sexta-feira, 27 de maio de 2016

CONDUTAS MASSIFICADAS




Neste texto vamos tratar da formação do indivíduo para além do contexto da moral normativa. Procuramos chamar a atenção para a perspectiva da formação do indivíduo a partir dos interesses individuais partindo da perspectiva de Max Stirner. Em um segundo momento, passamos para uma breve consideração sobre o indivíduo diante da razão instrumental e da indústria cultural. A partir dessas abordagens, objetiva-se fazer com que vocês pensem em função de suas relações sociais de desejo e de identidade, com o intuito de que possa emergir a individualidade, atentando para evitar as condutas massificadas.
Todos nós somos um pouco egoístas? O que fazer com nosso egoísmo? Devemos assumi-lo ou lutar contra ele? Para Stirner, o homem é um ser egoísta, embora não saiba o que fazer com seu egoísmo. Assim, o pensador propõe que cada um deve assumir seu egoísmo, tornando-se dono de si mesmo. Quando as pessoas procuram se libertar do egoísmo servindo a Deus, na verdade acabam servindo aos líderes religiosos e a si mesmas, de maneira parcial. Deus é uma ideia para o indivíduo, independentemente de existir ou não. O homem só serve a ele por pensar que Deus existe, e será feliz assim. Quando as pessoas procuram servir à sociedade, elas acabam servindo a líderes políticos, pois a sociedade ou a nação também são ideias. Quando as pessoas procuram trabalhar, cada vez mais e melhor, para servir à honestidade, na verdade estão servindo aos empregadores, com a perspectiva de que eles reconheçam o esforço.
Portanto, as ideias de Deus e de nação são afastamentos parciais de nós mesmos. Quando acreditamos que somos seres espirituais, feitos por e para as ideias, achamos que devemos segui-las. Desse modo, pensamos egoisticamente: vou servir a Deus, porque lucrarei com isso indo para o céu, ou vou servir à sociedade, porque terei prestígio e serei considerado bom. No entanto, se chegássemos à conclusão de que somos corpo, então serviríamos a nós mesmos em totalidade. Segundo Stirner, a sociedade cristã e moderna procura criar um indivíduo com aparência de livre, mas que, no fundo, é escravo da razão, da fé ou do Estado. Todas essas instâncias e entidades prometem a liberdade, desde que renunciemos de alguma forma a nós mesmos, pois não existe liberdade interior, havendo somente aquela que é vivida longe de qualquer forma de servidão.
Então, quem somos nós? Stirner responde à pergunta, afirmando que somos um poço de desejos e não devemos ouvir as vozes da consciência, nem da sociedade e muito menos de Deus, pois elas escondem egoístas que lucram com isso. Desse modo, o egoísmo é a chave para vivenciarmos definitivamente nossos desejos, pois se for para sermos escravos de alguém, então que o sejamos de nós mesmos.
Como seria a sociedade? Se cada um assumisse seu egoísmo, fazendo o bem aos outros por interesse (eu faço você feliz para você me fazer feliz), não haveria intrigas nem lutas, pois cada um seria tão diferente do outro, a ponto de não poderem sequer discordar. O problema das intrigas e das lutas é que nós nos imaginamos parecidos com os outros e agimos por egoísmo disfarçado, adormecido. Julgamos, ainda, os outros como falsos, quando nós também somos. Por isso, nem realizamos nossos desejos, nem alcançamos nossos ideais.
O indivíduo e a Cultura- Segundo Max Stirner, na tentativa de superarem as adversidades do meio, os homens criaram, ao longo da história, modos e instrumentos para superar e dominar a natureza (interna e externa). Contudo, nessa incessante busca de sair dos domínios da natureza, os homens acabaram sendo dominados e servindo a outro senhor. Ou seja, ao buscar libertar-se da natureza, acabaram sendo subjugados por outras forças. Para fugir da imprevisibilidade, do acaso, e aumentar as condições de manutenção da vida, os homens produziram a Cultura. Por meio da Cultura, inverteram a sua posição em relação à natureza e, de dominados, passaram a dominar e, assim, conseguiram minimizar a influência do determinismo natural, mas tornaram-se vítimas do determinismo cultural. Ou seja, não deixaram de ser submissos, apenas trocaram de senhor.
