias formas de violência. Por causa do etnocentrismo, por exemplo, os europeus se sentiram superiores aos povos americanos e africanos, submeteram-nos à escravidão e à pilhagem e impuseram sua cultura, em especial a religião. Além disso, internamente, cada país tem muitas culturas e também várias religiões.

A principal área de conhecimento que estuda outras culturas é a Antropologia. Por ela, aprendemos não apenas o que é o etnocentrismo, mas a importância de pensar o outro como diferente de nós, como alguém que tem muito a nos ensinar e muito a aprender conosco. Para que isso ocorra e se reduzam as tensões entre diferentes culturas, temos de dar o passo mais importante, na direção do relativismo. O que chamamos de relativismo é a ideia de que todos os valores são criados em meio ao processo cultural das sociedades. Por isso, todo julgamento que fazemos decorre de nossa cultura, e assim como cada um vê o outro de uma forma, nós também somos vistos e considerados com base em nossa própria cultura.

E qual seria a diferença entre opinião e cultura? Opinião é uma fala pessoal, enquanto a cultura precede as opiniões e é partilhada por um grupo de pessoas. Qual é a melhor cultura? É possível haver uma cultura melhor do que as outras? Para que fosse possível responder e apontar uma cultura superior, teríamos de assumir uma postura etnocêntrica. Atualmente, é comum ouvir que algumas culturas são tecnologicamente mais desenvolvidas do que aquelas industrializadas e rurais, apontando-se as primeiras como melhores. No entanto, pode-se perguntar: O que é mais importante, ter tecnologia ou ter igualdade de fato? Outro problema importante surge quando nos colocamos uma questão simples: Como agir em relação aos outros? A maneira mais recomendada é pela alteridade, isto é, pela valorização de tudo aquilo que é do outro e diferente de nós.

1.       Qual o objetivo do tema?

2.       Explique o deus do amor, segundo Hesíodo.

3.       Explique Eros No poema de Hesíodo.

4.       Como Platão interpreta o amor no diálogo “O banquete”?

5.       Explique o que é o Mito.

6.       Explique o mito segundo, Ernest Cassirer.

7.       O Que são os símbolos? Dê exemplos.

8.       Explique os significados da palavra cultura.

9.       Quem nos governa: a natureza ou nossas ideias? Nosso corpo ou nosso pensamento? Dessa maneira, o que a cultura pode significar?

10.    Por que o homem não é fruto determinado de seu ambiente?

11.    O que, em geral, podemos dizer sobre o conceito de cultura?

12.    Explique: Etnocentrismo, relativismo e alteridade.

13.    Pesquisar as expressões “Mito”, “Cultura”, “Linguagem”, “Natureza”, “Determinismo” e “Relativismo”.

 

Prof. Manoelito    Boa Sorte!!!!!!!


