segunda-feira, 10 de agosto de 2020

CARACTERÍSTICAS DO DISCURSO FILOSÓFICO – COMPARAÇÃO COM O DISCURSO CIENTÍFICO

FILOSOFIA E CIÊNCIA: UMA ORIGEM COMUM E UM DESTINO DE SEPARAÇÃO
 
O Objetivo é pensar nas semelhanças e diferenças entre o discurso filosófico e o discurso científico.
No momento de origem da Filosofia, na Antiguidade Grega, não havia distinções entre Filosofia e Ciência. Filosofia era considerada o conjunto de todos os conhecimentos: físicos e metafísicos. A leitura dos textos de Aristóteles, por exemplo, revela que este autor escreveu sobre a alma e sobre a natureza, sem distinguir os campos de conhecimento científicos e filosóficos como fazemos atualmente.
O saber filosófico contemplava uma enorme diversidade de conhecimentos, uma vez que os primeiros filósofos colocavam-se questões relativas aos campos que hoje são identificados como Matemática, Biologia, Física, lógica, Música, Teatro, Astronomia, Política e Ética. O mundo a ser compreendido abarcava questões em torno de dois grandes temas: a natureza e o homem. E como não havia acúmulo de conhecimentos associados a nenhum dos dois temas, a Filosofia foi se constituindo como um campo amplo de perguntas e respostas sobre o mundo natural e o mundo humano. Essa abordagem ampla da Filosofia preservou-se até o período medieval, quando a Teologia se constitui como campo dos estudos sobre Deus e sobre a fé.
A partir do Renascimento e durante a Idade Moderna, Física, Matemática, Química e Biologia foram conquistando autonomia em relação à Filosofia e delimitando campos específicos de investigação de seus objetos num processo que se estende por séculos. Newton e Descartes são autores cujas obras registraram aspectos que sugerem uma transição, na qual a Filosofia se separa da Ciência. O livro em que Newton apresenta leis da mecânica chama-se Princípios matemáticos de filosofia natural. Um livro de Descartes, que se chama Princípios de Filosofia, está dividido em quatro partes, denominadas, Dos princípios do conhecimento humano, Dos princípios das coisas materiais, Do mundo visível e A Terra.
Foi fundamental para a separação entre Filosofia e Ciência a formulação sobre o método científico, que tem início no Renascimento, nos séculos XIV, XV e XVI, e se consolida nos séculos XVII, XVIII e XIX. Essa formulação entende que os conhecimentos sobre a natureza devem ser passíveis de observação e experimentação para verificação de hipóteses. O próprio conceito de Ciência ganha essa forte significação de conhecimentos, que podem ser observados e experimentados para comprovação ou negação.
Outra ideia formulada no interior das Ciências, sobretudo a partir do século XIX, serve para especificá-la diante da Filosofia: a neutralidade do cientista em relação ao objeto de conhecimento. Segundo essa concepção, de que é preciso ser neutro diante do objeto investigado, o cientista não deveria interpretar e decidir quais dados selecionar entre aqueles que vai encontrando no processo de pesquisa científica. Essa concepção contemplava a visão de que os dados deveriam falar por si próprios, sendo o papel do cientista evidenciá-los. Muitas vezes, diante dessa perspectiva, considera-se que, de modo geral, os filósofos posicionam-se pensando seus temas valendo-se de sua visão de mundo, a qual condiciona sua interpretação, o que contrastaria com a neutralidade da Ciência. Filosofia e Ciência deveriam, assim, construir caminhos separados para o conhecimento.
Em síntese, pode-se afirmar que Filosofia e Ciência nascem juntas como conjunto de conhecimentos sobre a natureza e a sociedade humana e separam-se de forma vagarosa, ao longo de pelo menos seis séculos, nos quais uma determinada visão de Ciência, baseada na observação, experimentação, comprovação de hipóteses e suposta neutralidade, contribuiu para essa separação e caracterização dos discursos filosóficos e científicos, com a qual nos ocupamos neste Caderno. Aliada a essa visão de Ciência, tivemos ainda a crescente especialização dos saberes e a criação de campos de disciplinas como conhecemos atualmente. Nos séculos XIX e XX, uma nova visão de Ciência é formulada, baseada na ideia de que nem sempre são possíveis comprovações ou experimentações e é impossível a neutralidade do cientista, uma vez que ele necessariamente interpreta, seleciona e se posiciona de forma interessada diante de seus dados.
Como aproximações entre discurso filosófico e discurso científico, podemos destacar:
• a curiosidade e o conjunto de perguntas sobre a realidade que inspiram ambas as investigações;
• o esforço de explicitação de ideias que filósofos e cientistas empreendem;
• a construção de argumentação que permita a comunicação dos saberes formulados, investigados;
• a utilização de metáforas para oferecer imagens mais próximas a saberes já conhecidos no esforço de comunicação dos novos conhecimentos.
Como diferenças, podemos destacar:
• a Filosofia utiliza diversos gêneros textuais para expressar suas ideias: cartas, poemas, diálogos, ensaios. A Ciência não faz uso de tão diverso universo de gêneros textuais e seu gênero é o relatório de pesquisa e o artigo científico. A Filosofia questiona métodos e finalidades da Ciência. A Ciência utiliza instrumentos para construir dados e a Filosofia não está associada ao uso de instrumentos;
• as definições dos termos em Ciência são especificadas de forma que se generalize seu significado e, em Filosofia, um termo ou expressão pode ter diferentes significados, a depender do contexto e da formulação argumentativa do autor. Exemplo: a palavra “átomo”, em Química, e a palavra “sujeito”, em Filosofia. É comum usarmos as expressões: “Marx entende o sujeito como...”; “Para Foucault, o significado da palavra sujeito é...”; “Em Deleuze, o sujeito é...”; ou “Descartes afirmava que o sujeito constitui-se em...”.
Vamos realizar uma comparação entre esses dois tipos de discurso. Para isso, faremos a leitura dos próximos dois textos: um filosófico, de Michel de Montaigne, e outro tipicamente científico, retirado de um relatório sobre violência no Brasil.

DE COMO FILOSOFAR É APRENDER A MORRER

"Para Cícero, filosofar não é outra coisa que preparar-se para a morte. Talvez porque o estudo e a contemplação tiram a alma para fora de nós, separam nossa alma do corpo, o que, em suma, se assemelha à morte e constitui como que um aprendizado em vista dela. Ou então é porque de toda sabedoria e inteligência resulta, finalmente, que aprendemos a não ter receio da morte. Em verdade, ou nossa razão falha ou seu objetivo único deve ser a nossa própria satisfação, e seu trabalho tender para que vivamos bem, e com alegria, como recomenda a Sagrada Escritura. [...]  Não sabemos onde a morte nos aguarda, e por isto a esperamos em toda parte. Refletir sobre a morte é refletir sobre a liberdade; quem aprendeu a morrer, desaprendeu de servir; nenhum mal atingirá quem na existência compreendeu que a privação da vida não é um mal: saber morrer nos libera de toda sujeição e constrangimento". [...]

