sábado, 28 de maio de 2016

FILOSOFIA DA CULTURA – MITO E CULTURA

O objetivo do texto é problematizar os aspectos simbólicos e filosóficos da cultura. Para isso, iniciaremos a abordagem com a leitura do mito de Eros, constante no diálogo platônico O banquete; em seguida, trataremos do pensamento de Ernest Cassirer. Com isso, vamos refletir sobre alguns problemas relativos ao conceito de cultura. Enfim, debateremos os conceitos de etnocentrismo, relativismo cultural e alteridade.

O que é o amor? Poetas e filósofos da Grécia Antiga, no período que abarca os séculos VIII, VII e VI a.C., registraram diferentes interpretações para compreender o amor e sua importância para os seres humanos. Hesíodo, poeta grego do século VIII a.C., escreveu a obra Teogonia, na qual descreve em poemas a origem dos deuses gregos. Para ele, o deus do amor, Eros, era filho do primeiro deus manifesto no mundo: Caos. No poema de Hesíodo, Eros é um deus de extrema beleza e capaz de organizar o mundo, fazendo com que os seres saiam do caos e construam o cosmo. Em grego antigo, “caos” significa o início sem ordem, e “cosmo” é o mundo organizado. Eros é o deus capaz de unir os seres e de organizar o mundo. 

Porém, na própria Antiguidade grega, há outra interpretação para a origem e o papel desse deus. Posterior à obra de Hesíodo, outro modo de interpretar o amor está registrado no diálogo O banquete, de Platão. A obra nos conta que, no mesmo dia em que nasceu Afrodite, deusa da beleza, Poros e Penia se encontraram e conceberam Eros, deus do amor sensual. A vida desse deus é marcada pela necessidade da presença e da posse de um outro. Para suprir essa carência constante, Eros conta com sua extraordinária inteligência, e, por ter nascido no mesmo dia em que Afrodite, com uma beleza incomum, qualidades que, combinadas, o habilitam a seduzir, conquistar e dominar os que despertam a sua paixão. A associação de Eros à deusa Afrodite foi interpretada por poetas posteriores a Hesíodo como uma relação de mãe e filho. Há uma tradição bastante divulgada sobre a Mitologia grega que apresenta Eros como filho de Hermes e Afrodite.

O banquete (o amor, o belo)

Por ocasião do nascimento de Afrodite, os deuses celebraram com uma grande festa e, entre eles, estava Porus (a Abundância), filho de Métis. Após a ceia, Penia (a Penúria), percebendo tanta fartura, veio mendigar as sobras e encostou-se junto à porta. Porus, embriagado pelo néctar dos deuses, já que o vinho ainda não havia sido inventado, entra no jardim de Zeus e cai em sono profundo. Penia, desejosa de gerar um filho de Porus para superar sua situação de penúria, deita-se junto a ele e, nesse encontro, Eros é concebido. Eros é, portanto, seguidor e servo de Afrodite, pois foi concebido no dia do nascimento dessa deusa, e também por ser naturalmente um amante de tudo o que é belo, e Afrodite era bela. E por ser filho da Penúria e da Abundância, Eros partilha da natureza e do destino de seus pais. Ele é eternamente pobre, e longe de ser delicado e belo como imaginado pelos homens, é esquálido e enrugado; seu voo é raso junto ao chão e ele não tem morada ou sapatos; dorme ao relento junto aos umbrais das portas, em ruas desprotegidas; possuindo, assim, a mesma condição de sua mãe, ele é eternamente insaciável.

Mas, visto que traz algo de seu pai, ele está sempre a fazer planos para obter coisas que sejam boas e belas; ele é destemido, veemente e forte; um caçador cruel, sempre está a tramar novas armadilhas; extremamente cauteloso e prudente, possui inúmeros recursos; é também, ao longo de toda sua existência, um filósofo, um poderoso sedutor, um mago e um sofista sutil. E, por não ser nem mortal nem imortal, no mesmo dia em que pode ser bem-aventurado e bem-sucedido, ele irá simultaneamente florescer e morrer para, em seguida, e de acordo com a natureza de seu pai, renascer novamente. Tudo o que conquista, escapa-lhe continuamente, de tal modo que Eros não é jamais rico ou pobre, e encontra-se permanentemente em um estado intermediário entre a ignorância e a sabedoria.  PLATÃ O. O banquete (o amor, o belo).

