terça-feira, 10 de maio de 2016

INTRODUÇÃO À FILOSOFIA DA CIÊNCIA


O objetivo é desenvolver uma imagem crítica da Ciência, com base no pensamento de Karl Popper e Thomas Kuhn, desdobrando a questão para tratar de temas como indução e dedução. Nas primeiras aulas, vamos discutir o problema da indução como base de verdade; logo após, apresentaremos o chamado falsificacionismo, como alternativa para tratar do problema da indução, e discutiremos o paradigma de Kuhn.
Bloco 1: Todos os homens vivos respiram. / Meu irmão é um homem vivo. / Portanto, meu irmão respira.
Bloco 2: Meu irmão respira. / Meu irmão é um homem vivo. / Portanto, todos os homens vivos respiram.
No segundo caso, o argumento não está completo: as duas afirmações (meu irmão respira e meu irmão é ser vivo) não permitem afirmar de forma generalizada que todos os homens respiram. O argumento é inválido, porque a conclusão toma por verdade apenas uma possibilidade: por mais verdadeiras que sejam as inferências, a conclusão pode não ser verdadeira.
Para muitos filósofos, na Ciência, a dedução toma o seguinte sentido: temos um conhecimento teórico e por ele agimos, ou por ele conhecemos outras dimensões do mundo. Por exemplo, a lei da gravitação Universal de Isaac Newton diz que todos os corpos se atraem segundo uma força derivada de suas massas e sua distância. Desse modo, quando um objeto qualquer cai, na verdade, ele foi atraído pelo planeta. A massa do objeto é atraída pela massa do planeta. Portanto, ao soltar uma bolsa, ela será atraída pela força gravitacional da Terra.
Por dedução, podemos dizer que os objetos, como a bolsa, são atraídos pelo planeta; por isso, de alguma forma, acreditamos que tudo cai, porque sabemos que há uma Lei da gravidade e, com base nela, é possível prever um acontecimento. Além disso, ela é logicamente válida.
A seguir, vamos refletir sobre a possibilidade de chegar a teorias e leis que valem tanto para a realidade como para a lógica; desse modo, será possível compreender melhor o que são indução e dedução.
Indução, ou dados obtidos a partir de experiências
   O livro de Matemática tem exercícios com frações.

Criação da lei ou teoria
    Exercícios com frações são difíceis.

Exercício de dedução
    Logo, os livros de Matemática são difíceis, porque têm
   exercícios com frações.