RELATÓRIO CIENTÍFICO: DADOS DE MORTALIDADE NO BRASIL

[...] "As lesões não intencionais e as violências constituem a primeira causa de mortalidade registrada na faixa etária de 15 a 60 anos, representando 30% do total de óbitos de causas determinadas em 1994'. Os homicídios e os acidentes de trânsito produzem impacto substancial na força de trabalho dos grandes centros urbanos, tendo sido responsáveis, em conjunto, por 28,7% dos anos de trabalho potencialmente perdidos (ATPP) em 1987. Seguem-se, em ordem decrescente de importância, as doenças do aparelho circulatório (24%) e as neoplasias (13%). A distribuição por subgrupos de idade mostra forte predominância das causas externas nos estratos de 15-19 e 20-29 anos (71% e 62%, respectivamente). Esse grupo de causas ocupa o primeiro lugar também entre 30-39 anos (38%), em que também há participação importante das doenças do aparelho circulatório (16%) e das doenças endócrinas e metabólicas (12%). Nos grupos etários de 40-49 e de 50-59 anos predominam as doenças do aparelho circulatório (30% e 39%, respectivamente), seguindo-se as neoplasias (16% e 21%) e as causas externas (20% e 9%). Cerca de 70% dos óbitos em todo o grupo adulto corresponderam ao sexo masculino." [...]

Questões:

          1. Pesquise, em dicionários físicos e/ou sites da internet, definições de hipótese, discurso e teoria.

2.       2. De acordo com o vídeo, qual é a relação entre hipótese e teoria?

3.       3. Na sua opinião, qual é a importância da “suspeita” para ler e criar teorias e hipóteses?

4.       4. Por que no texto, no caderno do aluno, a Filosofia pertence à “Terra de Ninguém”?

   5. Explique segundo o texto, porque Filosofia e Ciência tem uma origem comum e um destino de separação.

FILOSOFIA, POLÍTICA E ÉTICA – HUMILHAÇÃO, VELHICE E RACISMO / PRECONCEITO


O objetivo deste tema é introduzir o debate sobre a humilhação como resultado da desigualdade social para, em seguida, discutirmos a existência e a condição dos idosos em nossa sociedade.

A humilhação é um sentimento de desigualdade. Para José Moura Gonçalves Filho, do Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo (USP), a humilhação consiste em uma modalidade de angústia disparada pelo impacto traumático da desigualdade de classe, isto é, a angústia que se sofre quando alguém se depara com um abismo chamado desigualdade, o que corresponde a percepção de que, enquanto um esta em posição superior, o outro se coloca, violentamente, em uma posição inferior.
A desigualdade experimentada do lado de fora é internalizada como sofrimento, ao qual, muitas pessoas já estão habituadas. Dessa maneira, além da humilhação crônica, que atinge os pobres, como resultado das desigualdades econômicas e políticas, experimenta-se uma espécie de angústia assumida pelo humilhado nas mais variadas manifestações de sua existência.
Mas quando uma pessoa é humilhada? Quando se mostra a ela uma diferença que a põe em situação de inferioridade. Por exemplo, quando um chefe grita com o funcionário, quando um adulto ou jovem ignora ou maltrata um idoso, quando uma mulher é agredida pelo marido, quando uma pessoa mais forte ameaça outra menos forte. Enfim, existe em nossa sociedade uma hierarquia constante que leva o humilhado a sentimentos que o agridem, como susto medo, pavor, tristeza, ódio, culpa, solidão, os quais, muitas vezes, são interiorizados pelas pessoas.

Na sociedade, todos são, em alguma medida, humilhados, mas, no caso das pessoas mais pobres, isso pode ser constante e ocorrer da infância à velhice. A humilhação contínua vai se acumulando e moldando as pessoas, levando-as a ter uma baixa auto-estima e tornando-as menos sensíveis, menos solidárias e até mesmo violentas.

Leiam o texto:
"A humilhação é uma modalidade de angústia que se dispara a partir do enigma da desigualdade de classes. Angústia que os pobres conhecem bem e que, entre eles, inscreve-se no núcleo de sua submissão. Os pobres sofrem frequentemente o impacto dos maus-tratos. Psicologicamente, sofrem continuamente o impacto de uma mensagem estranha, misteriosa: 'vocês são inferiores'. E o que é profundamente grave: a mensagem passa a ser esperada, mesmo nas circunstâncias em que, para nós observadores externos, não pareceria razoável esperá-la. Para os pobres, a humilhação ou é uma realidade em ato ou é frequentemente sentida como uma realidade iminente, sempre a espreitar-lhes, onde quer que estejam, com quem quer que estejam. O sentimento de não possuírem direitos, de parecerem desprezíveis e repugnantes, torna-se-lhes compulsivo: movem-se e falam, quando falam, como seres que ninguém vê."

Ler e dialogar - A velhice

Simone de Beauvoir procurou refletir sobre a exclusão dos idosos em sua sociedade, mas do ponto de vista de quem sabia que iria se tornar um deles, como quem pensava o próprio destino. Para ela, um dos problemas da sociedade capitalista está no fato de que cada indivíduo percebe as outras pessoas como meio para a realização de suas necessidades: proteção, riqueza, prazer, dominação. Desta forma, nos relacionamos com outras pessoas priorizando nossos desejos, pouco compreendendo e valorizando suas necessidades.
Esse processo aparece com nitidez em nossa relação com os idosos. Em seu livro, a pensadora demonstra que há uma duplicidade nas relações que os mais jovens têm com os idosos, uma vez que, na maioria das vezes, mesmo sendo respeitado por sua condição de pai ou de mãe, trata-se o idoso como uma espécie de ser inferior, tirando dele suas responsabilidades ou encarando-o como culpado por sobrecarga de compromissos que imputa a filhos ou netos.
Mesmo em situações de proteção, pode-se ter processos de humilhação quando, sem a devida atenção sobre as reais condições que apresentam os idosos para resolver com autonomia seus problemas, os mais jovens passam a subestimar os mais velhos, assumindo tarefas em seu lugar.
Quando não se respeita uma pessoa em sua integridade emocional, intelectual e material, ela é excluída da sociedade pelos governos, pelas instituições, pelas famílias, pelas pessoas em geral. Os grupos mais excluídos por essas práticas são as crianças e os idosos.
Em vários lugares, como bancos e supermercados, há caixas preferenciais para idosos, mas, mesmo que elas sejam suficientes para garantir seu conforto, será que suas condições sociais também o são? Há, também, a gratuidade no transporte coletivo, mas quem viaja de ônibus sabe que às vezes suas condições não são adequadas para transportar quem tem um corpo frágil.
Além do desamparo quanto às condições materiais, a desconsideração para com opiniões e emoções dos idosos também deve ser analisada para a superação das condições de humilhação sofrida por eles em nossa sociedade.
No texto A velhice, Simone de Beauvoir escreveu que o idoso é uma espécie de objeto incômodo, inútil, e quase tudo que se deseja é poder tratá-lo como quantia desprezível. 

