Neste texto vamos tratar da formação do
indivíduo para além do contexto da moral normativa. Procuramos chamar a atenção
para a perspectiva da formação do indivíduo a partir dos interesses individuais
partindo da perspectiva de Max Stirner. Em um segundo momento, passamos para
uma breve consideração sobre o indivíduo diante da razão instrumental e da
indústria cultural. A partir dessas abordagens, objetiva-se fazer com que vocês
pensem em função de suas relações sociais de desejo e de identidade, com o
intuito de que possa emergir a individualidade, atentando para evitar as
condutas massificadas.
Todos nós somos um pouco egoístas? O que
fazer com nosso egoísmo? Devemos assumi-lo ou lutar contra ele? Para Stirner, o
homem é um ser egoísta, embora não saiba o que fazer com seu egoísmo. Assim, o
pensador propõe que cada um deve assumir seu egoísmo, tornando-se dono de si
mesmo. Quando as pessoas procuram se libertar do egoísmo servindo a Deus, na
verdade acabam servindo aos líderes religiosos e a si mesmas, de maneira
parcial. Deus é uma ideia para o indivíduo, independentemente de existir ou
não. O homem só serve a ele por pensar que Deus existe, e será feliz assim.
Quando as pessoas procuram servir à sociedade, elas acabam servindo a líderes
políticos, pois a sociedade ou a nação também são ideias. Quando as pessoas
procuram trabalhar, cada vez mais e melhor, para servir à honestidade, na
verdade estão servindo aos empregadores, com a perspectiva de que eles reconheçam
o esforço.
Portanto, as ideias de Deus e de nação são
afastamentos parciais de nós mesmos. Quando acreditamos que somos seres
espirituais, feitos por e para as ideias, achamos que devemos segui-las. Desse
modo, pensamos egoisticamente: vou servir a Deus, porque lucrarei com isso indo
para o céu, ou vou servir à sociedade, porque terei prestígio e serei
considerado bom. No entanto, se chegássemos à conclusão de que somos corpo,
então serviríamos a nós mesmos em totalidade. Segundo Stirner, a sociedade cristã
e moderna procura criar um indivíduo com aparência de livre, mas que, no fundo,
é escravo da razão, da fé ou do Estado. Todas essas instâncias e entidades
prometem a liberdade, desde que renunciemos de alguma forma a nós mesmos, pois
não existe liberdade interior, havendo somente aquela que é vivida longe de
qualquer forma de servidão.
Então, quem somos nós? Stirner responde à
pergunta, afirmando que somos um poço de desejos e não devemos ouvir as vozes
da consciência, nem da sociedade e muito menos de Deus, pois elas escondem
egoístas que lucram com isso. Desse modo, o egoísmo é a chave para vivenciarmos
definitivamente nossos desejos, pois se for para sermos escravos de alguém,
então que o sejamos de nós mesmos.
Como
seria a sociedade? Se cada um assumisse seu egoísmo,
fazendo o bem aos outros por interesse (eu faço você feliz para você me fazer
feliz), não haveria intrigas nem lutas, pois cada um seria tão diferente do
outro, a ponto de não poderem sequer discordar. O problema das intrigas e das
lutas é que nós nos imaginamos parecidos com os outros e agimos por egoísmo
disfarçado, adormecido. Julgamos, ainda, os outros como falsos, quando nós
também somos. Por isso, nem realizamos nossos desejos, nem alcançamos nossos
ideais.
O
indivíduo e a Cultura- Segundo Max Stirner, na tentativa
de superarem as adversidades do meio, os homens criaram, ao longo da história,
modos e instrumentos para superar e dominar a natureza (interna e externa).
Contudo, nessa incessante busca de sair dos domínios da natureza, os homens
acabaram sendo dominados e servindo a outro senhor. Ou seja, ao buscar
libertar-se da natureza, acabaram sendo subjugados por outras forças. Para
fugir da imprevisibilidade, do acaso, e aumentar as condições de manutenção da
vida, os homens produziram a Cultura. Por meio da Cultura, inverteram a sua
posição em relação à natureza e, de dominados, passaram a dominar e, assim,
conseguiram minimizar a influência do determinismo natural, mas tornaram-se
vítimas do determinismo cultural. Ou seja, não deixaram de ser submissos,
apenas trocaram de senhor.