O mito é uma forma de explicar o mundo, uma forma de pensamento tão válida quanto a Filosofia ou a religião. O que o mito tem de peculiar, e o que o torna interessante, é que ele explica as coisas com narrativas, simbólicas, acerca das origens – do mundo, dos deuses, dos homens, da sociedade. Ele dá um sentido, portanto, a realidades difíceis de entender ou mesmo incompreensíveis: a vida, a morte, o amor, a guerra, e assim por diante. Em um sentido mais amplo, a palavra “mito” é utilizada para se referir, positivamente, a pessoas ou feitos marcantes ou memoráveis; e negativamente, a noções falsas que passam por verdadeiras. Vocês conhecem mitos que correspondam a cada um desses sentidos – o propriamente mitológico, o sentido heroico e o sentido de negativo? No livro A filosofia das formas, de Ernest Cassirer (2004), o filósofo desenvolve uma profunda reflexão sobre os mitos. Para ele, o mito seria a primeira forma de interpretação do mundo, o que deu lugar, depois, à religião, sem que esta lhe seja superior. Todo o contato do homem com a natureza e com os outros homens é realizado por meio de símbolos, que, por sua vez, colaboram na construção dos mitos. O homem toca o mundo pelos signos, ele os inventa e deles tira o sentido das coisas. Desde os primórdios da história, o homem acredita e representa suas crenças e suas visões do mundo. Os símbolos são a forma que o homem usa para representar sua vida. Por exemplo:

ü  Quando falamos à pessoa amada “Você é tudo de que meu coração precisa”, é fácil entender que estamos dizendo que a amamos e que sofreremos se não formos correspondidos;

ü  Quando uma criança pega algum objeto que estava no chão e coloca na boca, dizemos “caca!” – usamos um símbolo (uma palavra) que representa a sujeira.

Os símbolos são amplamente partilhados, mas também podem ser muito pessoais, e o mesmo acontece com os significados. Lembre-se de que os signos são a representação dos sentidos de algo: pode ser uma imagem, um som, um cheiro, um sabor, um gesto, uma temperatura, uma dança. O significado é o “conteúdo” desse signo, a ideia que está por trás daquilo que se apresenta para as pessoas ou para si mesmo.  Ainda que Cassirer faça uma crítica ao tipo de uso que Platão fez do mito, podemos perceber que se trata de uma narrativa simbólica, e que cada símbolo ou signo corresponde a um ou mais significados no mundo.

Dos mitos à cultura - Nesta etapa, será discutido o conceito de cultura, principalmente com base no livro A ideia de cultura, de Terry Eagleton (2005). Para começar, vamos discutir a seguinte questão: Quem governa a sua vida, seus impulsos ou suas ideias?

Cultura versus natureza - A palavra “cultura” nos remete a duas possibilidades. Uma, que é entendida como o acúmulo de conhecimentos e outra, que é entendida como ação dos homens sobre a natureza por meio do trabalho. O conceito de cultura é derivado da natureza, em especial do ato de cultivar uma lavoura. Por isso, a cultura tem seu início absolutamente material, passando, mais tarde, a ser entendida como atividade do espírito, principalmente como atividade dos homens urbanos, não mais do meio rural. O indivíduo culto não é mais o lavrador, e sim o estudioso da cidade. Nessa concepção mais tradicional de cultura, ela aparece como relação do homem com a natureza – a cultura pertence ao mundo dos homens e é a sua forma de vencer os descaminhos e os sofrimentos causados pela natureza; a cultura está no mundo do espírito humano e deve, por seu turno, colonizar quem está próximo à natureza e distante do mundo intelectual.

Liberdade e determinismo - Se retomarmos a questão registrada acima, temos aqui uma importante reflexão. Quem nos governa: a natureza ou nossas ideias? Nosso corpo ou nosso pensamento? Dessa maneira, a cultura pode significar o uso da liberdade, enquanto a natureza pode significar o determinismo biológico. Ao imaginar, sonhar, planejar, escrever, trabalhar, conduzir, governar, rezar ou se divertir, o homem exerce sua liberdade, enfrenta os imprevistos e as dificuldades causadas pela natureza, prevê condições de alívio e consola-se diante do inevitável ou das suas derrotas. O homem percebe seu lugar de origem, sua identidade e, ao mesmo tempo, compreende que pode mudar e ter suas raízes autotransportadas. A natureza estaria apenas posta diante dos homens, exigindo deles não mais que uma vida animal, submetendo-os aos destinos dos que não pensam antes de agir, dos que não imaginam nem planejam uma vida mais significativa. A natureza impõe o corpo, a fome, o impulso sexual, a necessidade de saciar a sede, a doença, o cansaço, o calor e o frio. Com ela, o destino do homem está traçado. Um destino nada significativo, assim como a vida e a morte de qualquer animal.

