O pior dos males: a inveja
Assim como podemos afirmar que a mãe de
todos os vícios é a preguiça e a das virtudes é à vontade, podemos,
seguramente, afirmar que a fofoca é filha da inveja! E por quê? Tenha
paciência. A resposta você encontrará no interior deste escrito.
1 - O
conceito de inveja a partir de sua etimologia
Como já lhe escrevi em outro artigo o
prefixo in que aparece em muitas palavras da nossa língua portuguesa, indica um
movimento que vai de fora para dentro. Contudo, em algumas palavras o sentido é
de negação. Um exemplo apenas: indiscutível, ou seja, que acerca de tal
proposição, não há mais como discutir.
No caso do conceito da inveja que é o
objeto de reflexão deste artigo, novamente o sentido vem ao encontro do que lhe
escrevi no artigo sobre virtude e vício. Razão pela qual estamos novamente
diante de uma palavra de origem latina. Inveja vem de invídia. IN = dentro e
VIDIA = ver. Significando precisamente o seguinte: vontade de não ver o que
está “dentro” do outro.
Desse modo o invejoso é aquele que não
quer apenas o que o outro tem. Ele deseja destruir o que o outro tem, e que
somente ele tenha o que o outro conquistou. Mais adiante isso vai ficar mais
claro. Agora lhe convido a ler o tópico a seguir e ver o quanto ele se aplica
no seu cotidiano.
2 - A origem
das palavras concórdia e discórdia e sua imbricação com a inveja.
Na verdade essas três palavras remontam
a mitologia romana. Antes uma informação importante. Até o cristianismo
tornar-se a religião oficial do Império Romano no Séc. IV havia um deus para
cada situação. É por essa razão que dizemos que eles eram politeístas.
Quando as pessoas viviam em harmonia,
diziam que a deusa Concórdia era a que reinava. Desse modo COM = junto à, COR =
coração e IA = estudo. Tradução: estudo acerca dos corações que se aproximam.
A deusa da inveja recebia o nome de
Discórdia. Os cabelos dela eram todos em forma de cobra. Em uma de suas mãos
ela tinha uma cobra e na outra uma espada. Por que razão será? Então: DIS =
“QUE SEPARA” e CORDIA? Esse sufixo você já sabe.
É por esta
razão que existem inúmeras palavras em nossa língua portuguesa que derivam
dessas duas. Apenas algumas para exemplificar: contrato = que está tratado com;
distrato = quanto há a separação do que foi tratado; Eu concordo com você = no
sentido que o meu coração se aproximou de ti; eu discordo de você = indicando
que nossos corações (neste caso opiniões) se distanciaram. Sugiro que antes de
continuar a leitura você tente lembrar-se de outras.
Você sabia
que não havia nenhum templo erguido na Roma antiga para a deusa Discórdia?
Certamente é porque os romanos sabiam que esse tipo de sentimento, que ainda
existem em nossos dias, era um grande mal.
3 - A
compreensão do que é a inveja a partir do tema das Paixões em Espinosa
(1632-1677)
Para Bach Espinosa as paixões são
afecções, vibrações que o nosso CONATUS sente. E o que é o conatus para ele? É
uma força intrínseca a todos os seres que nos chama para a vida. É a nossa luta
pela existência. Todos os seres tem conatus. Ninguém deseja conscientemente
morrer. Freud dizia que no inconsciente não havia o desejo da morte.
Ele dividiu as paixões em dois grandes
grupos: as da alegria que chamou também de paixões fortes e as da tristeza.
Também conhecidas como paixões fracas porque uma vez existindo em nós,
enfraquecerão o nosso conatus.
As paixões são exteriores. Elas,
portanto, vem de fora para dentro. Em última instância o que é a inveja?
Imaginemos a seguinte situação: eu desejo muito um carro novo e que o mesmo
seja vermelho. A cor do meu glorioso Internacional de Porto Alegre. Então em um
belo dia eu sou convidado a ir ao casamento do meu irmão. Lá chegando, me
deparo com um Fiat Uno vermelho. Pergunto para um dos meus irmãos: de quem é?
Ele me diz: da sua irmã fulana de tal. Se o meu conatus começar a ter uma
espécie de calafrios e ficar todo incomodado com aquela situação e disser ao
irmão: - “só pode ter comprado em prestação. Quero ver como eles vão conseguir
pagar tais prestações”! Ponto! Sinais de evidência que a inveja tomou conta de
mim.
Você já observou que geralmente nós
escolhemos um parente para falar mal? Todas as famílias com as quais convivi,
percebi que em alguns dos seus atores havia e há um forte sentimento de inveja
em face de outros membros dessa mesma família.
Notoriamente,
estou cônscio que a melhor maneira de se perder um argumento é generalizá-lo.
Por isso insisto: a inveja não está presente em todos os membros de todas as
famílias, mas de todas as que eu conheço, eu não vi uma, cujo sentimento de
inveja esteja totalmente ausente.
4 - Os
efeitos colaterais da inveja
Por que eu
afirmei no título deste artigo que a inveja é o pior dos males? Porque a partir
das minhas vivências com diferentes atores sociais e ouvindo pessoas na clínica
(sou filósofo clínico), pude perceber que muitas que estavam com seu conatus
enfraquecido, a causa principal era a inveja que elas sofriam de outras pessoas
cuja capacidade de resistência era menor.