sexta-feira, 27 de maio de 2016

CONDUTAS MASSIFICADAS




Neste texto vamos tratar da formação do indivíduo para além do contexto da moral normativa. Procuramos chamar a atenção para a perspectiva da formação do indivíduo a partir dos interesses individuais partindo da perspectiva de Max Stirner. Em um segundo momento, passamos para uma breve consideração sobre o indivíduo diante da razão instrumental e da indústria cultural. A partir dessas abordagens, objetiva-se fazer com que vocês pensem em função de suas relações sociais de desejo e de identidade, com o intuito de que possa emergir a individualidade, atentando para evitar as condutas massificadas.
Todos nós somos um pouco egoístas? O que fazer com nosso egoísmo? Devemos assumi-lo ou lutar contra ele? Para Stirner, o homem é um ser egoísta, embora não saiba o que fazer com seu egoísmo. Assim, o pensador propõe que cada um deve assumir seu egoísmo, tornando-se dono de si mesmo. Quando as pessoas procuram se libertar do egoísmo servindo a Deus, na verdade acabam servindo aos líderes religiosos e a si mesmas, de maneira parcial. Deus é uma ideia para o indivíduo, independentemente de existir ou não. O homem só serve a ele por pensar que Deus existe, e será feliz assim. Quando as pessoas procuram servir à sociedade, elas acabam servindo a líderes políticos, pois a sociedade ou a nação também são ideias. Quando as pessoas procuram trabalhar, cada vez mais e melhor, para servir à honestidade, na verdade estão servindo aos empregadores, com a perspectiva de que eles reconheçam o esforço.
Portanto, as ideias de Deus e de nação são afastamentos parciais de nós mesmos. Quando acreditamos que somos seres espirituais, feitos por e para as ideias, achamos que devemos segui-las. Desse modo, pensamos egoisticamente: vou servir a Deus, porque lucrarei com isso indo para o céu, ou vou servir à sociedade, porque terei prestígio e serei considerado bom. No entanto, se chegássemos à conclusão de que somos corpo, então serviríamos a nós mesmos em totalidade. Segundo Stirner, a sociedade cristã e moderna procura criar um indivíduo com aparência de livre, mas que, no fundo, é escravo da razão, da fé ou do Estado. Todas essas instâncias e entidades prometem a liberdade, desde que renunciemos de alguma forma a nós mesmos, pois não existe liberdade interior, havendo somente aquela que é vivida longe de qualquer forma de servidão.
Então, quem somos nós? Stirner responde à pergunta, afirmando que somos um poço de desejos e não devemos ouvir as vozes da consciência, nem da sociedade e muito menos de Deus, pois elas escondem egoístas que lucram com isso. Desse modo, o egoísmo é a chave para vivenciarmos definitivamente nossos desejos, pois se for para sermos escravos de alguém, então que o sejamos de nós mesmos.
Como seria a sociedade? Se cada um assumisse seu egoísmo, fazendo o bem aos outros por interesse (eu faço você feliz para você me fazer feliz), não haveria intrigas nem lutas, pois cada um seria tão diferente do outro, a ponto de não poderem sequer discordar. O problema das intrigas e das lutas é que nós nos imaginamos parecidos com os outros e agimos por egoísmo disfarçado, adormecido. Julgamos, ainda, os outros como falsos, quando nós também somos. Por isso, nem realizamos nossos desejos, nem alcançamos nossos ideais.
O indivíduo e a Cultura- Segundo Max Stirner, na tentativa de superarem as adversidades do meio, os homens criaram, ao longo da história, modos e instrumentos para superar e dominar a natureza (interna e externa). Contudo, nessa incessante busca de sair dos domínios da natureza, os homens acabaram sendo dominados e servindo a outro senhor. Ou seja, ao buscar libertar-se da natureza, acabaram sendo subjugados por outras forças. Para fugir da imprevisibilidade, do acaso, e aumentar as condições de manutenção da vida, os homens produziram a Cultura. Por meio da Cultura, inverteram a sua posição em relação à natureza e, de dominados, passaram a dominar e, assim, conseguiram minimizar a influência do determinismo natural, mas tornaram-se vítimas do determinismo cultural. Ou seja, não deixaram de ser submissos, apenas trocaram de senhor.
“A cultura [...], a religiosidade dos homens, tornou-os livres, mas livres apenas de um senhor, para logo os entregar a outro. A religião ensinou-me a dominar os meus desejos, a astúcia permite-me quebrar a resistência do mundo, e é-me dada pela ciência; nem já a um outro homem sirvo [...]. Do mesmo modo, libertei-me da determinação irracional pelos meus sentidos, mas continuei fiel à dominadora chamada... razão. Ganhei a “liberdade espiritual”, a “liberdade do espírito”. Com isso, eu tornei-me súdito do espírito. O espírito dá-me ordens, a razão orienta-me, são ambos meus guias e senhores. [...] A liberdade de espírito significa a minha servidão. ” STIRNER, Max. O único e a sua propriedade. Tradução João Barrento. Lisboa: Antígona, 2004. p. 260.
A razão instrumental
Quem nós copiamos? Os pensadores da Escola de Frankfurt, diante do fenômeno do totalitarismo, buscaram uma justificativa, uma explicação que possibilitasse entender que a racionalidade estava por trás do horror totalitário. Nessa busca, reconheceram as demandas de uma sociedade tecnocrática fundada em uma razão instrumental. Nessa perspectiva, a sociedade totalitária, baseada na já referida razão instrumental, impõe a todos os seus membros um padrão, uma dinâmica, uma medida, que visa unicamente à produção e à eficiência. A razão instrumental estaria preocupada com os fins que também caracterizam o sistema de exploração capitalista. Por isso, diante das forças econômicas, os indivíduos acabariam reduzidos a uma massa indistinta e indiferente ao que acontece ao seu redor.
Para que esse sistema histórico-social, que produz cotidianamente essa massa indistinta, porém útil para alavancar a produção e o consumo possa continuar intacto, isto é, fortalecido, inventou-se uma maneira muito poderosa de fazer com que as pessoas não usem sua razão crítica para criar sua individualidade, tornando-se verdadeiras cópias de outras pessoas igualmente artificiais. Assim, a razão instrumental acabou gerando a cultura de massa, que é a industrialização e produção em série de mercadorias culturais, que produzem, por sua vez, individualidades falsas ou pseudoindividualidades.