“A cultura [...], a religiosidade dos homens, tornou-os livres, mas livres apenas de um senhor, para logo os entregar a outro. A religião ensinou-me a dominar os meus desejos, a astúcia permite-me quebrar a resistência do mundo, e é-me dada pela ciência; nem já a um outro homem sirvo [...]. Do mesmo modo, libertei-me da determinação irracional pelos meus sentidos, mas continuei fiel à dominadora chamada... razão. Ganhei a “liberdade espiritual”, a “liberdade do espírito”. Com isso, eu tornei-me súdito do espírito. O espírito dá-me ordens, a razão orienta-me, são ambos meus guias e senhores. [...] A liberdade de espírito significa a minha servidão. ” STIRNER, Max. O único e a sua propriedade. Tradução João Barrento. Lisboa: Antígona, 2004. p. 260.
A razão instrumental
Quem nós copiamos? Os pensadores da Escola de Frankfurt, diante do fenômeno do totalitarismo, buscaram uma justificativa, uma explicação que possibilitasse entender que a racionalidade estava por trás do horror totalitário. Nessa busca, reconheceram as demandas de uma sociedade tecnocrática fundada em uma razão instrumental. Nessa perspectiva, a sociedade totalitária, baseada na já referida razão instrumental, impõe a todos os seus membros um padrão, uma dinâmica, uma medida, que visa unicamente à produção e à eficiência. A razão instrumental estaria preocupada com os fins que também caracterizam o sistema de exploração capitalista. Por isso, diante das forças econômicas, os indivíduos acabariam reduzidos a uma massa indistinta e indiferente ao que acontece ao seu redor.
Para que esse sistema histórico-social, que produz cotidianamente essa massa indistinta, porém útil para alavancar a produção e o consumo possa continuar intacto, isto é, fortalecido, inventou-se uma maneira muito poderosa de fazer com que as pessoas não usem sua razão crítica para criar sua individualidade, tornando-se verdadeiras cópias de outras pessoas igualmente artificiais. Assim, a razão instrumental acabou gerando a cultura de massa, que é a industrialização e produção em série de mercadorias culturais, que produzem, por sua vez, individualidades falsas ou pseudoindividualidades.
“Na indústria, o indivíduo é ilusório não apenas por causa da padronização do modo de produção. Ele só é tolerado na medida em que sua identidade incondicional com o universal está fora de questão. Da improvisação padronizada do jazz até os tipos originais do cinema, que têm de deixar a franja cair sobre os olhos para serem reconhecidos como tais, o que domina é a pseudoindividualidade. O individual reduz-se à capacidade do universal de marcar tão integralmente o contingente que ele possa ser conservado como o mesmo. Assim, por exemplo, o ar de obstinada reserva ou a postura elegante do indivíduo exibido numa cena determinada é algo que se produz em série exatamente como as fechaduras Yale, que só por frações de milímetros se distinguem umas das outras. As particularidades do eu são mercadorias monopolizadas e socialmente condicionadas, que se fazem passar por algo natural. Elas se reduzem ao bigode, ao sotaque francês, à voz grave de mulher de vida livre [...]: são como impressões digitais em cédulas de identidade que, não fosse por elas, seriam rigorosamente iguais e nas quais a vida e a fisionomia de todos os indivíduos – da estrela do cinema ao encarcerado – se transformam, em face ao poderio do universal. A pseudoindividualidade é um processo para compreender e tirar da tragédia sua virulência: é só porque os indivíduos não são mais indivíduos, mas sim meras encruzilhadas das tendências do universal, que é possível reintegrá-los totalmente na universalidade. A cultura de massas revela assim seu caráter fictício que a forma do indivíduo sempre exibiu na era da burguesia, e seu único erro é vangloriar-se por essa duvidosa harmonia do universal e do particular”.