POR UMA VISÃO CRÍTICA DA CIÊNCIA
O conceito não crítico de Ciência, isto é, aquele que se utiliza da indução.
ü  Com base na observação de grande número de experiências, por meio dos cinco sentidos, cria-se uma lei ou uma teoria;
ü  Ao se repetirem as condições enunciadas nessa lei, pode-se prever um acontecimento.
ü  Isso garantiria a objetividade do conhecimento científico, isto é, ele não dependeria da opinião das pessoas, mas poderia ser comprovado por todos os seres humanos.
ü  Com a indução, parte-se do particular para o universal; esse conceito utiliza a generalização para criar leis e teorias científicas.
ü  Com as leis e as teorias científicas, é possível, por meio da dedução, prever e explicar acontecimentos.
A Ciência é uma atividade racional e, por isso, vale-se das regras da lógica para fundamentar seus conhecimentos. No entanto, a indução não parte das regras lógicas para se legitimar. Ela parte da experiência. A experiência pode parecer racional, mas não é, pois está envolvida com os sentidos, e não com o raciocínio.
Leiam o texto a seguir e analisem como David Hume propôs o problema
“Parte II 28. Mas nós ainda não atingimos algo minimamente satisfatório com relação à questão primeiramente proposta. Cada solução ainda levanta uma nova questão tão difícil quanto a que a precede, e nos leva a mais questionamentos. Quando se pergunta, qual a natureza de todos nossos argumentos com relação a fatos reais? A resposta adequada parece ser a que eles são baseados na relação de causa e efeito. Quando novamente se pergunta, qual a fundamentação de todos os nossos argumentos e conclusões referentes a tal relação? Pode-se responder em uma só palavra: experiência. Mas se ainda quisermos dar continuidade a nosso humor investigativo, e perguntarmos. Qual a fundamentação de todas as conclusões baseadas na experiência? Isso implicaria uma nova questão, que pode ser de mais difícil solução e explicação. Filósofos, que se dão ares de sabedoria e suficiência superiores, têm uma árdua tarefa quando encontram pessoas com disposição investigativa, que os empurram para fora de todos os cantos em que se recolhem, e que certamente trazem a eles algum dilema perigoso. O melhor expediente para prevenir essa confusão é sermos modestos em nossas pretensões; e até mesmo descobrir a dificuldade nós mesmos antes de esta nos ser direcionada. Desse modo, podemos fazer de nossa ignorância uma espécie de mérito. ” HUME, David. An enquiry concerning human understanding. Essays and treatises on several subjects. p. 42. Disponível em: <http://goo.gl/b6NXkl>. Acesso em: 29 out. 2013. tradução Eloisa Pires.
Vamos rever o que é a indução, agora com um exemplo dado por Bertrand Russell.
“Certo peru foi alimentado, durante um ano, às 9 horas (dado). Ele criou, então, uma lei: sou alimentado todos os dias às 9 horas (teoria).  Amanhã, às 9 horas, serei alimentado (previsão).
No entanto, houve um problema com a previsão do peru, pois, no dia seguinte à sua previsão, ele foi degolado porque era véspera de Natal e ele seria servido na ceia. ”
Por que a previsão do peru falhou? Porque leis e teorias são questionáveis, nada na natureza tem o dever de seguir nossas leis científicas. Por isso, se um dia o Sol se puser e, no outro, não amanhecer, o que impediria a ocorrência? Ora, as leis da natureza são as interpretações que fazemos dela. Cada princípio científico pode ser contrariado pela natureza porque não é fundamentado pela razão, mas pela experiência. Nós prevemos alguns eventos como se fosse um hábito psicológico. Por exemplo, o que garante que, ao soltar um lápis, ele vai cair? A Lógica não pode garantir isso; afinal, ela trata de palavras e conhecimentos, e nunca da realidade. A experiência é sempre única, e a queda de um lápis não tem relação com a queda de outro. Em resumo, nada garante que o lápis vá cair. Por isso, quando consideramos a Ciência como uma garantia da verdade, temos uma visão acrítica dela. Há, ainda, dois outros problemas que precisamos discutir a respeito da indução, como fundamento da Ciência. São eles:
ü  A observação como fonte objetiva; e  A relação teoria-experiência.
Afirma-se, constantemente, que da observação das experiências tiramos os conhecimentos. Mas será que cada um de nós observa da mesma maneira? Será que nossa visão, nossa audição, nosso paladar, nosso tato e nosso olfato são iguais aos dos outros seres humanos? As pessoas podem observar uma mesma situação de modos diferentes.
Quais são os limites da observação? As percepções que vêm dos sentidos não são as mesmas para todos, já que as pessoas podem observar uma mesma situação de formas diferentes.