“A
cultura [...], a religiosidade dos homens, tornou-os livres, mas livres apenas
de um senhor, para logo os entregar a outro. A religião ensinou-me a dominar os
meus desejos, a astúcia permite-me quebrar a resistência do mundo, e é-me dada
pela ciência; nem já a um outro homem sirvo [...]. Do mesmo modo, libertei-me
da determinação irracional pelos meus sentidos, mas continuei fiel à dominadora
chamada... razão. Ganhei a “liberdade espiritual”, a “liberdade do espírito”.
Com isso, eu tornei-me súdito do espírito. O espírito dá-me ordens, a razão
orienta-me, são ambos meus guias e senhores. [...] A liberdade de espírito
significa a minha servidão. ” STIRNER, Max. O único e a sua propriedade.
Tradução João Barrento. Lisboa: Antígona, 2004. p. 260.
A
razão instrumental
Quem nós copiamos? Os pensadores da Escola
de Frankfurt, diante do fenômeno do totalitarismo, buscaram uma justificativa,
uma explicação que possibilitasse entender que a racionalidade estava por trás
do horror totalitário. Nessa busca, reconheceram as demandas de uma sociedade
tecnocrática fundada em uma razão instrumental. Nessa perspectiva, a sociedade
totalitária, baseada na já referida razão instrumental, impõe a todos os seus
membros um padrão, uma dinâmica, uma medida, que visa unicamente à produção e à
eficiência. A razão instrumental estaria preocupada com os fins que também
caracterizam o sistema de exploração capitalista. Por isso, diante das forças
econômicas, os indivíduos acabariam reduzidos a uma massa indistinta e
indiferente ao que acontece ao seu redor.
Para que esse sistema histórico-social,
que produz cotidianamente essa massa indistinta, porém útil para alavancar a
produção e o consumo possa continuar intacto, isto é, fortalecido, inventou-se
uma maneira muito poderosa de fazer com que as pessoas não usem sua razão
crítica para criar sua individualidade, tornando-se verdadeiras cópias de
outras pessoas igualmente artificiais. Assim, a razão instrumental acabou
gerando a cultura de massa, que é a industrialização e produção em série de
mercadorias culturais, que produzem, por sua vez, individualidades falsas ou
pseudoindividualidades.
“Na
indústria, o indivíduo é ilusório não apenas por causa da padronização do modo
de produção. Ele só é tolerado na medida em que sua identidade incondicional
com o universal está fora de questão. Da improvisação padronizada do jazz até
os tipos originais do cinema, que têm de deixar a franja cair sobre os olhos
para serem reconhecidos como tais, o que domina é a pseudoindividualidade. O
individual reduz-se à capacidade do universal de marcar tão integralmente o
contingente que ele possa ser conservado como o mesmo. Assim, por exemplo, o ar
de obstinada reserva ou a postura elegante do indivíduo exibido numa cena
determinada é algo que se produz em série exatamente como as fechaduras Yale,
que só por frações de milímetros se distinguem umas das outras. As
particularidades do eu são mercadorias monopolizadas e socialmente condicionadas,
que se fazem passar por algo natural. Elas se reduzem ao bigode, ao sotaque
francês, à voz grave de mulher de vida livre [...]: são como impressões
digitais em cédulas de identidade que, não fosse por elas, seriam rigorosamente
iguais e nas quais a vida e a fisionomia de todos os indivíduos – da estrela do
cinema ao encarcerado – se transformam, em face ao poderio do universal. A
pseudoindividualidade é um processo para compreender e tirar da tragédia sua
virulência: é só porque os indivíduos não são mais indivíduos, mas sim meras
encruzilhadas das tendências do universal, que é possível reintegrá-los
totalmente na universalidade. A cultura de massas revela assim seu caráter
fictício que a forma do indivíduo sempre exibiu na era da burguesia, e seu único
erro é vangloriar-se por essa duvidosa harmonia do universal e do particular”.
Nesse importante texto da Escola de
Frankfurt, Adorno e Horkheimer apresentaram a cultura de massa ou a indústria
cultural, que submetem a arte e as manifestações culturais às leis de mercado.