A cultura em transição com a natureza - Um dos atos culturais por excelência é a arte. Seria possível imaginá-la sem a natureza? Como pensar um quadro paisagístico sem a paisagem e sem o material como a tela e a tinta, que se originam na natureza? Uma música sem paixão? Um marceneiro sem madeira? Um escultor sem pedra ou metal? Segundo essa concepção, natureza e cultura estão em acordo recíproco. Por isso, o homem não é fruto determinado de seu ambiente; ele é livre, mas é intimamente influenciado pela natureza. Voltando ao exemplo da arte, por mais livre que seja um pintor, ele estará, ao mesmo tempo, limitado e inspirado por seus instrumentos – o tipo de pêlo animal de seu pincel, o tipo de pigmento de sua tinta, a paisagem, o objeto ou o corpo que quer representar. Limitado, porque talvez não consiga transmitir para a tela seus sentimentos mais profundos; inspirado, porque sabe que pode fazer algo cada vez mais belo, com base naquilo que a natureza lhe oferece, porque domina sua técnica, avança em seus limites, diz o que ainda não foi dito, ou reproduz o já expresso de um modo próprio. Assim, convém relativizar a ideia naturalista, que afirma ser a cultura uma expressão da natureza e sua determinação, o que devemos fazer também com o idealismo, pois as ideias estão associadas diretamente ao ambiente em que as pessoas vivem. O fazer e o natural estão, portanto, indissociavelmente ligados.

A cultura é uma construção de si mesmo - Quando pensamos que a cultura constrói cada um de nós, o nosso eu, podemos supor uma divisão: o eu inferior e o eu superior. Nessa relação, a natureza estaria no eu inferior, como desejo e paixão, e a cultura estaria no eu superior, como vontade e razão. Desse modo, a natureza não estaria apenas em nosso corpo ou em nosso entorno. Ela está no mais íntimo de cada um de nós. Mesmo assim, ela não seria capaz de nos saciar, porque não poderíamos viver apenas de desejos e porque, se isso fosse possível, não precisaríamos de cultura. A cultura é uma necessidade física e subjetiva de cada indivíduo. Por essa ideia de cultura, podemos entender que somos capazes de nos inventar, já que estamos sempre nos fazendo. Assim, por exemplo, uma pessoa culta é aquela que inventou um ser para si. Por exemplo, se alguém quiser ser roqueiro, o que deve fazer? No mínimo, deve aprender a escutar rock, conversar com quem entende do assunto, ler sobre ele, aprender a tocar algum instrumento. O indivíduo não nasceu roqueiro; ele se inventou, criou uma forma pessoal de ser. Do mesmo modo, qualquer um de nós pode se inventar. Caso não nos inventemos, estaremos determinados pelo mundo que nos rodeia. Podemos ser pessoas pacientes, agradáveis, chatas; enfim, tudo é questão de escolha e atividade cultural. Mas nem sempre se inventar é fácil. Somos uma espécie de planta que precisa ser cultivada por nós mesmos.

Cultura e estado - Para discutirmos a relação entre cultura e Estado, é preciso entender o conceito de Estado: A palavra Estado, grafada com inicial maiúscula, é uma forma organizacional cujo significado é de natureza política. É uma entidade com poder soberano para governar um povo dentro de uma área territorial delimitada. As funções tradicionais do Estado englobam três domínios: Poder Executivo, Poder Legislativo e Poder Judiciário. Numa nação, o Estado desempenha funções políticas, sociais e econômicas. Além de nós e das influências que recebemos de outras pessoas, quem pode nos ajudar a nos inventar? Com certeza, não é partindo do nada que imaginamos o que queremos ser ou nos tornar. Por isso, precisamos da ajuda ou do exemplo dos outros. Assim, se alguém quiser ser ator, necessitará de apoio para isso, desde o financeiro até o incentivo para o exercício da arte de representar. Ora, o Estado brasileiro tem o dever de ajudar as pessoas a se formar como cidadãos, como repetimos exaustivamente. No entanto, a mera repetição dessa ideia produz resultados infinitamente pequenos. É preciso considerar outros campos de atuação estatal que incluem, por exemplo, a regulamentação dos meios de comunicação, as políticas educacionais e os incentivos artísticos e culturais. Nessa concepção, a cultura é o que está entre a maquinaria do Estado e a sociedade civil, criando tensões e, ao mesmo tempo, produzindo unidades entre um e outro. Do ponto de vista do Estado, a cultura deve ser civilizadora, isto é, deve fazer com que as pessoas se tornem mais sociáveis.