Enfim, a observação tem problemas em relação à objetividade da Ciência, e também com a crença de que dela derivam todas as teorias. Seria muito difícil acreditar que, quando um cientista realiza uma experiência, ele o faça partindo do nada. Ele tem muitas teorias anteriores à experiência, e, algumas vezes, é com base nelas que ele irá produzir a própria experiência a ser observada. Isso aparece principalmente quando, durante a observação, o cientista usa o vocabulário de uma teoria para expressar sua percepção. Por exemplo, para explicar a experiência de um livro que foi solto no solo, um físico poderia dizer, em sua observação, que a força gravitacional da massa do planeta Terra é que atraiu para ele, segundo sua distância, a massa do livro. Onde está a palavra “força” no ato de soltar um livro? E “atração”? Todas essas palavras estão na mente do cientista antes da experiência.
Na vida cotidiana, podemos encontrar vários exemplos de percepções com vocabulário derivado de outras teorias. Por exemplo, se dissermos: “o vento empurrou o lixo para dentro da sala”, já apresentamos teorias. Inicialmente, que o lixo pode ser empurrado, e que o ato de ele entrar na sala foi em função de algo externo, uma vez que não seria capaz de entrar na sala sozinho: temos, aqui, uma teoria da inércia do lixo. Segundo, mesmo sem podermos ver, sabemos que o vento é capaz de movimentar outras coisas: temos, aqui, uma teoria da capacidade de o vento empurrar. Se, no cotidiano, temos teorias, seria absurdo imaginar que os cientistas gastariam montanhas de dinheiro para fazer pesquisas sem uma teoria prévia do que eles pretendem experimentar.
Como exemplo, observem pequenos fenômenos na sala de aula. Os fenômenos, como “o Sol atravessa o vidro e aquece a carteira”.  Percebam as pequenas teorias que acompanham essa afirmação. Por exemplo, o Sol é quente e emite raios de calor; o vidro é transparente e permite a passagem de calor e de luz; a carteira recebe calor e fica aquecida. Assim, por meio da percepção, do vocabulário de outras teorias e de inferências, é possível elaborar pequenas teorias. Nesse contexto, podemos afirmar que a Ciência é uma atividade humana que contempla, entre outros procedimentos, observações, interpretações e análises de fenômenos (no exemplo mencionado, os raios solares incidem verticalmente sobre um material sólido e transparente, atravessando-o e incidindo sobre objetos).
O falsificacionismo, Karl Popper
Depois de termos visto alguns problemas sobre a indução, vamos estudar agora alguns filósofos que reconheceram a importância da atividade científica. Embora admita-se que ela não é capaz de dar todas as respostas e se entenda que é baseada na indução, acreditamos que, ainda assim, a Ciência oferece as melhores respostas disponíveis.
Para os falsificacionistas – entre os quais Karl Popper é um dos mais importantes –, o valor de um conhecimento científico não vem da observação de experiências, mas da possibilidade de a teoria ser contrariada, ou melhor, falseada. Em um primeiro momento, acreditava-se que a Ciência comportaria todas as verdades, com base na criação de teorias e leis que surgiriam pela observação de experiências – essa é a crença de indutivistas. Com a ideia de que a teoria precede a experiência, os falsificacionistas admitem que toda explicação científica é hipotética; no entanto, é o melhor que temos.
Quanto mais uma teoria pode ser falseada, melhor seria ela. Por exemplo, ignorando a pressão atmosférica e outros fatores, se dissermos que “a água ferve a 100 graus Celsius”, qual é a contradição possível, ou melhor, o que tornaria falsa essa afirmação? A resposta seria: ao chegar a 100 graus Celsius, a água não ferveria, ou ferveria antes. No momento em que uma teoria é falseada, o cientista tentará melhorá-la ou a abandonará. Mas, enquanto ela não é falseada, permanece seu valor explicativo. O fundamental é que tenhamos em mente o seu limite. As teorias têm de dizer algo bem objetivo sobre o mundo, para sermos capazes de conceber sua falsificabilidade.
Critérios para uma boa teoria
ü  Tem de ser clara e precisa, não pode ser obscura nem deixar margem para várias interpretações. Quanto mais específica, melhor;
ü  Deve permitir a falsificabilidade; quanto mais, melhor;
ü  Deve ser ousada, para conseguir progredir em busca de um conhecimento mais aprofundado sobre a realidade.
Teorias que não podem ser falseadas não são boas teorias. Por exemplo, se alguém disser que “o ladrão rouba”, não estará dizendo muita coisa sobre o mundo. Apesar de parecer clara, essa afirmação não pode ser falseada; afinal, está contida na palavra “ladrão” a ideia de que ela qualifica os seres que roubam. Ninguém precisa dizer “o ladrão rouba” para sabermos que ele rouba. É impossível contradizer essa afirmação, pois é completamente irracional pensarmos em um ladrão que não rouba.
Outro exemplo: se dissermos “é possível ter sorte no esporte”, também não diremos muita coisa. Não estamos sendo precisos, uma vez que muitas outras coisas são possíveis no esporte. A própria ideia de que algo é possível permite quase tudo, mas como medir a sorte ou saber que não foi o acaso? Essa frase serve tanto para perder quanto para ganhar, não é capaz de ser falseada. Pode ser a sorte de um time ou de outro; pode ser até mesmo a sorte dos dois, mas nunca deixará de ser sorte de alguém.