Nesse importante texto da Escola de Frankfurt, Adorno e Horkheimer apresentaram a cultura de massa ou a indústria cultural, que submetem a arte e as manifestações culturais às leis de mercado. A beleza que fazia que o homem compreendesse a profundidade de sua existência há dois séculos revelou-se efêmera e superficial, esvaindo-se com a moda. Em resumo, mostraram os filósofos, que o mais importante não é construir a si mesmo, mas copiar quem está na propaganda, o personagem do cinema, da novela ou a mais recente atração do mundo “pop”.
Mas onde se encontra a cultura de massa? No rádio e na televisão, nos jornais e revistas, no cinema, nos shows e na propaganda, em geral, isto é, nos meios de comunicação de massa.
Qual é a estratégia dessas empresas? Convencer as pessoas de que elas são livres para escolher o que é melhor, mas insistindo que o melhor é sempre o próprio produto. Além disso, tentam transformar tudo em entretenimento, por exemplo:
ü     Todas as rádios tocam as melhores músicas. O ritmo da juventude, o som do amor. Já aquelas que afirmam tocar as melhores músicas da semana, mas ocultam quanto pode ter sido pago para que estas fossem consideradas as melhores.
ü     0s jornais e revistas sempre afirmam seu compromisso com a verdade. Como sabemos, a verdade jornalística vende, principalmente quando se faz uma “grande denúncia”. Passado o impacto e esgotadas as edições a “grande denúncia” acaba esquecida.
ü     No cinema e nas telenovelas, tudo tem um final quase sempre previsível e os melhores efeitos especiais ajudam os pseudoartistas, que apresentam sempre corpos masculinos fortes e corpos femininos sensuais. Na maioria das vezes, pessoas seminuas, vivendo uma história pronta, com começo, meio e final feliz, como se a vida fosse assim.
ü     Nos shows, a eletrônica, os dançarinos e a iluminação ajudam a disfarçar os limites das vozes dos cantores. 0 gelo-seco produz uma emoção que a canção não é capaz de criar. O volume alto do som empurra todo mundo para o balanço de músicas sem sentido e, muitas vezes, malfeitas, mas se trata do cantor ou cantora que todos escutam. 
ü     Na televisão, o artista que, em um programa, se confessa engajado, acaba vendendo ilusões nas propagandas do intervalo, vampirizando aposentados e pensionistas, prometendo empréstimos a juros baixíssimos, “os menores do mercado”.
Dessa maneira, ao trocar o pensar pelo sentir, os indivíduos passam a compor um mosaico, construído com pedrinhas das ideologias vinculadas aos sistemas de mass media. Renunciando à construção de si, funcionam como cópias de máscaras, vendo-se apenas montagens, não realidades. Com isso, assumem como seus os desejos criados pela propaganda: compre isto para ser assim; seja interessante sendo assim ou – mais sinceramente – você é aquilo que você pode pagar; você não se adapta ao modelo, não serve etc.
No entanto, as pessoas acabam sofrendo por não ter as falsas maravilhas que veem nos meios de comunicação ou por ser diferentes do modelo de homem ou mulher anunciado pela propaganda. E isso também inclui de modo decisivo a criança, fazendo que a sensação de sofrimento e frustração comece na infância, com os brinquedos caros que não pode comprar, terminando na velhice esquecida, pois é da juventude que a televisão gosta e ensina os telespectadores a gostar.
Quase todas as mercadorias que estão à venda, música, dança, imagens, cheiros, sabores, roupas – trazem consigo a ideia de um estilo, que deve ser comprado ou imitado.
Com a indústria cultural, além das artes, a religião e o esporte também viraram produtos. As pessoas deixam de praticar a religião e o esporte para assistir a eles pela televisão. Para encontrar o sagrado, não é mais necessário estar com os demais fiéis e fazer orações com eles, basta ligar a televisão ou o rádio no horário marcado e será possível ter o sagrado em domicílio. Com o esporte, é mais fácil comer pipoca na frente da TV do que ir ao estádio ou jogar aquela “pelada” com os amigos. Como se vê, todas as emoções estão à venda, mas duram pouco, de modo que voltemos rapidamente a comprar outras.