A beleza que fazia que o homem compreendesse a profundidade de sua existência
há dois séculos revelou-se efêmera e superficial, esvaindo-se com a moda. Em
resumo, mostraram os filósofos, que o mais importante não é construir a si
mesmo, mas copiar quem está na propaganda, o personagem do cinema, da novela ou
a mais recente atração do mundo “pop”.
Mas onde se encontra a cultura de massa?
No rádio e na televisão, nos jornais e revistas, no cinema, nos shows e na
propaganda, em geral, isto é, nos meios de comunicação de massa.
Qual é a estratégia dessas empresas?
Convencer as pessoas de que elas são livres para escolher o que é melhor, mas
insistindo que o melhor é sempre o próprio produto. Além disso, tentam
transformar tudo em entretenimento, por exemplo:
ü
Todas as rádios tocam as melhores músicas.
O ritmo da juventude, o som do amor. Já aquelas que afirmam tocar as melhores músicas
da semana, mas ocultam quanto pode ter sido pago para que estas fossem
consideradas as melhores.
ü
0s jornais e revistas sempre
afirmam seu compromisso com a verdade. Como sabemos, a verdade jornalística
vende, principalmente quando se faz uma “grande denúncia”. Passado o impacto e
esgotadas as edições a “grande denúncia” acaba esquecida.
ü
No cinema e nas telenovelas, tudo
tem um final quase sempre previsível e os melhores efeitos especiais ajudam os
pseudoartistas, que apresentam sempre corpos masculinos fortes e corpos
femininos sensuais. Na maioria das vezes, pessoas seminuas, vivendo uma história
pronta, com começo, meio e final feliz, como se a vida fosse assim.
ü
Nos shows, a eletrônica, os
dançarinos e a iluminação ajudam a disfarçar os limites das vozes dos cantores.
0 gelo-seco produz uma emoção que a canção não é capaz de criar. O volume alto
do som empurra todo mundo para o balanço de músicas sem sentido e, muitas
vezes, malfeitas, mas se trata do cantor ou cantora que todos escutam.
ü
Na televisão, o artista que, em um
programa, se confessa engajado, acaba vendendo ilusões nas propagandas do
intervalo, vampirizando aposentados e pensionistas, prometendo empréstimos a
juros baixíssimos, “os menores do mercado”.
Dessa maneira, ao trocar o pensar pelo
sentir, os indivíduos passam a compor um mosaico, construído com pedrinhas das
ideologias vinculadas aos sistemas de mass media. Renunciando à construção de
si, funcionam como cópias de máscaras, vendo-se apenas montagens, não
realidades. Com isso, assumem como seus os desejos criados pela propaganda:
compre isto para ser assim; seja interessante sendo assim ou – mais
sinceramente – você é aquilo que você pode pagar; você não se adapta ao modelo,
não serve etc.
No entanto, as pessoas acabam sofrendo por
não ter as falsas maravilhas que veem nos meios de comunicação ou por ser
diferentes do modelo de homem ou mulher anunciado pela propaganda. E isso
também inclui de modo decisivo a criança, fazendo que a sensação de sofrimento
e frustração comece na infância, com os brinquedos caros que não pode comprar,
terminando na velhice esquecida, pois é da juventude que a televisão gosta e
ensina os telespectadores a gostar.
Quase todas as mercadorias que estão à
venda, música, dança, imagens, cheiros, sabores, roupas – trazem consigo a
ideia de um estilo, que deve ser comprado ou imitado.
Com a indústria cultural, além das artes,
a religião e o esporte também viraram produtos. As pessoas deixam de praticar a
religião e o esporte para assistir a eles pela televisão. Para encontrar o
sagrado, não é mais necessário estar com os demais fiéis e fazer orações com
eles, basta ligar a televisão ou o rádio no horário marcado e será possível ter
o sagrado em domicílio. Com o esporte, é mais fácil comer pipoca na frente da
TV do que ir ao estádio ou jogar aquela “pelada” com os amigos. Como se vê,
todas as emoções estão à venda, mas duram pouco, de modo que voltemos
rapidamente a comprar outras.