Conceito de cultura - Em geral, podemos dizer que a cultura é a ação dos homens com ou sobre a natureza, por meio da objetivação da consciência (Hegel), pelo trabalho em sociedade (Marx), pela instituição de símbolos (Cassirer), por uma lei simbólica (Lévi-Strauss), por meio do contrato social (Rousseau), por meio da educação (Cícero). Em síntese, essa ação produz técnicas, valores, conhecimentos, ideias, religiões, artes e tudo o que circunscreve o mundo humano. Leiam o texto de ROUSSEAU, disponível no caderno do aluno, para maior compreensão do conceito de cultura.

Etnocentrismo, relativismo e alteridade - Existem diversas culturas, já que existem diversas maneiras de agir e de interpretar o mundo, dando sentido às coisas. Essas culturas mantêm contato entre si, mas nem sempre esse contato é algo com que todos saem ganhando. Isso ocorre porque muitas culturas se sentem superiores a outras, o que implica diversas maneiras de ver o mundo. Quando um grupo se acha superior a outro, no sentido cultural, chamamos isso de etnocentrismo. Todas as vezes em que há uma ação etnocêntrica, deflagram-se várias formas de violência. Por causa do etnocentrismo, por exemplo, os europeus se sentiram superiores aos povos americanos e africanos, submeteram-nos à escravidão e à pilhagem e impuseram sua cultura, em especial a religião. Além disso, internamente, cada país tem muitas culturas e também várias religiões.

A principal área de conhecimento que estuda outras culturas é a Antropologia. Por ela, aprendemos não apenas o que é o etnocentrismo, mas a importância de pensar o outro como diferente de nós, como alguém que tem muito a nos ensinar e muito a aprender conosco. Para que isso ocorra e se reduzam as tensões entre diferentes culturas, temos de dar o passo mais importante, na direção do relativismo. O que chamamos de relativismo é a ideia de que todos os valores são criados em meio ao processo cultural das sociedades. Por isso, todo julgamento que fazemos decorre de nossa cultura, e assim como cada um vê o outro de uma forma, nós também somos vistos e considerados com base em nossa própria cultura.

E qual seria a diferença entre opinião e cultura? Opinião é uma fala pessoal, enquanto a cultura precede as opiniões e é partilhada por um grupo de pessoas. Qual é a melhor cultura? É possível haver uma cultura melhor do que as outras? Para que fosse possível responder e apontar uma cultura superior, teríamos de assumir uma postura etnocêntrica. Atualmente, é comum ouvir que algumas culturas são tecnologicamente mais desenvolvidas do que aquelas industrializadas e rurais, apontando-se as primeiras como melhores. No entanto, pode-se perguntar: O que é mais importante, ter tecnologia ou ter igualdade de fato? Outro problema importante surge quando nos colocamos uma questão simples: Como agir em relação aos outros? A maneira mais recomendada é pela alteridade, isto é, pela valorização de tudo aquilo que é do outro e diferente de nós.

1.       Qual o objetivo do tema?

2.       Explique o deus do amor, segundo Hesíodo.

3.       Explique Eros No poema de Hesíodo.

4.       Como Platão interpreta o amor no diálogo “O banquete”?

5.       Explique o que é o Mito.

6.       Explique o mito segundo, Ernest Cassirer.

7.       O Que são os símbolos? Dê exemplos.

8.       Explique os significados da palavra cultura.

9.       Quem nos governa: a natureza ou nossas ideias? Nosso corpo ou nosso pensamento? Dessa maneira, o que a cultura pode significar?

10.    Por que o homem não é fruto determinado de seu ambiente?

11.    O que, em geral, podemos dizer sobre o conceito de cultura?

12.    Explique: Etnocentrismo, relativismo e alteridade.

13.    Pesquisar as expressões “Mito”, “Cultura”, “Linguagem”, “Natureza”, “Determinismo” e “Relativismo”.

 

Prof. Manoelito    Boa Sorte!!!!!!!


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