Dialética do esclarecimento (Reflexão)
O trecho destacado do livro “Dialética do esclarecimento traz uma profunda reflexão sobre como o avanço do capitalismo mediante a mentalidade tecnológica retém os homens numa lógica de produção e consumo padronizados. No excerto, os filósofos constatam que o racional pode ser irracional, que a mesma razão que instrumentaliza torna-se instrumento, que a mesma razão que emancipa pode subjugar. Ou seja, a razão pode produzir o inverso do que se propõe.
Os autores chamam a atenção para um comportamento que se instaura na sociedade contemporânea: negar tudo o que não pode ser calculado, ordenado ou classificado, ou seja, controlado. Essa característica da sociedade contemporânea ocidental opera na mesma lógica do mito, só que por outro viés.
Nesse caso, forças exteriores assumem o controle da vida dos homens. Essas forças exteriores – antes deuses, anjos ou demônios – agora são pautadas no cálculo das ciências aplicadas e da economia.
Segundo Adorno e Horkheimer, a racionalidade técnica ou a razão instrumental, assim como o mito, evita a contradição e procura estabelecer identidades. Dessa forma, expressa e interpreta os fatos e os eventos de acordo com a sua própria lógica de classificação e dela nada escapa. Tanto a racionalidade técnica como o mito operam no mesmo sentido de enfraquecer a capacidade reflexiva e crítica. Se não somos mais submetidos ao medo do sobrenatural, governados por seres mágicos, agora somos governados pelo cálculo, pelo padrão, pela verdade que se revela nos produtos que produzimos e consumimos. Mais uma vez renunciamos à nossa capacidade de pensar por nós mesmos e assumimos uma verdade, um padrão externo que nos é imposto.
Quando os autores destacam a alienação dos homens, a coisificação do espírito e o enfeitiçamento dos homens entre si e de cada indivíduo em relação a si mesmo, eles identificam essa condição com a elevação da ciência aplicada, que justifica, entre outras coisas, a divisão do trabalho e a crescente especialização.
Essa condição, segundo Adorno e Horkheimer, tem produzido profundas alterações nos modos de ser e de viver na sociedade. As pessoas passam a ser padronizadas como os produtos que elas fabricam e consomem.
Atenção para o fato de que, com a modernidade, valorizou-se sobremaneira o progresso técnico e a autonomia com relação à natureza e mesmo com relação aos outros homens, fazendo com que os indivíduos considerem a racionalidade um meio para atingirem o progresso de forma individual. No entanto, no momento em que os homens buscam a autonomia, acabam sendo subordinados por uma racionalidade que não pretende fazê-los progredir como homens, mas como objetos coisificados.
Em suma, tornam-se submissos à racionalidade técnica e ao objetivo de controle social e da natureza.
A razão instrumental refere-se a esse processo de conhecimento que pretende a dominação do mundo, o controle total da natureza e dos homens entre si. É por intermédio dela que o conhecimento e a técnica assumem tais objetivos.
É um ideal da modernidade a transformação da natureza e dos demais seres humanos em algo que se pode usar ou não. Não apenas a natureza: tudo se torna um objeto que se pode usar e descartar, inclusive homens e mulheres.
1.                Segundo Stirner, todos nós somos um pouco egoístas. O que fazer com nosso egoísmo? Devemos assumi-lo ou lutar contra ele?
2.                       O que a sociedade cristã e moderna procura criar, segundo Stirner?
3.                       Quem somos nós, segundo Stirner?
4.                       O que é egoísmo, segundo Stirner?
5.                       Como seria a sociedade, se cada um assumisse seu egoísmo?
6.                       O que criaram os homens, na tentativa de superarem as adversidades do meio?
7.                       Segundo Stirner, por que os homens produziram a Cultura?
8.                     Por que, Segundo Stirner os homens não deixaram de ser submissos, apenas trocaram de senhor?
9.                       Explique o que é razão instrumental e cultura de massa.
10.                   Onde se encontra a cultura de massa e qual é a estratégia dessas empresas?
11.                   Pesquisar as biografias com os temas trabalhados no texto, de Max Stirner, Theodor Adorno e Max Horkheimer.
                                                                                                                      Prof. Manoelito

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