REFLEXÃO SOBRE O RACISMO

Vamos iniciar o nosso estudo ético e político com a seguinte questão para debate: existe racismo no Brasil?  A presença do racismo no Brasil não é óbvia e, quando é afirmada, apresenta característica pouco crítica. O texto a seguir, do sociólogo Jair Batista da Silva, especialista em racismo no Brasil, apresenta-nos uma visão geral do problema. 

A particularidade do racismo no Brasil

"Para oprimir e submeter, especialmente, os negros, o racismo no Brasil não necessitou de regras formais de discriminação, de desigualdade e de preconceito racial. O racismo como ideologia emprega e se alimenta de práticas sutis, de nuances e de representações que não precisam de um sistema rígido e formalizado de discriminação. Ao contrário das experiências norte-americana ou sul-africana que estabeleceram regras claras de ascendência mínima para definir seus grupos sociais, nas quais, por exemplo, uma gota de sangue negro era mais que suficiente para macular a suposta pureza racial dos brancos. As formas de classificação racial e a eficácia do racismo no Brasil nutriram-se sempre das formas mais maleáveis, mais flexíveis para atingir suas vítimas, porém essas sutilezas não deixam de ser igualmente perversas e nocivas para os indivíduos e coletividades atingidos.
De qualquer forma, essa sutileza, que informa o tipo de racismo presente no Brasil, segue de mãos dadas com as premissas de ideológica "democracia racial" que pretende afirmar e defender a inexistência do racismo, precisamente porque no país não há posições ou locais sociais que negros não possam ocupar. Não há cargo, posto de trabalho, lugar, emprego, profissão etc. em que os negros não possam competir. Todavia, basta uma breve observação na paisagem social para se verificar que a democracia racial ainda não chegou para os negros. Eles são minorias nas posições de maior reconhecimento, nas profissões melhor remuneradas, nos segmentes de melhor renda etc. Especialmente a mulher negra, que ocupa uma posição social extremamente desvantajosa quando comparada com o conjunto da população branca do país. Frequentemente ela exerce atividade de menor reconhecimento social, menor retorno salarial e de menor exigência de qualificação.
Para transformar essa situação, tão comum na paisagem social do Brasil, torna-se necessário a adoção de amplas políticas públicas que busquem minimizar as brutais desigualdades de renda, escolaridade, emprego, moradia, saúde etc. que afetam mais diretamente os negros. O que sugere uma substantiva transformação do desenho e da execução das políticas formuladas pelo Estado. Transformação que garanta efetivamente à maioria da população, especialmente aquela afrodescendente, o acesso aos elementares direitos de cidadania. Por exemplo, a ampliação das oportunidades de ensino deve vir acompanhada de mecanismos de manutenção dos estudantes nas instituições de ensino.
Pelo que se disse, reconhecer a existência e a eficácia da forma de racismo praticada no Brasil significa lutar para alcançar para a maioria da população brasileira, e para a população afrodescendente, em especial, o reconhecimento social de serem sujeitos portadores de direitos e igual dignidade humana. Reconhecimento que o racismo e a tão decantada, mas jamais praticada, democracia racial brasileira, insistem, sobretudo, em negar aos negros brasileiros'".

Dialogar - O que é o racismo?

A palavra raça, apesar de ter origem biológica, não tem base científica para definir, e muito menos classificar, seres humanos. Apesar disso, a sociedade faz uso da palavra raça com sentido político, isto é, para definir diferenças entre pessoas.
Para legitimar posições racistas, usa-se uma diferença biológica (que é superficial, pois não há raças entre os humanos) ou cultural (religião, modo de se vestir ou falar), justificando privilégios e exclusão social. O acusador coloca-se como superior em relação à vítima do racismo.
Quando exibimos as diferenças, de modo que ninguém seja agredido ou excluído ou colocado em uma condição de inferioridade, não se trata de racismo. Dizer que André é negro, Paulo é branco, Mário é loiro etc. não significa racismo. Dizer que Luísa tem um cabelo trançado muito bonito e Márcia tem um cabelo loiro dourado, não é racismo. No entanto, usar essas diferenças para discriminar ou tentar humilhar ou "diminuir" o outro consiste em racismo.
Por tudo isso, é importante identificar o racismo feito sem palavras e que pode ser expresso nas mais variadas formas de linguagem.
Ter amigos negros não faz de ninguém menos racista. Ser filho ou parente de negros também não. O que impede uma pessoa de ser racista é entender que o racismo é um mal cruel e excludente, que relega as vítimas à pobreza material e à destruição de seus valores e de sua cultura.
A relação do racista com a sua vítima está ligada, diretamente ao pensamento de dominação de um povo sobre outro, de um indivíduo sobre o outro. A atitude racista e uma atitude de dominação, característica dos processos de colonização que empreenderam diferentes impérios ao longo da história da humanidade. A dominação dos europeus contra africanos e americanos levou à escravização de negros e índios que tão bem conhecemos no Brasil.
O racismo não apenas mata, mas deixa morrer e faz matar. Por isso a escola deve valorizar atitudes antirracistas, para construir consciência e favorecer práticas de valorização da vida. Assim, o antirracismo se traduz em duas condições, uma ética e outra política. A condição ética trata de refletir sobre si para não cometer a violência. A condição política se ocupa de evitar ações racistas de outras pessoas e exigir que as autoridades promovam a inclusão das vítimas, participando ou se solidarizando com grupos representativos dessa minoria - que é minoria no usufruto dos seus direitos e não em termos de números.
Para não se comprometer com o racismo, é preciso ser antirracista, pois, quem não se opõe ao racismo diretamente coloca-se em uma opção de banalidade e omissão em relação às vítimas, e ainda colhe os frutos do racismo. Se a vítima não combate o racismo, então, vai colher os frutos da discriminação.