“Na indústria, o indivíduo é ilusório não apenas por causa da padronização do modo de produção. Ele só é tolerado na medida em que sua identidade incondicional com o universal está fora de questão. Da improvisação padronizada do jazz até os tipos originais do cinema, que têm de deixar a franja cair sobre os olhos para serem reconhecidos como tais, o que domina é a pseudoindividualidade. O individual reduz-se à capacidade do universal de marcar tão integralmente o contingente que ele possa ser conservado como o mesmo. Assim, por exemplo, o ar de obstinada reserva ou a postura elegante do indivíduo exibido numa cena determinada é algo que se produz em série exatamente como as fechaduras Yale, que só por frações de milímetros se distinguem umas das outras. As particularidades do eu são mercadorias monopolizadas e socialmente condicionadas, que se fazem passar por algo natural. Elas se reduzem ao bigode, ao sotaque francês, à voz grave de mulher de vida livre [...]: são como impressões digitais em cédulas de identidade que, não fosse por elas, seriam rigorosamente iguais e nas quais a vida e a fisionomia de todos os indivíduos – da estrela do cinema ao encarcerado – se transformam, em face ao poderio do universal. A pseudoindividualidade é um processo para compreender e tirar da tragédia sua virulência: é só porque os indivíduos não são mais indivíduos, mas sim meras encruzilhadas das tendências do universal, que é possível reintegrá-los totalmente na universalidade. A cultura de massas revela assim seu caráter fictício que a forma do indivíduo sempre exibiu na era da burguesia, e seu único erro é vangloriar-se por essa duvidosa harmonia do universal e do particular”.
Nesse importante texto da Escola de Frankfurt, Adorno e Horkheimer apresentaram a cultura de massa ou a indústria cultural, que submetem a arte e as manifestações culturais às leis de mercado. A beleza que fazia que o homem compreendesse a profundidade de sua existência há dois séculos revelou-se efêmera e superficial, esvaindo-se com a moda. Em resumo, mostraram os filósofos, que o mais importante não é construir a si mesmo, mas copiar quem está na propaganda, o personagem do cinema, da novela ou a mais recente atração do mundo “pop”.
Mas onde se encontra a cultura de massa? No rádio e na televisão, nos jornais e revistas, no cinema, nos shows e na propaganda, em geral, isto é, nos meios de comunicação de massa.
Qual é a estratégia dessas empresas? Convencer as pessoas de que elas são livres para escolher o que é melhor, mas insistindo que o melhor é sempre o próprio produto. Além disso, tentam transformar tudo em entretenimento, por exemplo:
ü     Todas as rádios tocam as melhores músicas. O ritmo da juventude, o som do amor. Já aquelas que afirmam tocar as melhores músicas da semana, mas ocultam quanto pode ter sido pago para que estas fossem consideradas as melhores.
ü     0s jornais e revistas sempre afirmam seu compromisso com a verdade. Como sabemos, a verdade jornalística vende, principalmente quando se faz uma “grande denúncia”. Passado o impacto e esgotadas as edições a “grande denúncia” acaba esquecida.
ü     No cinema e nas telenovelas, tudo tem um final quase sempre previsível e os melhores efeitos especiais ajudam os pseudoartistas, que apresentam sempre corpos masculinos fortes e corpos femininos sensuais. Na maioria das vezes, pessoas seminuas, vivendo uma história pronta, com começo, meio e final feliz, como se a vida fosse assim.
ü     Nos shows, a eletrônica, os dançarinos e a iluminação ajudam a disfarçar os limites das vozes dos cantores. 0 gelo-seco produz uma emoção que a canção não é capaz de criar. O volume alto do som empurra todo mundo para o balanço de músicas sem sentido e, muitas vezes, malfeitas, mas se trata do cantor ou cantora que todos escutam. 
ü     Na televisão, o artista que, em um programa, se confessa engajado, acaba vendendo ilusões nas propagandas do intervalo, vampirizando aposentados e pensionistas, prometendo empréstimos a juros baixíssimos, “os menores do mercado”.
Dessa maneira, ao trocar o pensar pelo sentir, os indivíduos passam a compor um mosaico, construído com pedrinhas das ideologias vinculadas aos sistemas de mass media. Renunciando à construção de si, funcionam como cópias de máscaras, vendo-se apenas montagens, não realidades. Com isso, assumem como seus os desejos criados pela propaganda: compre isto para ser assim; seja interessante sendo assim ou – mais sinceramente – você é aquilo que você pode pagar; você não se adapta ao modelo, não serve etc.
No entanto, as pessoas acabam sofrendo por não ter as falsas maravilhas que veem nos meios de comunicação ou por ser diferentes do modelo de homem ou mulher anunciado pela propaganda. E isso também inclui de modo decisivo a criança, fazendo que a sensação de sofrimento e frustração comece na infância, com os brinquedos caros que não pode comprar, terminando na velhice esquecida, pois é da juventude que a televisão gosta e ensina os telespectadores a gostar.
Quase todas as mercadorias que estão à venda, música, dança, imagens, cheiros, sabores, roupas – trazem consigo a ideia de um estilo, que deve ser comprado ou imitado.
Com a indústria cultural, além das artes, a religião e o esporte também viraram produtos. As pessoas deixam de praticar a religião e o esporte para assistir a eles pela televisão. Para encontrar o sagrado, não é mais necessário estar com os demais fiéis e fazer orações com eles, basta ligar a televisão ou o rádio no horário marcado e será possível ter o sagrado em domicílio. Com o esporte, é mais fácil comer pipoca na frente da TV do que ir ao estádio ou jogar aquela “pelada” com os amigos. Como se vê, todas as emoções estão à venda, mas duram pouco, de modo que voltemos rapidamente a comprar outras.

