terça-feira, 6 de setembro de 2016

O QUE É VIOLÊNCIA?


Neste texto, discutiremos sobre a concepção geral de violência e de suas principais formas e dimensões. Seus desdobramentos sociais e jurídicos, para chegar a um consenso sobre em que consiste a violação de direitos e o que efetivamente acarreta sanções do ponto de vista da lei. O objetivo é propiciar um olhar de estranhamento em relação à violência enquanto prática e ação social humana, tipificá-la e compreendê-la em seus diferentes âmbitos, de modo a produzir uma reflexão ampla e crítica sobre o problema.
A violência é, hoje, parte de nosso cotidiano. De maneira direta ou indireta, somos expostos, diariamente, a todo tipo de informação alusiva a atos de violação da integridade física, psicológica e moral de outros seres humanos. Isso ocorre por meio dos noticiários televisivos, da mídia impressa, do cinema, das séries policiais e da própria realidade à nossa volta. Somos testemunhas de atos violentos, conhecemos pessoas que foram vítimas e também agressoras, ou somos nós próprios vítimas ou responsáveis por ações que deixam sequelas físicas e psicológicas. Por essa razão, tratar do tema “violência” envolve sempre o risco da banalização e do senso comum. Pensar o problema de maneira sociológica requer, antes de tudo, adotar um distanciamento apropriado, procurando analisá-lo sob um enfoque objetivo. Mais uma vez, vamos recorrer ao exercício do estranhamento, para tratar do assunto “violência” como se estivesse sendo discutido pela primeira vez. Para isso, analisem as três reportagens fictícias, leiam os textos I, II e III, que fazem menção a atos violentos ocorridos em três localidades diferentes, em um mesmo dia, disponíveis no caderno do aluno.
O que é violência? Como diversos outros conceitos da Sociologia, não há uma definição única sobre o que seja a violência, aceita de forma unânime pelos sociólogos. Diferentes autores a abordam sob enfoques diversos. Por essa razão, vamos começar por uma concepção geral, embasada na literatura sociológica. Essa noção, entretanto, não deve ser entendida como um conceito fechado e acabado, mas, sim, aberto ao debate e à reflexão crítica.
É possível que algumas das ações identificadas não sejam consideradas formas de violência, mas apenas agressões, xingamentos ou atos correlatos. Isso porque o senso comum tende a não as identificar como agressões, dado que a violência é geralmente relacionada a atos criminosos, ou a atos que geram danos físicos para a pessoa que sofre a ação violenta. A violência envolve muito mais que as agressões físicas que levam aos ferimentos ou à morte e, pela concepção que defenderemos aqui, todas as expressões exemplificadas na lista podem ser consideradas formas de violência, porque em todas as situações, exemplificadas e enumeradas com base nos textos ou nos recortes de jornal, estão envolvidos seres humanos que, de uma forma ou de outra, foram afetados física, psicológica ou moralmente pelas ações de outros indivíduos. Esta é a ideia central para a compreensão da violência: a noção de que ela constitui uma ação que causa alguma forma de dano a outro ser humano, direta ou indiretamente. Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), no Relatório Mundial sobre a Violência e Saúde (2002), a violência pode ser definida como o uso intencional de força física ou do poder contra si mesmo, outra pessoa, um grupo ou uma comunidade.
A violência pode ser entendida como a ação ou ameaça de um indivíduo ou grupo contra uma ou mais pessoas a fim de causar danos. Essa violência pode ser direta, quando atinge imediatamente o corpo da pessoa que a sofre, ou indireta, quando se dá por meio da alteração do ambiente no qual ela se encontra ou quando se retiram, destroem ou danificam os seus recursos materiais. Tanto a forma direta quanto a forma indireta prejudicam a pessoa ou o grupo alvo da violência. Além disso, existe violência quando a ação causa constrangimentos não apenas físicos, mas também psicológicos e morais. Finalmente, é preciso incluir a violência simbólica, que não causa a morte física, mas atenta contra as crenças, a cultura e a própria identidade dos indivíduos que dela são vítimas. Concluindo, entende-se como violência tudo aquilo que não é desejado pelo outro e que lhe é imposto pela força concreta ou simbólica.
Os atos violentos não necessariamente são realizados por indivíduos de forma isolada, mas podem ser desempenhados por grupos organizados ou não (como milícias e exércitos) e Estados, por exemplo. Essa é a violência organizada. 
As ações violentas podem ser dirigidas não às pessoas, mas às propriedades, causando prejuízos financeiros e consequências sérias, como no caso da destruição de campos de cultivo e colheitas. Finalmente, no caso de perseguição e repressão por causa de crenças religiosas, por exemplo, ocorre violência sobre as participações simbólicas e culturais de uma população na vida de uma sociedade. É a violência contra a cultura e a religião de um povo.
Dimensões e formas da violência
Partindo do raciocínio apresentado, podemos perceber que a violência caracteriza as ações humanas não somente no plano das interações entre os indivíduos, mas também nas relações entre grupos. Ela pode se dar de forma direta, por meio de agressões propriamente ditas, que geram danos físicos, ou por outros meios que não necessariamente afetam o corpo da pessoa, mas a prejudicam do ponto de vista moral e psicológico ou ofendem suas crenças e seus costumes. A violência também pode se dar por ameaça. Além disso, os efeitos da violência podem não ser sentidos ou percebidos imediatamente à sua consecução, mas após algum tempo, ou ainda perdurar por muitos anos, como é o caso de pessoas que sofrem sequelas ou ficam traumatizadas após terem sido vítimas de atos violentos.