A condição do negro está ligada ao racismo e à miséria. Considerando a população brasileira em geral, pode-se afirmar que raros são os casos nos quais os negros superam condição de pobreza ou mesmo de miséria e recebem notoriedade social.
A miséria causada pelo racismo e pelas políticas de Estado pós-libertação dos escravos e a despreocupação das autoridades geraram um contingente de excluídos ou marginalizados, que são reconhecidos pela mesma cor de pele, cabelo, lábios e cultura de raízes africanas - os negros.
A falta do mínimo necessário para a vida gerou e gera duas orientações: a revolta e a acomodação. A revolta pode ser política, isto é, negros e negras se encontram para discutir o que lhes faz sofrer e cobrar das autoridades a igualdade. A acomodação pode ser entendida como uma alienação. Muitos negros e negras simplesmente aceitam o papel que as elites lhes impuseram durante séculos - a de que eram trabalhadores braçais em situação precária. Por outro lado, a alienação pode gerar a vitimização: o indivíduo se vê sempre perseguido e incapaz de agir, o que resulta em baixa auto-estima. Em consequência, os negros valo¬rizam outras culturas, como a da hegemonia branca européia.
Para Sartre, o negro precisa encontrar a sua "negritude", que é a maneira dialética, ou a negação da injustiça, causada pelo capitalismo. A condição negra de miséria, de humilhação e exclusão social, foi gerada pelo capitalismo, em processos de escravização de um povo sobre outro povo. Do ponto de vista cultural, diferentemente do proletário europeu, formado pelas fábricas, o negro teve um espaço para desenvolver sua cultura, que só podia ser uma cultura de resistência. Cada vez que um negro coloca uma roupa que expressa sua identidade, compõe uma música que fala de sua vida. não tenta moldar o seu corpo para ser igual aos outros, ele produz a "negritude'', a resistência cultural dentro do capitalismo racial e cristão. A negação do ato colonizador.
O capitalismo colocou o burguês e o trabalhador em oposição por meio de uma situação de exploração. Mas o capitalismo também colocou o branco europeu em oposição ao negro escravo e ao negro pós-libertação, o que também resultou em formas de exploração. O capitalista oprime o trabalhador enquanto, em certa medida, o trabalhador branco oprime o negro. Por isso, o negro deve assumir a consciência de que sua raça é explorada por uma questão social de dominação do homem branco e não por sua natureza biológica.
Em Sartre, ha uma diferença entre o trabalhador branco e o trabalhador negro, pois apesar de ambos sofrerem as dificuldades da pobreza, o negro sofre como negro, isto é, além da pobreza, ele encontra a discriminação junto àqueles que também são pobres e oprimidos, e até os trabalhadores brancos discriminam o trabalhador negro.
O que é preciso fazer? É preciso que cada um tome consciência de sua condição; que o trabalhador tome consciência de sua exploração e perceba que os problemas advêm de sua posição no mundo capitalista; que o negro identifique sua condição de submetido pelo racismo. Sob a inspiração de Sartre, pode-se pensar que a consciência de que é submetido ao racismo deve favorecer o entendimento por parte dos negros de que é preciso assumir-se como negro, sem negar origens africanas e história cultural, mas negando a condição de exclusão e inferioridade de que foram vítimas. Assim, o negro deve orgulhar-se de sua negritude, atribuindo significados positivos ao fato de ser negro.
Sartre inspira um pensamento de valorização do negro. Um olhar negro sobre o mundo. Uma compreensão de que o negro não pode ser conjugado como o mal.
A nossa cultura associa as palavras negro, negra e preto ou preta a ideias pejorativas. Por exemplo, o que significam as expressões "mercado negro", "o lado negro", "magia negra", "a coisa está preta"?
A ideia de negritude entendida como valorização do negro e crítica à visão negativa do mesmo impõe outra opção à ordem da cultura excludente. Sendo chamados de negros ou afrodescendentes, essas pessoas se encontraram pela negritude, que significa valorização do negro, da história dos povos africanos, da cultura negra e de uma nova visão sobre os negros, bem como sobre a importância de superação da exclusão social a que foram submetidos.
A negritude seria o desenvolvimento da cultura negra após a colonização. Nela, estaria uma inversão em oposição ao sistema eurocêntrico capitalista e branco. A negritude revela o racismo.

QUESTÕES:

1. Você já presenciou casos de preconceito e/ou discriminação contra alguém? O que você pensa a respeito disso?

2. Quando pensamos em desigualdades, pensamos em minorias e no quanto elas passam por

momentos de preconceitos e de discriminação. Formule uma definição para o termo “minoria social”.

3. Pesquise, registre o significado das palavras: Alteridade e Empatia e responda por que essas palavras devem adquirir mais importância no mundo contemporâneo?

4. Reflita e comente cada uma dessas questões: Existe racismo no Brasil? Como os idosos são tratados? A diferença entre pobres e ricos depende do esforço de cada um? Os papeis sociais assumidos por homens e mulheres sempre foram os mesmos?

5. Realize uma breve pesquisa sobre a vida dessas mulheres: Maria Quitéria de Jesus - Bertha Lutz - Nísia Floresta - Simone de Beauvoir - Lélia Gonzales - Olympe de Gouges


INTRODUÇÃO A FILOSOFIA POLÍTICA

 O objetivo deste tema é levá-los a refletir sobre os três poderes e a importância de se estabelecerem leis e garantir o seu cumprimento. Para isso, iniciaremos a discussão abordando os mecanismos sociais destinados a controlar os governantes, a partir da questão: Como fazer o controle?

