segunda-feira, 10 de agosto de 2020

CARACTERÍSTICAS DO DISCURSO FILOSÓFICO – COMPARAÇÃO COM O DISCURSO CIENTÍFICO

FILOSOFIA E CIÊNCIA: UMA ORIGEM COMUM E UM DESTINO DE SEPARAÇÃO
 
O Objetivo é pensar nas semelhanças e diferenças entre o discurso filosófico e o discurso científico.
No momento de origem da Filosofia, na Antiguidade Grega, não havia distinções entre Filosofia e Ciência. Filosofia era considerada o conjunto de todos os conhecimentos: físicos e metafísicos. A leitura dos textos de Aristóteles, por exemplo, revela que este autor escreveu sobre a alma e sobre a natureza, sem distinguir os campos de conhecimento científicos e filosóficos como fazemos atualmente.
O saber filosófico contemplava uma enorme diversidade de conhecimentos, uma vez que os primeiros filósofos colocavam-se questões relativas aos campos que hoje são identificados como Matemática, Biologia, Física, lógica, Música, Teatro, Astronomia, Política e Ética. O mundo a ser compreendido abarcava questões em torno de dois grandes temas: a natureza e o homem. E como não havia acúmulo de conhecimentos associados a nenhum dos dois temas, a Filosofia foi se constituindo como um campo amplo de perguntas e respostas sobre o mundo natural e o mundo humano. Essa abordagem ampla da Filosofia preservou-se até o período medieval, quando a Teologia se constitui como campo dos estudos sobre Deus e sobre a fé.
A partir do Renascimento e durante a Idade Moderna, Física, Matemática, Química e Biologia foram conquistando autonomia em relação à Filosofia e delimitando campos específicos de investigação de seus objetos num processo que se estende por séculos. Newton e Descartes são autores cujas obras registraram aspectos que sugerem uma transição, na qual a Filosofia se separa da Ciência. O livro em que Newton apresenta leis da mecânica chama-se Princípios matemáticos de filosofia natural. Um livro de Descartes, que se chama Princípios de Filosofia, está dividido em quatro partes, denominadas, Dos princípios do conhecimento humano, Dos princípios das coisas materiais, Do mundo visível e A Terra.
Foi fundamental para a separação entre Filosofia e Ciência a formulação sobre o método científico, que tem início no Renascimento, nos séculos XIV, XV e XVI, e se consolida nos séculos XVII, XVIII e XIX. Essa formulação entende que os conhecimentos sobre a natureza devem ser passíveis de observação e experimentação para verificação de hipóteses. O próprio conceito de Ciência ganha essa forte significação de conhecimentos, que podem ser observados e experimentados para comprovação ou negação.
Outra ideia formulada no interior das Ciências, sobretudo a partir do século XIX, serve para especificá-la diante da Filosofia: a neutralidade do cientista em relação ao objeto de conhecimento. Segundo essa concepção, de que é preciso ser neutro diante do objeto investigado, o cientista não deveria interpretar e decidir quais dados selecionar entre aqueles que vai encontrando no processo de pesquisa científica. Essa concepção contemplava a visão de que os dados deveriam falar por si próprios, sendo o papel do cientista evidenciá-los. Muitas vezes, diante dessa perspectiva, considera-se que, de modo geral, os filósofos posicionam-se pensando seus temas valendo-se de sua visão de mundo, a qual condiciona sua interpretação, o que contrastaria com a neutralidade da Ciência. Filosofia e Ciência deveriam, assim, construir caminhos separados para o conhecimento.
Em síntese, pode-se afirmar que Filosofia e Ciência nascem juntas como conjunto de conhecimentos sobre a natureza e a sociedade humana e separam-se de forma vagarosa, ao longo de pelo menos seis séculos, nos quais uma determinada visão de Ciência, baseada na observação, experimentação, comprovação de hipóteses e suposta neutralidade, contribuiu para essa separação e caracterização dos discursos filosóficos e científicos, com a qual nos ocupamos neste Caderno. Aliada a essa visão de Ciência, tivemos ainda a crescente especialização dos saberes e a criação de campos de disciplinas como conhecemos atualmente. Nos séculos XIX e XX, uma nova visão de Ciência é formulada, baseada na ideia de que nem sempre são possíveis comprovações ou experimentações e é impossível a neutralidade do cientista, uma vez que ele necessariamente interpreta, seleciona e se posiciona de forma interessada diante de seus dados.
Como aproximações entre discurso filosófico e discurso científico, podemos destacar:
• a curiosidade e o conjunto de perguntas sobre a realidade que inspiram ambas as investigações;
• o esforço de explicitação de ideias que filósofos e cientistas empreendem;
• a construção de argumentação que permita a comunicação dos saberes formulados, investigados;
• a utilização de metáforas para oferecer imagens mais próximas a saberes já conhecidos no esforço de comunicação dos novos conhecimentos.
Como diferenças, podemos destacar:
• a Filosofia utiliza diversos gêneros textuais para expressar suas ideias: cartas, poemas, diálogos, ensaios. A Ciência não faz uso de tão diverso universo de gêneros textuais e seu gênero é o relatório de pesquisa e o artigo científico. A Filosofia questiona métodos e finalidades da Ciência. A Ciência utiliza instrumentos para construir dados e a Filosofia não está associada ao uso de instrumentos;
• as definições dos termos em Ciência são especificadas de forma que se generalize seu significado e, em Filosofia, um termo ou expressão pode ter diferentes significados, a depender do contexto e da formulação argumentativa do autor. Exemplo: a palavra “átomo”, em Química, e a palavra “sujeito”, em Filosofia. É comum usarmos as expressões: “Marx entende o sujeito como...”; “Para Foucault, o significado da palavra sujeito é...”; “Em Deleuze, o sujeito é...”; ou “Descartes afirmava que o sujeito constitui-se em...”.
Vamos realizar uma comparação entre esses dois tipos de discurso. Para isso, faremos a leitura dos próximos dois textos: um filosófico, de Michel de Montaigne, e outro tipicamente científico, retirado de um relatório sobre violência no Brasil.