O progresso da ciência
Para os falsificacionistas, a Ciência progride pela tentativa de superação das teorias. Com base nas considerações de Alan Chalmers, no livro O que é Ciência afinal? Podemos pensar o progresso da Física segundo os falsificacionistas.
O primeiro grande físico seria o filósofo Aristóteles. Sua teoria explicava por que os objetos caíam (para encontrar seu lugar natural) ou, também, como funcionava o sifão (a impossibilidade do vácuo). A física de Aristóteles foi falseada várias vezes. A física de Newton era capaz de explicar melhor do que a física de Aristóteles diversos fenômenos; por exemplo, a lei da gravidade era melhor que a teoria da Posição Natural, esta refutada há bastante tempo. No entanto, a física de Newton não explicava alguns fenômenos, como a órbita do planeta Mercúrio. A física de Albert Einstein, por sua vez, era capaz de explicar não só os pontos em que a física de Newton era bem-sucedida, como o que foi refutado dessa teoria. Agora, os cientistas procuram ir além. A teoria de Einstein é melhor que a de Aristóteles e que a de Newton; no entanto, apesar de ser a melhor disponível, poderá ser superada um dia, pois o melhor que temos não é o definitivo.
O não científico na ciência
Muitos filósofos se interessaram em pensar de forma crítica a Ciência, seus fundamentos, seus limites e seu progresso. Agora, vamos discutir a reflexão de Thomas Kuhn a respeito da Ciência, vista por ele como uma construção histórica. Em primeiro lugar, é importante salientar que a Ciência é uma atividade racional e humana. Como muitas outras, é influenciada por problemas humanos de natureza variada, como emocionais, políticos, linguísticos, sociais e religiosos.
Kuhn percebeu que essas influências são inerentes à racionalidade humana e se propôs a pensar a Ciência com base nelas e de acordo com a seguinte linha de desenvolvimento:  1. Pré-Ciência, 2. Ciência normal, 3. Crise, 4. Revolução científica e 5. Nova Ciência normal.  O conceito mais importante para Kuhn é o de paradigma, que é o modelo da Ciência normal. Durante um tempo, todos os cientistas procuram orientar suas pesquisas com base em um modelo, de maneira a preservar a verdade científica. O que não se encaixar nesse modelo será excluído; será considerado anomalia, mas isso também pode indicar que o cientista não aplicou corretamente o modelo e sua metodologia. Para Kuhn, o determinante das normas da Ciência é o paradigma aceito pelos cientistas. Mas, por motivos nem sempre racionais, os cientistas mudam de paradigma, após uma crise da Ciência normal, o que, em geral, é fundamentado na anomalia, isto é, quando a Ciência normal não consegue responder a alguns problemas, como a órbita de Mercúrio para a física newtoniana.
Essa crise estende-se até uma revolução científica, quando a maneira de fazer Ciência muda completamente. Quando ocorre essa mudança, segundo Kuhn, chega-se a uma nova Ciência normal, praticada, a partir desse momento, de acordo com um novo paradigma.
É preciso considerar que a racionalidade científica encontra problemas dentro e fora de seu espaço de ação. Dentro desse espaço são as anomalias e, fora dele, são as necessidades humanas da pesquisa científica. Instituições, empresas e governos procuram fazer que a Ciência seja orientada por seus interesses, não apenas por mera curiosidade.
Com base no texto, responda as seguintes questões:
1.       Qual é a natureza de todos os nossos raciocínios sobre os fatos, segundo Hume?
2.       De acordo com Hume, qual é o fundamento de todos os nossos raciocínios e conclusões sobre a relação de causa e efeito?
3.       Por que Hume vê um problema na fundamentação das conclusões por meio da observação da experiência?
4.       Para muitos filósofos, na Ciência, que sentido a dedução toma?
5.       Por que a previsão do peru falhou?
6.       Quais são os problemas que precisamos discutir a respeito da indução, como fundamento da Ciência.
7.       Por que as percepções que vêm dos sentidos não são as mesmas para todos?
8.       Os fenômenos, como “o Sol atravessa o vidro e aquece a carteira”. Nesse contexto, o que podemos afirmar?
9.       Para os falsificacionistas, entre os quais Karl Popper é um dos mais importantes, de onde vem o valor de um conhecimento científico?
10.   Para os falsificacionistas, quais são os critérios para uma boa teoria cientifica?
11.   Para os falsificacionistas, como a Ciência progride?
12.   Explique a linha de desenvolvimento da ciência proposta por Thomas Kuhn.
13.   O que é um paradigma, segundo Thomas Kuhn?
14.   Pesquisar vida e obras de Karl Popper, Thomas Kuhn, David Hume e as expressões: “Ciência”, “termo científico”, “Hipótese”, “tese”, “Indução” e “Dedução”.



PROF. MANOELITO

Nenhum comentário:

Postar um comentário