As leis: As leis Muitos filósofos já refletiram sobre a origem da política. Por exemplo, alguns consideravam que havia um estado de guerra universal, em que todos lutavam contra todos, instintiva e racionalmente (Thomas Hobbes e John Locke), e, a partir disso, os homens fizeram um pacto e elegeram um soberano (monarquia) ou uma assembleia (aristocracia) para defender a manutenção desse contrato social. Diferentemente de autores como Hobbes e Locke, Montesquieu preferiu pensar a vida política inspirado na Ciência, mais especificamente, na análise empírica. Para ele, não havia uma lei universal, a não ser a razão, por meio da qual cada povo cria leis e normas, segundo as suas necessidades.
Em geral, ao longo da história, os povos estabeleceram três tipos de governo: o republicano, o monárquico e o despótico. Os governos se diferenciam em sua concepção, segundo a distribuição de poder ou soberania. O poder soberano, em uma república, é dividido entre todos, ou entre uma parte da sociedade. Nas monarquias, o poder está concentrado em uma única pessoa, que obedece a leis imutáveis. Sob o despotismo, o poder soberano está em uma só pessoa, que obedece apenas à sua própria vontade. Cada um desses modelos de governo traz um princípio ético que lhe é essencial. Como é preciso escolher os representantes, em uma república, o fundamental é a virtude, isto é, quanto mais qualidades, melhor. Em uma monarquia, é necessária a honra do monarca. O medo, por sua vez, constitui o princípio do despotismo; sem provocá-lo, não há como governar. Observe o quadro:
Tipos de governo
A quem pertence a soberania
Princípio

Republicano
O poder soberano é dividido entre todos, ou entre uma parte da sociedade
Virtude
Monárquico
O poder soberano está em uma só pessoa, que obedece a leis imutáveis.
Honra

Despótico
O poder soberano está em uma só pessoa, que obedece apenas à sua própria vontade
Medo

No governo republicano, a virtude é fundamental, uma vez que ela elimina a corrupção proveniente das ambições pessoais. Sem a virtude, os que estão no poder retirarão do Estado todos os benefícios possíveis para si, e assim o deixarão incapaz de cumprir sua missão de dar uma vida digna aos cidadãos. O benefício usurpado pelas autoridades significa menos saúde, menos educação e menos justiça para as pessoas mais pobres. Por isso, é fundamental que as autoridades sejam escolhidas por suas capacidades e pela vontade de cuidar do Estado, para que o Estado assuma responsabilidades por meio de políticas públicas capazes de cuidar das pessoas. Isso não significa a aparência de virtude, mas a virtude provada historicamente. Além das formas de governo no Estado, há três poderes, segundo Montesquieu: o poder de legislar, o poder de executar e o poder de julgar. Em cada sociedade, esses três poderes são destinados a determinadas pessoas: no caso de um governo monárquico, cabe ao rei julgar e executar e ao parlamento, legislar; quando se trata de um governo despótico, os três poderes estão concentrados nas mãos do tirano; em um governo republicano, cabe à aristocracia ou ao povo dividir os poderes e eleger a quem será atribuído cada um deles.
A separação dos poderes: No Brasil, que é uma república, também temos o poder de executar, o poder de julgar e o poder de legislar, tal como proposto por Montesquieu. Em nossa sociedade, os três poderes (Executivo, Judiciário e Legislativo) são distribuídos da seguinte forma:
Poder Executivo
Presidência da República, governos de Estados e prefeituras.
Poder Judiciário
Tribunais de Justiça
Poder Legislativo
Senado Federal, Câmara dos Deputados (federal), Assembleia Legislativa (estadual) e Câmara dos Vereadores (municipal).

Em âmbito federal, os Três Poderes se relacionam sob o grande contrato ou pacto brasileiro que é a Constituição.
Para Montesquieu, não há como manter a liberdade sem as leis e um governo. Alguém tem de se diferenciar pela autoridade, o que, segundo o pensador, era atributo dos magistrados, senadores, juízes, pais, maridos e proprietários de terras. Mas é a lei que deve regular esses poderes. Lei e liberdade são fundamentais para que as pessoas vivam bem. Também, ao contrário de Hobbes, que pensava o soberano acima de tudo, Montesquieu compreendia que ninguém pode estar acima da lei.

Questões:

1. Pesquise, em livros de Filosofia e na internet, sobre o campo de estudos da Filosofia Política.

2. Indique os filósofos mais representativos deste campo de estudos.

3. Os sistemas de governo citados se opõem ou se complementam? Explique.

4. Elabore um mapa conceitual sobre os diferentes sistemas de governo.

5. A partir do mapa elaborado, em que sistema o Brasil se encaixa? Dê um exemplo atual de

um país cujo regime ou governo se encaixe nos outros sistemas. 