DE COMO FILOSOFAR É APRENDER A MORRER

"Para Cícero, filosofar não é outra coisa que preparar-se para a morte. Talvez porque o estudo e a contemplação tiram a alma para fora de nós, separam nossa alma do corpo, o que, em suma, se assemelha à morte e constitui como que um aprendizado em vista dela. Ou então é porque de toda sabedoria e inteligência resulta, finalmente, que aprendemos a não ter receio da morte. Em verdade, ou nossa razão falha ou seu objetivo único deve ser a nossa própria satisfação, e seu trabalho tender para que vivamos bem, e com alegria, como recomenda a Sagrada Escritura. [...]  Não sabemos onde a morte nos aguarda, e por isto a esperamos em toda parte. Refletir sobre a morte é refletir sobre a liberdade; quem aprendeu a morrer, desaprendeu de servir; nenhum mal atingirá quem na existência compreendeu que a privação da vida não é um mal: saber morrer nos libera de toda sujeição e constrangimento". [...]

RELATÓRIO CIENTÍFICO: DADOS DE MORTALIDADE NO BRASIL

[...] "As lesões não intencionais e as violências constituem a primeira causa de mortalidade registrada na faixa etária de 15 a 60 anos, representando 30% do total de óbitos de causas determinadas em 1994'. Os homicídios e os acidentes de trânsito produzem impacto substancial na força de trabalho dos grandes centros urbanos, tendo sido responsáveis, em conjunto, por 28,7% dos anos de trabalho potencialmente perdidos (ATPP) em 1987. Seguem-se, em ordem decrescente de importância, as doenças do aparelho circulatório (24%) e as neoplasias (13%). A distribuição por subgrupos de idade mostra forte predominância das causas externas nos estratos de 15-19 e 20-29 anos (71% e 62%, respectivamente). Esse grupo de causas ocupa o primeiro lugar também entre 30-39 anos (38%), em que também há participação importante das doenças do aparelho circulatório (16%) e das doenças endócrinas e metabólicas (12%). Nos grupos etários de 40-49 e de 50-59 anos predominam as doenças do aparelho circulatório (30% e 39%, respectivamente), seguindo-se as neoplasias (16% e 21%) e as causas externas (20% e 9%). Cerca de 70% dos óbitos em todo o grupo adulto corresponderam ao sexo masculino." [...]

Questões:

          1. Pesquise, em dicionários físicos e/ou sites da internet, definições de hipótese, discurso e teoria.

2.       2. De acordo com o vídeo, qual é a relação entre hipótese e teoria?

3.       3. Na sua opinião, qual é a importância da “suspeita” para ler e criar teorias e hipóteses?

4.       4. Por que no texto, no caderno do aluno, a Filosofia pertence à “Terra de Ninguém”?

   5. Explique segundo o texto, porque Filosofia e Ciência tem uma origem comum e um destino de separação.

Um comentário:

  1. A epistemologia é a condutora do saber no universo do pensar que as ideologias filosóficas e seus pressupostos nos concedem no transitar da nossa existência.

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