Dialética do esclarecimento (Reflexão)
O trecho destacado do livro “Dialética do esclarecimento traz uma profunda reflexão sobre como o avanço do capitalismo mediante a mentalidade tecnológica retém os homens numa lógica de produção e consumo padronizados. No excerto, os filósofos constatam que o racional pode ser irracional, que a mesma razão que instrumentaliza torna-se instrumento, que a mesma razão que emancipa pode subjugar. Ou seja, a razão pode produzir o inverso do que se propõe.
Os autores chamam a atenção para um comportamento que se instaura na sociedade contemporânea: negar tudo o que não pode ser calculado, ordenado ou classificado, ou seja, controlado. Essa característica da sociedade contemporânea ocidental opera na mesma lógica do mito, só que por outro viés.
Nesse caso, forças exteriores assumem o controle da vida dos homens. Essas forças exteriores – antes deuses, anjos ou demônios – agora são pautadas no cálculo das ciências aplicadas e da economia.
Segundo Adorno e Horkheimer, a racionalidade técnica ou a razão instrumental, assim como o mito, evita a contradição e procura estabelecer identidades. Dessa forma, expressa e interpreta os fatos e os eventos de acordo com a sua própria lógica de classificação e dela nada escapa. Tanto a racionalidade técnica como o mito operam no mesmo sentido de enfraquecer a capacidade reflexiva e crítica. Se não somos mais submetidos ao medo do sobrenatural, governados por seres mágicos, agora somos governados pelo cálculo, pelo padrão, pela verdade que se revela nos produtos que produzimos e consumimos. Mais uma vez renunciamos à nossa capacidade de pensar por nós mesmos e assumimos uma verdade, um padrão externo que nos é imposto.
Quando os autores destacam a alienação dos homens, a coisificação do espírito e o enfeitiçamento dos homens entre si e de cada indivíduo em relação a si mesmo, eles identificam essa condição com a elevação da ciência aplicada, que justifica, entre outras coisas, a divisão do trabalho e a crescente especialização.
Essa condição, segundo Adorno e Horkheimer, tem produzido profundas alterações nos modos de ser e de viver na sociedade. As pessoas passam a ser padronizadas como os produtos que elas fabricam e consomem.
Atenção para o fato de que, com a modernidade, valorizou-se sobremaneira o progresso técnico e a autonomia com relação à natureza e mesmo com relação aos outros homens, fazendo com que os indivíduos considerem a racionalidade um meio para atingirem o progresso de forma individual. No entanto, no momento em que os homens buscam a autonomia, acabam sendo subordinados por uma racionalidade que não pretende fazê-los progredir como homens, mas como objetos coisificados.
Em suma, tornam-se submissos à racionalidade técnica e ao objetivo de controle social e da natureza.
A razão instrumental refere-se a esse processo de conhecimento que pretende a dominação do mundo, o controle total da natureza e dos homens entre si. É por intermédio dela que o conhecimento e a técnica assumem tais objetivos.
É um ideal da modernidade a transformação da natureza e dos demais seres humanos em algo que se pode usar ou não. Não apenas a natureza: tudo se torna um objeto que se pode usar e descartar, inclusive homens e mulheres.
1.                Segundo Stirner, todos nós somos um pouco egoístas. O que fazer com nosso egoísmo? Devemos assumi-lo ou lutar contra ele?
2.                       O que a sociedade cristã e moderna procura criar, segundo Stirner?
3.                       Quem somos nós, segundo Stirner?
4.                       O que é egoísmo, segundo Stirner?
5.                       Como seria a sociedade, se cada um assumisse seu egoísmo?
6.                       O que criaram os homens, na tentativa de superarem as adversidades do meio?
7.                       Segundo Stirner, por que os homens produziram a Cultura?
8.                     Por que, Segundo Stirner os homens não deixaram de ser submissos, apenas trocaram de senhor?
9.                       Explique o que é razão instrumental e cultura de massa.
10.                   Onde se encontra a cultura de massa e qual é a estratégia dessas empresas?
11.                   Pesquisar as biografias com os temas trabalhados no texto, de Max Stirner, Theodor Adorno e Max Horkheimer.
                                                                                                                      Prof. Manoelito