segunda-feira, 6 de julho de 2020

PLATÃO E A JUSTA DESIGUALDADE



O objetivo do texto é desenvolver as competências e habilidades em relacionar informações, representadas de diferentes formas, e conhecimentos disponíveis em diferentes situações para construir argumentação consistente; reconhecer a democracia como uma forma de regime político que precisa ser permanentemente aprimorado; reconhecer o caráter insatisfatório, ingênuo e até mesmo ideológico de certas explicações normalmente aceitas pelo senso comum para o problema da desigualdade; conhecer e dominar aspectos do pensamento de Platão e operar com os conceitos platônicos trabalhados; ler, compreender e interpretar textos teóricos e filosóficos; expressar-se por escrito e oralmente de forma sistemática; elaborar hipóteses e questões a partir das leituras e dos debates realizados. Para isso, vamos iniciar uma discussão sobre a política com base nas possibilidades e na qualidade da participação política. Além disso, fazer uma reflexão sobre a democracia pautando-se pela perspectiva antidemocrática de Platão. Nesse sentido, deveremos atentar para como Platão explica a desigualdade de classes na sociedade ateniense em seu tempo, valendo-nos, para tanto, da obra A República. Abordaremos, basicamente, a concepção platônica de justiça e a teoria da alma, elementos importantes para a compreensão da visão platônica sobre o tema. A título de conclusão, será apresentada a posição de Platão acerca da escravidão e do papel da mulher na sociedade, procurando-se explicitar o caráter, ao mesmo tempo, avançado e limitado dessa posição. Para empreender esse estudo, tomamos como principal obra de referência o livro Introdução à História da Filosofia, de Marilena Chauí, além de outras obras sobre a história da Filosofia.
A democracia é um regime que permite e requer diversidade de opiniões, a criação de organizações, associações, movimentos e partidos e por isso é na democracia que os conflitos e disputas são uma constante e possibilitam a manutenção e a ampliação de direitos. Ou seja, quanto mais vozes tiverem o direito de ser ouvidas, mais conflitos e disputas se farão presentes na sociedade democrática e é por isso que a democracia tem o potencial de se abrir para revisões e transformações da realidade. A democracia caracteriza-se pela pluralidade de vozes e, portanto, o pior que pode acontecer com a democracia é a violência que promove o medo e tende a provocar o silêncio.
LIVRO VIII – A República - A Filosofia Política trata da moral, dos homens e da sua vida entre os outros homens organizados na cidade. Ou seja, a Filosofia Política trata do conhecimento da realidade prática em que os homens vivem e agem. Na obra A República, Platão exercita a Filosofia Política ao descrever os regimes políticos da sua época, o modo de existência que eles propiciam, assim como as formas de degradação desses regimes. A democracia descrita por Platão é um sistema que não considera a especificidade e a competência individual. Assim, o controle do governo pode ser reivindicado por qualquer um.
Segundo Platão, o indivíduo que é criado e vive em uma democracia ignora a hierarquia e as prioridades e em sua vida não há ordem nem necessidade. Seu dinheiro e esforços são gastos sem precedências e, por isso, prazeres supérfluos e necessidades encontram-se na mesma condição. Platão retrata o homem democrático como um homem dedicado aos prazeres, que não reconhece hierarquia e as autoridades instituídas, e essa condição permite que a democracia, ao se degradar, abra espaço para a tirania. Segundo Platão, a paixão insaciável pela riqueza e a indiferença com que é tratada a hierarquia e os poderes instituídos promovem a passagem da democracia para a tirania. E Platão descreve dessa forma os elementos dessa passagem:
– Mas não é o desejo insaciável do que a democracia considera como seu bem supremo que destruiu
essa última?
– A que bem te referes?
– À liberdade – repliquei. – Pois, numa cidade democrática ouvirás dizer que este é o mais belo de
todos os bens; daí porque um homem nascido livre não poderia habitar alhures exceto nesta cidade.
– Sim, é a linguagem que se ouve amiúde.
– Ora, e era o que eu ia dizer há pouco, não será o desejo insaciável deste bem e a indiferença por
tudo o mais, que muda este governo e o compele a recorrer à tirania?
– Como? – perguntou ele.
– Quando uma cidade democrática, alterada pela liberdade, encontra em seus chefes maus escanções, ela se embriaga com este vinho puro, ultrapassando toda decência; então, se os que a governam não se mostram totalmente dóceis e não lhe servem larga medida de liberdade, ela os castiga, acusando-os de criminosos e oligarcas.
– É indubitavelmente o que faz – disse ele.
– E os que obedecem aos arcontes, ela os escarnece e os trata de homens servis e sem caráter; em troca, elogia e honra, tanto em particular como em público, os governantes que têm o ar de governados e os governados que assumem o ar de governantes. Não é inevitável que numa cidade assim o espírito de liberdade se estenda a tudo?
– Como não?
– Que ele penetre, meu caro, no recesso das famílias e que, ao fim, a anarquia ganhe até os animais?
– O que entendemos por isso? – inquiriu.
– Que o pai se acostume a tratar o filho como igual e a temer os filhos, que o filho se iguale ao pai e não dedique respeito nem temor aos pais, porque deseja ser livre [...]
– Sim, é assim mesmo – disse ele.
– Eis o que se verifica – continuei – e, como esses, outros pequenos abusos. O mestre receia os discípulos e passa a adulá-los, os discípulos fazem pouco caso dos mestres e dos pedagogos. Em geral, os jovens copiam os mais velhos e lutam com eles nas palavras e nas ações; os velhos, de sua parte, rebaixam-se às maneiras dos jovens e mostram-se cheios de jovialidade e pretensão, imitando a juventude, de medo de passar por fastidiosos e despóticos. [...]
– Ora, vês o resultado de todos esses abusos acumulados? Concebes, efetivamente, que tornam a alma dos cidadãos de tal modo assustadiça que, à menor aparência de coação, estes se indignam e se revoltam? E chegam por fim, bem sabes, a não mais se preocupar com leis escritas ou não escritas, a fim de não ter absolutamente nenhum senhor.
– Bem o sei – respondeu.
– Pois então!, meu amigo – continuei – este governo tão belo e tão juvenil é o que dá nascimento à tirania, pelo menos no meu pensar. PLATÃO. A República. Organização e tradução J. Guinsburg. São Paulo: Perspectiva, 2010. p 301-339.
Oração fúnebre de Péricles – História da Guerra do Peloponeso - No curso do mesmo inverno os atenienses, seguindo um costume de seus antepassados, celebraram a expensas do tesouro os ritos fúnebres dos primeiros concidadãos vítimas desta guerra. [...] Após o enterro dos restos mortais, um cidadão escolhido pela cidade, considerado o mais qualificado em termos de inteligência e tido na mais alta estima pública, pronúncia um elogio adequado em honra dos defuntos. [...] Péricles filho de Xântipos foi escolhido para falar. No momento oportuno ele avançou para o local do mausoléu, subiu à plataforma, bastante alta para que a sua voz fosse ouvida tão longe quanto possível pela multidão, e disse o seguinte:“[...] Mencionarei inicialmente os princípios de conduta, o regime de governo e os traços de caráter graças aos quais conseguimos chegar à nossa posição atual, e depois farei o elogio destes homens, pois penso que no momento presente esta exposição não será imprópria e que todos vós aqui reunidos, cidadãos e estrangeiros, podereis ouvi-la com proveito. [...]