A dimensão mais imediatamente perceptível da violência contra outro ser humano é aquela que gera danos – permanentes ou não – à sua integridade física. É o que denominamos de violência física. Alguns exemplos são: tapas, empurrões, chutes, mordidas, queimaduras, tentativas de asfixia, de afogamento, de homicídio etc. Muitos atos entendidos como formas de violência física são tipificados como crimes de lesão corporal, isto é, quando ofendem a integridade e a saúde corporal de outra pessoa. Nesse caso, a lesão pode ser leve ou grave, sendo o segundo tipo quando a pessoa corre perigo de vida, passa a sofrer debilidade permanente de membro, sentido ou função, perde ou fica com um dos membros, sentidos ou funções inutilizadas, fica incapacitada para o trabalho, fica deformada, aborta ou é levada ao parto prematuro. No limite, a violência física leva à morte da vítima. Nesse caso, a violência física é tipificada como crime de homicídio.
A violência física também pode ter conotação sexual, nos casos em que uma pessoa é constrangida a manter relações sexuais contra sua vontade. Nesse caso, é denominada crime de estupro. Embora a lei brasileira interprete o estupro como crime contra a dignidade sexual, esse ato não deixa de ser uma forma de violência que afeta profundamente as pessoas em sua personalidade, desrespeitando os direitos humanos, ao ferir a integridade pessoal e o controle do próprio corpo.
A violência não necessariamente precisa deixar marcas no corpo de uma pessoa. A própria ameaça de violência física gera transtornos de natureza psicológica que constrangem a vítima a adotar comportamentos contra sua vontade ou, ao contrário, privam-na de sua liberdade. Por essa razão, esse tipo de violência é denominado violência psicológica. Alguns exemplos são humilhações, ameaças de agressão, danos propositais ou ameaças de dano a objetos, a animais de estimação ou a pessoas queridas, privação de liberdade, assédio sexual, entre outros. Porém, nem sempre uma pessoa que sofre de violência psicológica percebe que é vítima. O uso constante de palavrões, expressões depreciativas e manifestações de preconceito, por exemplo, pode levar a tal degradação da autoestima que a pessoa passa a acreditar que ela é a responsável pela violência da qual é vítima.
A percepção ou não da condição de vítima (e, por conseguinte, de agressor) é uma questão fundamental para a compreensão da dimensão simbólica da violência; ou seja, quando as relações de dominação entre grupos sociais encontram-se tão enraizadas e naturalizadas que a violência exercida por uns sobre os outros é vista como uma parte “natural” da ordem social estabelecida. Nesse caso, tanto o grupo social dominado como o dominante (uma vez que compartilham os mesmos instrumentos de conhecimento social da realidade) pensam e se relacionam de modo semelhante, aceitando padrões de comportamento que tendem a reproduzir a dominação e, consequentemente, a violência de uns sobre outros.
Como se dão, em nossa sociedade, as relações entre homens e mulheres? Nela, encontra-se enraizada a noção de que os homens são mais fortes, e as mulheres, fisicamente mais frágeis. Os comportamentos violentos seriam uma característica “natural” do homem, o que não é verdade. A dificuldade em encontrar uma definição precisa para essa questão está no fato de que a concepção de violência que temos atualmente nem sempre foi a mesma. A percepção que uma população tem a respeito dela também muda no tempo, conforme a sociedade, o Estado e as instituições responsáveis pela segurança se organizam para controlá-la. Além disso, as leis, ou seja, as normas e as regras que regulam as relações entre os indivíduos no interior de uma sociedade, também se modificam histórica e culturalmente. Desse ponto de vista, o que é considerado, em um determinado país ou cultura, uma forma de violência contra a pessoa, pode não ser assim considerado em outro país ou cultura.
Um exemplo é o caso da pena de morte. Alguns países preveem em sua Constituição a pena de morte, enquanto outros, como o Brasil, não. Em uma mesma sociedade, diferenças regionais, sociais, econômicas e culturais contribuem para modificar as percepções sobre a violência. Por essa razão, é importante enfatizar que nada pode ser considerado “normal” ou “natural” apenas porque hoje a violência faz parte do nosso cotidiano, em maior ou menor grau. É preciso sempre adotar um olhar de distanciamento em relação ao fenômeno social da violência e uma postura reflexiva e crítica quanto às suas consequências para a sociedade.
1.       Por essa razão, tratar do tema “violência” envolve sempre o risco da banalização e do senso comum?
2.       Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), como pode ser definida a violência?
3.       Como pode ser entendida a violência? Explique violência direta e indireta.
4.       O que se entende como violência?
5.       Explique as dimensões da violência física, psicológica e simbólica.

                                                                                                                      Prof. Manoelito