Você já percebeu que muitos que
criticam de forma veemente o Lula é porque têm inveja? Não estou dizendo que
ele esteja livre das mesmas. Eu mesmo
fiquei muito triste com ele essa semana. Assim que melhorou do seu câncer na
garganta não mencionou nada sobre o vício que causou esse mal a ele. Foi o
cigarro. Melhor dizendo: o charuto. Poderá ser um dos melhores garotos
propaganda contra o tabagismo. Creio que ele ainda falará algo aos jovens a
esse respeito. O fato é há muitos políticos que não se conformam. Como pode um
“petrúquio” como o Lula, que não tem diploma de curso superior, pudesse se
tornar o que é hoje.
Por isso que
se diz que a inveja mata. O primeiro a
sentir os efeitos colaterais da inveja, é o próprio invejoso. A pessoa que é invejosa
acaba gerando nela mesma a mágoa. Para o Espinosa é a má-água. A pessoa fica
remoendo esse sentimento. Tenta a todo custo prejudicar aquele que é a causa de
sua inveja.
Aquele que é
invejado por sua vez, se não tiver uma espiritualidade forte. Se não conseguir
“fechar o seu corpo” diante da inveja do outro, perceberá que seu conatus
também de enfraquecerá.
5 – A fofoca
como filha da inveja
O que é a fofoca? No meu entendimento a
mesma se caracteriza por ser uma comunicação não dialógica. Ela nasce da “rádio
corredor” ou “radio cipó”. O invejoso por não se conformar que só o outro tem o
que ele tanto deseja, começa a espalhar maledicências a respeito da vida do
outro. Assim, as informações distorcidas vão se espalhando e o clima nas organizações,
muitas vezes, fica péssimo.
Como combater a fofoca? Pela ação
comunicativa dialógica. Habermas que é o último pensador vivo da chamada Teoria
Critica – também conhecida com Escola de Frankfurt - nos deixa esse legado.
Qual? Se desejarmos resolver os problemas entre nós sem o uso da violência, o
face a face é o melhor caminho. Pelo diálogo autêntico poderemos resolver os
conflitos provocados pela filha da inveja, qual seja a fofoca. Tenho clareza
que há mais coisas a serem ditas, mas que o espaço aqui não permite neste
momento.
6 - Como se
proteger do invejoso
A primeira
coisa que eu sugiro é que você faça o que Jesus nos sugeriu. O quê? Dê a ele a
outra face. E o que isso significa? Não retribua com a mesma moeda. Se você
puder coloque-se ao lado dessa pessoa para ajuda-lá a conquistar o que você já
tem e que é a causa da inveja dela.
Se você perceber que não há como ajudar,
fique longe dessa pessoa. Procure amigas e amigos que fortaleçam o seu conatus.
Procurem não ficar exibindo suas conquistas.
Eu sempre
falo o seguinte para as minhas educandas e educandos: - “se você está
conseguindo dar uma “brincada” com alguém, não fale nada para ninguém. Se você
ficar contando, muitos que estão no
“jejum”, que estão com um “calorão”, terão inveja de você”. Então por que fazer
os outros sofrerem? É melhor ficar calado. Neste caso o que os ouvidos não
ouvem o coração também não sente.
7 - A teoria
do ato e potência para compreender o fenômeno da inveja
O grande desafio é fazermos com que a inveja
só exista apenas em potência em cada um de nós.
Não sejamos
hipócritas em pensar que a inveja só existe no coração dos outros. Há pessoas
que me dizem: - “eu nunca tive inveja de ninguém”! A minha resposta: “menos”,
“menos”!
Eu mesmo já fui muito mais invejoso do
que sou hoje. Posso lhe assegurar que a mesma está sob controle...rs! Nos raros
momentos que eu me dou conta que meu conatus começa sofrer com afecções,
vibrações que indicam a presença da inveja, começo a rezar e me concentro em pensar
com um sentimento de admiração pelas conquistas dos outros.
Procuro me
alegrar e celebrar com ele a respeito de suas vitórias. Assim ela passa e eu
sofro menos. É melhor termos a sabedoria por perto. Os bons exemplos dos outros
poderão evitar futuros sofrimentos meus.
Portanto, no meu entendimento é bom
administrarmos esse sentimento, afim de que o mesmo só exista em potência e
nunca em ato. Espinosa foi um racionalista no sentido de que é possível nós
compreendermos racionalmente quais as causas dos males que nos aflige e assim
poderemos substituí-los por paixões da alegria. Exemplo: substituirmos a inveja
pela admiração.
8 - O que
ainda pretendo escrever sobre esse tema:
· A inveja no ambiente de trabalho,
principalmente entre os servidores públicos;
· Porque muitos que vão à igreja
assiduamente são tão invejosos;
· As imbricações entre nosso lado saphiens
e nosso lado demens com a inveja;
· E por fim, mas não por último, escrever
sobre as dores existenciais provocadas pela inveja.
Espero ter
contribuído com sua formação e faço votos que você permaneça jovem a maior
quantidade de dias possíveis.
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