Vivemos sob uma forma de governo que não se baseia nas instituições de nossos vizinhos”; ao contrário, servimos de modelo a alguns ao invés de imitar outros. Seu nome, como tudo depende não de poucos mas da maioria, é democracia. Nela, enquanto no tocante às leis todos são iguais para a solução de suas divergências privadas, quando se trata de escolher (se é preciso distinguir em qualquer setor), não é o fato de pertencer a uma classe, mas o mérito, que dá acesso aos postos mais honrosos; inversamente, a pobreza não é razão para que alguém, sendo capaz de prestar serviços à cidade, seja impedido de fazê-lo pela obscuridade de sua condição. [...] Ao mesmo tempo que evitamos ofender os outros em nosso convívio privado, em nossa vida pública nos afastamos da ilegalidade principalmente por causa de um temor reverente, pois somos submissos às autoridades e às leis, especialmente àquelas promulgadas para socorrer os oprimidos e às que, embora não escritas, trazem aos transgressores uma desonra visível a todos.
Somos amantes da beleza sem extravagâncias e amantes da filosofia sem indolência. [...] entre nós não há vergonha na pobreza, mas a maior vergonha é não fazer o possível para evitá-la. Ver-se-á em uma mesma pessoa ao mesmo tempo o interesse em atividades privadas e públicas, e em outros entre nós que dão atenção principalmente aos negócios não se verá falta de discernimento em assuntos políticos, pois olhamos o homem alheio às atividades públicas não como alguém que cuida apenas de seus próprios interesses, mas como um inútil; nós, cidadãos atenienses, decidimos as questões públicas por nós mesmos, ou pelo menos nos esforçamos por compreendê-las claramente, na crença de que não é o debate que é empecilho à ação, e sim o fato de não se estar esclarecido pelo debate antes de chegar a hora da ação. Consideramo-nos ainda superiores aos outros homens em outro ponto: somos ousados para agir, mas ao mesmo tempo gostamos de refletir sobre os riscos que pretendemos correr, para outros homens, ao contrário, ousadia significa ignorância e reflexão traz a hesitação [...].” Elaborado especialmente para o São Paulo faz escola.
o primeiro trata-se do trecho da obra de Platão, Livro VIII de A República. Nesse fragmento, Platão, pelas palavras de Sócrates, apresenta as suas considerações sobre o sistema democrático por meio da sua experiência com a democracia ateniense. O segundo fragmento é um trecho da Oração fúnebre de Péricles, da obra História da Guerra do Peloponeso, de Tucídides, que apresenta a perspectiva de Péricles sobre a cidade governada de forma democrática. O texto de Platão e o de Tucídides convidam o leitor a refletir sobre os méritos e os limites da forma democrática de governo, tal como ela foi inventada na Grécia no século V a.C. A crítica de Platão é explícita, sugere que a democracia tende a degenerar em tirania, pois dá espaço à demagogia; já a oração fúnebre relatada por Tucídides dá o que pensar a respeito da relação entre a forma democrática de governo e as guerras.
A justiça na República Platônica - Justiça, apesar do seu uso corrente, é um conceito de difícil demarcação. Os dicionários referem-se à justiça, entre outras possibilidades, como distribuição que permite a cada um ter o que é seu e/ou que tal distribuição seja feita de forma imparcial. Essas possibilidades de entender a justiça parecem ter relação com o que entendemos, de forma geral, por justiça.
No Livro I da República, Platão introduz, pela fala de Sócrates, a discussão sobre a justiça, a partir do temor que a proximidade da morte causa em alguns, em especial, os castigos que podem ser infringidos por causa das injustiças cometidas no mundo dos vivos. No decorrer do Livro I da República podemos encontrar definições interessantes de justiça, tais como: a condição de retribuir o que se tomou ou a perspectiva de que justiça é fazer bem aos amigos e mal aos inimigos. No Livro II, após o debate acerca da natureza do justo e do injusto e sobre o poder da justiça e da injustiça, Sócrates sugere uma nova estratégia para se pensar a justiça. Segundo a fala de Sócrates, o debate deveria se encaminhar, em primeiro lugar, acerca da justiça na cidade, quais as condições que revelam uma cidade justa e depois aplicar esse critério de justiça nos indivíduos. Nesse contexto é introduzida a análise sobre o nascimento das cidades, sobre como os homens que vivem juntos e dependem uns dos outros para prover as suas necessidades básicas de alimentação, vestimenta e proteção. A partir dessa constatação, no Livro III da República, é introduzida a temática do que cada cidade precisa para manter-se, dos predicados que os moradores devem possuir, suas disposições naturais e o papel da educação nesse contexto.
Por que estudar a teoria da alma, de Platão? Porque ela vem complementar a discussão feita pelo autor sobre o papel de cada classe social na constituição da cidade justa. Com efeito, Platão traça um paralelo entre o homem concebido individualmente (com as três partes de sua alma) e a cidade, composta de três classes sociais. Assim como o homem justo é aquele que tem as partes da alma em equilíbrio e harmonia, graças ao comando da razão, também a cidade justa, harmoniosa e próspera é aquela em que cada classe cumpre com afinco sua função, sob o comando dos magistrados. Tal concepção, sem dúvida, contribui para legitimar a estrutura social pensada por Platão como ideal e na qual o governante governa com sabedoria, os militares cuidam da defesa com coragem e os produtores exercem a temperança na produção da subsistência da cidade.
A visão de Platão sobre as classes sociais conduz a certa naturalização da desigualdade e, nesse sentido, diferenças justificam as desigualdades. A posição platônica, dessa forma, não considera a convenção (como possivelmente pensavam os sofistas, adversários políticos de Platão), isto é, deixa de ser considerada como obra humana, e passa a ser entendida como expressão da natureza intrínseca ao homem, como fruto de uma espécie de disposição inata das pessoas para exercer determinado papel na sociedade, disposição que se justifica por uma ideia de bem e justiça. A essa concepção será contraposta, mais adiante, a posição de Rousseau, para quem a desigualdade resulta de uma convenção.
Platão e a teoria da alma - A noção que Platão tem de justiça é reforçada pela sua teoria da alma. Para ele, assim como na cidade há três classes distintas, também a alma humana possui três partes, cada uma encarregada de uma função específica:
1. Parte concupiscente ou apetitiva: situada no baixo-ventre (entre o diafragma e o umbigo), é a parte da alma responsável pela busca da bebida, da comida, do sexo, dos prazeres, enfim, de tudo quanto é necessário à conservação do corpo e à reprodução da espécie. É irracional e mortal.
2. Parte colérica ou irascível: irascível é quem se irrita ou se enraivece com facilidade. Localizada no peito, acima do diafragma, sua função é defender o corpo contra tudo o que possa ameaçar sua segurança. Também é irracional e mortal.
3. Parte racional: é a função superior da alma, o traço divino que há em nós. Situada na cabeça, é responsável pelo conhecimento. Apenas essa parte é imortal.
O homem virtuoso é aquele em que cada parte da alma realiza na medida justa (sem falta nem excesso) a função que lhe cabe, sob a regência da parte racional. Cabe, portanto, à parte racional dominar as outras duas. O domínio da razão sobre a concupiscência resulta na virtude da temperança (moderação); o domínio da razão sobre a cólera produz a virtude da coragem ou da prudência. A virtude própria da parte racional é o conhecimento. Por outro lado, o homem vicioso é aquele em que as partes da alma não conseguem realizar suas funções próprias, ou as realizam desmesuradamente, o que ocorre quando a parte racional perde o comando sobre as outras duas. Nesse caso, instaura-se a desordem, o conflito, a violência contra si e os demais.