Dialética do esclarecimento (Reflexão)
O trecho destacado do livro “Dialética do
esclarecimento traz uma profunda reflexão sobre como o avanço do capitalismo mediante
a mentalidade tecnológica retém os homens numa lógica de produção e consumo padronizados.
No excerto, os filósofos constatam que o racional pode ser irracional, que a
mesma razão que instrumentaliza torna-se instrumento, que a mesma razão que
emancipa pode subjugar. Ou seja, a razão pode produzir o inverso do que se propõe.
Os autores chamam a atenção para um comportamento
que se instaura na sociedade contemporânea: negar tudo o que não pode ser
calculado, ordenado ou classificado, ou seja, controlado. Essa característica
da sociedade contemporânea ocidental opera na mesma lógica do mito, só que por
outro viés.
Nesse caso, forças exteriores assumem o
controle da vida dos homens. Essas forças exteriores – antes deuses, anjos ou
demônios – agora são pautadas no cálculo das ciências aplicadas e da economia.
Segundo Adorno e Horkheimer, a
racionalidade técnica ou a razão instrumental, assim como o mito, evita a
contradição e procura estabelecer identidades. Dessa forma, expressa e
interpreta os fatos e os eventos de acordo com a sua própria lógica de classificação
e dela nada escapa. Tanto a racionalidade técnica como o mito operam no mesmo
sentido de enfraquecer a capacidade reflexiva e crítica. Se não somos mais
submetidos ao medo do sobrenatural, governados por seres mágicos, agora somos
governados pelo cálculo, pelo padrão, pela verdade que se revela nos produtos
que produzimos e consumimos. Mais uma vez renunciamos à nossa capacidade de
pensar por nós mesmos e assumimos uma verdade, um padrão externo que nos é
imposto.
Quando os autores destacam a alienação dos
homens, a coisificação do espírito e o enfeitiçamento dos homens entre si e de
cada indivíduo em relação a si mesmo, eles identificam essa condição com a
elevação da ciência aplicada, que justifica, entre outras coisas, a divisão do
trabalho e a crescente especialização.
Essa condição, segundo Adorno e
Horkheimer, tem produzido profundas alterações nos modos de ser e de viver na
sociedade. As pessoas passam a ser padronizadas como os produtos que elas
fabricam e consomem.
Atenção para o fato de que, com a modernidade,
valorizou-se sobremaneira o progresso técnico e a autonomia com relação à
natureza e mesmo com relação aos outros homens, fazendo com que os indivíduos
considerem a racionalidade um meio para atingirem o progresso de forma
individual. No entanto, no momento em que os homens buscam a autonomia, acabam
sendo subordinados por uma racionalidade que não pretende fazê-los progredir como
homens, mas como objetos coisificados.
Em suma, tornam-se submissos à racionalidade
técnica e ao objetivo de controle social e da natureza.
A razão instrumental refere-se a esse
processo de conhecimento que pretende a dominação do mundo, o controle total da
natureza e dos homens entre si. É por intermédio dela que o conhecimento e a
técnica assumem tais objetivos.
É um ideal da modernidade a transformação da
natureza e dos demais seres humanos em algo que se pode usar ou não. Não apenas
a natureza: tudo se torna um objeto que se pode usar e descartar, inclusive
homens e mulheres.
1. Segundo Stirner, todos nós somos um
pouco egoístas. O que fazer com nosso egoísmo? Devemos assumi-lo ou lutar
contra ele?
2.
O que a sociedade cristã e moderna
procura criar, segundo Stirner?
3.
Quem somos nós, segundo Stirner?
4.
O que é egoísmo, segundo Stirner?
5.
Como seria a sociedade, se cada um
assumisse seu egoísmo?
6.
O que criaram os homens, na
tentativa de superarem as adversidades do meio?
7.
Segundo Stirner, por que os homens
produziram a Cultura?
8. Por que, Segundo Stirner os homens
não deixaram de ser submissos, apenas trocaram de senhor?
9.
Explique o que é razão instrumental
e cultura de massa.
10.
Onde se encontra a cultura de massa
e qual é a estratégia dessas empresas?
11.
Pesquisar as biografias com os
temas trabalhados no texto, de Max Stirner, Theodor Adorno e Max Horkheimer.
Prof. Manoelito
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