Ora, o que vale para o homem individualmente vale também, de certo modo, para a cidade e as três classes sociais nela existentes. Na classe econômica, predomina a parte concupiscente da alma. Daí ela estar sempre voltada para a obtenção de riquezas e prazeres. Assim, se essa classe assumir o governo, a cidade será mergulhada em sérios problemas econômicos, aprofundando as desigualdades. Na classe dos guerreiros, predomina a parte colérica, razão pela qual apreciam os combates e a fama. Se governarem, a cidade viverá em constante estado de guerra, tanto interna quanto externamente, gerando insegurança e instabilidade. Finalmente, na classe dos magistrados, predomina a parte racional da alma, o que lhe favorece conhecer a ciência da política e, desse modo, governar as outras duas classes e em conformidade com a justiça.
Em suma, assim como o homem justo é aquele em que a razão governa a cólera e a concupiscência, também na cidade, para haver justiça, é preciso que os magistrados governem as demais classes, dedicando-se estas às funções que lhes são próprias. Caberá à educação preparar os indivíduos de cada classe para o exercício da função e da virtude a ela correspondentes. Assim, a classe econômica deve ser educada para a frugalidade e a temperança; a classe militar, para a coragem; e a classe dos magistrados, para a prudência. O resultado dessa combinação será uma quarta e principal virtude: a justiça. Assim, a cidade justa é aquela em que cada classe cumpre harmoniosamente o papel que lhe cabe: o magistrado governa, o soldado defende e a classe econômica provê a subsistência dos cidadãos, tudo na mais perfeita harmonia. Desse modo, cada um exercendo a função correspondente às inclinações de sua alma, às características de sua natureza, todos concorrerão para a realização da justiça.
Eis, portanto, como Platão legitima e justifica a desigualdade entre as classes, apresentando-a como expressão da justiça e instrumento para a realização do bem comum.
Qual a posição da mulher na sociedade ateniense com base na perspectiva da filosofia platônica? Platão parece inovar significativamente em comparação com a mentalidade dominante de sua época. Ele considera que, no que se refere à sua natureza intrínseca, não existem diferenças entre homens e mulheres. As que existem são apenas diferenças acidentais. Da mesma forma, nas funções administrativas da cidade, não há nenhuma que seja exclusiva da natureza masculina nem da natureza feminina, de modo que ambos os sexos podem se ocupar das mesmas funções, desde que demonstrem preparo e aptidão para elas. Por isso, ao serem preparados para tais atividades, homens e mulheres devem receber a mesma educação.
Cabe esclarecer que, a despeito do caráter inegavelmente avançado dessa posição de Platão, ele não chega a ser exatamente um feminista. Aliás, isso nem seria possível em uma sociedade patriarcal como a de Atenas do século V a.C., em que as mulheres nem sequer eram contadas entre os cidadãos. Daí a afirmação aparentemente contraditória de que as mulheres são em tudo mais fracas que os homens. Esse “deslize” de Platão serve para mostrar que os filósofos (como quaisquer seres humanos) estão, em grande parte, condicionados pelo meio em que vivem (valores, costumes, crenças, visões de mundo, interesses), condicionamento esse que impõe limites ao alcance de sua visão sobre os problemas que tomam como objeto de sua reflexão. Isso, por outro lado, em nada desqualifica a contribuição que trazem para o conhecimento e a superação desses problemas.
Os escravos e as mulheres na visão de Platão em A República - Se Platão não vê problemas na existência de classes sociais, resta saber o que ele pensa a respeito da escravidão e do papel das mulheres na sociedade. No que se refere à escravidão, era costume entre os povos antigos que, nas guerras, os vencedores escravizassem os vencidos. Esse suposto direito fundamentava-se na ideia de que, a princípio, o vencedor poderia matar o vencido, o qual, porém, poderia preservar a vida ao preço de sua liberdade. Platão, ao que parece, não se opõe inteiramente a esse costume. No entanto, recomenda que se aplique apenas aos inimigos estrangeiros e não aos gregos. Vale lembrar que as cidades gregas frequentemente entravam em conflito entre si.
Com relação ao papel das mulheres, considerando que na sociedade grega antiga elas nem sequer eram cidadãs, Platão surpreende defendendo a ideia de que, no caso das mulheres dos magistrados ou guardiões, as que se mostrassem capazes poderiam exercer as mesmas funções e receber a mesma educação.
Mas como isso seria possível se homem e mulher têm naturezas diferentes e se o próprio Platão afirmara que a cidade justa é aquela em que cada um exerce a atividade para a qual está apto por natureza? Nesse sentido, homem e mulher não poderiam exercer uma mesma atividade. Na realidade, diz Platão, as diferenças entre homens e mulheres são apenas acidentais (como o fato de a mulher dar à luz e o homem procriar) e não essenciais. Portanto, ambos podem ocupar-se das mesmas funções. Nas palavras do autor: “Ah! Meu amigo, entre as ocupações da administração da cidade, nenhuma cabe à mulher porque ela é mulher, nem ao homem porque ele é homem, mas as qualidades naturais estão igualmente disseminadas nos dois sexos e, por natureza, a mulher participa de todas ocupações e de todas também o homem, mas em todas elas a mulher é mais fraca que o homem”. Se homem e mulher podem desempenhar funções idênticas, é natural que recebam então a mesma educação: “Então, para que uma mulher se torne guardiã, não haverá entre nós uma educação para os homens e outra para as mulheres, principalmente porque ela irá cuidar de uma mesma natureza”.
Mais adiante, no livro VII, ao descrever como deve ser a educação do governante da cidade, Platão reitera pela boca de Sócrates: “Não penses que o que eu disse cabe mais aos homens que às mulheres, a quantas delas por natureza forem competentes”.
A ideia de que a mulher é mais fraca do que o homem, expressa ao final da citação apresentada, absolutamente dispensável e inaceitável aos nossos olhos contemporâneos, revela os limites do pensamento de Platão, particularmente com relação ao papel da mulher. Afinal, como qualquer pessoa, ele também está, em grande medida, condicionado pelos valores dominantes de sua época. Tal condicionamento, porém, não anula o caráter relativamente avançado e inovador de suas posições a esse respeito, comparativamente a esses mesmos valores.
1.       Qual o objetivo do tema?
2.       O que é justiça, segundo Platão? Você concorda?
3.       Como a cidade poderia funcionar de maneira mais justa?
4.       Explique a democracia descrita por Platão.
5.       Explique como é o indivíduo que é criado e vive em uma democracia, Segundo Platão.
6.       Explique a teoria da alma, segundo Platão.
7.       Como é o homem virtuoso, segundo Platão?
8.       Por que, segundo Platão, homens e mulheres podem ocupar-se das mesmas funções.
9.       1. O que são, para Platão, o homem virtuoso e o homem vicioso?
10.    2. Como Platão articula sua teoria da alma humana com as três classes sociais da sociedade ateniense de seu tempo?
11.    Escreva uma breve reflexão pessoal (20 a 30 linhas) sobre o tema: “A participação política da mulher na sociedade brasileira”.
12.    Qual é o conceito de justiça defendido por Platão? Você concorda com ele? Justifique.
13.    Que papel Platão atribui à educação na promoção da justiça? Você concorda? Justifique.
 Prof. Manoelito    Boa Sorte!!!!!!!