ECONOMIA
Wanda Engel: "O Ensino Médio é uma
bomba-relógio"
Para a
superintendente-executiva do Instituto Unibanco, os altos índices de evasão
causam uma perda de capital humano para o Brasil - Wanda Engel está à frente do
Instituto Unibanco desde 2006.
Ela não se
cansa de dizer que o Ensino Médio no Brasil é uma "bomba-relógio". Na
entrevista concedida ao Educar para Crescer, a superintendente-executiva do
Instituto Unibanco, Wanda Engel, repetiu a expressão ao menos cinco vezes.
"É uma bomba-relógio econômica e social. Econômica porque está causando um
apagão de mão-de-obra. E é uma bomba-relógio social porque essa juventude que
não tem condições de ser incluída pode virar um elemento de aumento de
violência", explica a doutora e mestre em Educação.
Desde 2006,
Wanda está à frente do Instituto, que tem como seu foco principal justamente a
melhoria do Ensino Médio público, considerado estratégico tanto para a formação
e inserção das novas gerações no mercado de trabalho quanto para a diminuição
da pobreza e da desigualdade e para o desenvolvimento sustentável do país.
Entre os
projetos do Instituto, destacam-se o Jovem de Futuro, que oferece apoio técnico
e financeiro às escolas que aderirem ao desafio de atingir metas estabelecidas,
e o Entre Jovens, que dá reforço escolar a alunos da primeira série do Ensino
Médio de escolas públicas de Ensino Médio, por meio de um programa de tutoria.
Wanda, que
foi ministra de Estado de Assistência Social entre 1999 e 2002, fala aqui sobre
a crise de audiência do Ensino Médio no Brasil. Para ela, parte da sociedade
ainda não percebeu a importância de finalizar a Educação básica. "Apenas
50% dos jovens que deveriam estar no Ensino Médio realmente estão. Esse índice
só seria aceitável em uma sociedade industrial ou agrícola."
Quais são os desafios do Ensino Médio hoje
no Brasil?
O maior
desafio é fazer as pessoas se darem conta da importância do Ensino Médio.
Talvez a sociedade não tenha se dado conta, o jovem não tenha se dado conta, a
família do jovem não tenha se dado conta da importância de a juventude do país
acessar e terminar o Ensino Médio. De preferência, aprendendo. O ensino médio
hoje é uma bomba-relógio.
Por que a sociedade não percebe a
importância do Ensino Médio?
Porque a
expansão do Ensino Médio é muito recente. Então, se você for analisar a
situação, parece legal. Antigamente nem 15% dos jovens estavam no Ensino Médio,
agora 50% estão. Provavelmente esse jovem vai ser o primeiro membro da família
a acessar o Ensino Médio ou chegar perto dele. Parece um filme legal. Só que
esse filme poderia ser aceitável numa sociedade industrial ou numa sociedade
agrícola, num país com outro nível de desenvolvimento. Para o Brasil, que
está entrando na chamada sociedade do conhecimento, isso é uma péssima notícia.
As pessoas não se deram conta de que, para encontrar um emprego digno hoje, é
preciso ter Ensino Médio. Quem não tem só consegue subemprego ou emprego no
mercado marginal.
O que você quer dizer quando fala em
bomba-relógio?
O jovem que
abandona o Ensino Médio deixa de ser cliente das políticas de Educação e passa
a ser cliente das políticas de assistência. Vai ser beneficiário do
Bolsa-Família ou das políticas de segurança pública. Vai ser o beneficiário do
sistema prisional brasileiro. Os sistemas estaduais de ensino gastam em média
R$ 1,7 mil/ano com os jovens do Ensino Médio. Um jovem em uma instituição como
a Fundação Casa custa R$ 1,7 mil/mês. Então ele fica 12 vezes mais caro quando
vai para o sistema prisional.
Então é uma bomba-relógio para a economia
do país?
Econômica e
social. Econômica porque está causando um apagão da mão-de-obra. E é uma
bomba-relógio social porque essa juventude que não tem condições de ser
incluída pode virar um elemento de aumento de violência, de aumento de
atividades marginais.
E os jovens que entram no Ensino Médio, mas
não conseguem concluí-lo?
A
bomba-relógio se completa com o fato de que, dos que entram, metade morre na
praia. E essa metade que morre na praia vai ser a maior vítima do desemprego.
Tem mais desemprego nesse grupo do que no grupo de quem fez até as quatro
primeiras séries do Ensino Fundamental. Porque quem chegou até o Ensino Médio
não aceita qualquer emprego. Já o país deixa de usufruir da produção dessa
enorme quantidade de jovens, que poderia ser uma riqueza para o país. Se todos
esses jovens começassem a produzir no mercado de trabalho, esse país
explodiria. Explodiria para o bem. Nós estamos perdendo capital humano.
Qual é o resultado dessa perda de capital
humano?
O Brasil vai
perdendo competitividade à medida que a sua população economicamente ativa não
tem esse nível de escolaridade. E hoje essa perda de competitividade já começa
a aparecer em algumas regiões do Brasil em que a oferta de emprego já é maior
do que o número de jovens com condições de chegar a esse emprego. É o apagão de
mão-de-obra. O país perde competitividade internacional e o jovem perde a
oportunidade de ser inserido.
Como atacar esse problema?
Acesso,
permanência e conclusão do Ensino Médio. Isso pode aumentar a inserção dos jovens
e pode ser o elemento de quebra do ciclo inter-geracional de pobreza. A pobreza
é um fenômeno que se produz e se reproduz. O único instrumento para cortar isso
é a Educação. E, na Educação, o instrumento mais eficaz é a conclusão do Ensino
Médio.
Por que os jovens estão abandonando o
Ensino Médio?
É uma grande
pergunta. Uma pesquisa revelou que 27% abandonam por necessidades econômicas e
40% por falta de interesse. Uma pequena parcela abandona por falta de acesso.
Como resolver a evasão?
Para cada um
dos motivos apontados, tem um remédio. Para o problema da falta de condições
econômicas, uma possibilidade já existe é a inclusão do jovem no Bolsa-Família.
Em 2007, o programa foi estendido para jovens de 15 a 17 anos e os dados
mostram que já houve um aumento do número de jovens nessa faixa etária que está
na escola. O problema é que o dinheiro do Bolsa-Família, como o próprio nome
diz, vai para a família. Poderíamos pensar em alternativas para o dinheiro ir
para o jovem. Poderíamos ter um grande programa de monitoria, como existe na
universidade. O jovem é monitor de um professor, ganha um dinheirinho e
trabalha na própria universidade. O programa de monitoria no Ensino Médio
poderia ser muito legal. O jovem poderia ganhar R$ 100, o que já faz a maior
diferença. Às vezes ele larga a escola para trabalhar por um salário de R$ 100.
O Programa Jovem Aprendiz não seria uma
alternativa também?
Sim. O
programa é uma grande janela de oportunidade, que as pessoas não estão
utilizando. O Jovem Aprendiz poderia ser um instrumento fantástico de
diminuição de evasão. As empresas não gostam do programa, pois acham que é só
cumprimento de cota, quando ele poderia ser uma forma de responsabilidade
social, uma forma de contribuir para esse jovem permanecer na escola.
Trabalhar nessa idade não atrapalha os
estudos?
Como o jovem
do Ensino Médio está justamente nesse momento de entrada na idade adulta - e
entrar na idade adulta é entrar no mercado de trabalho -, quanto mais ele
conseguir perceber o nexo entre Educação e trabalho, mais as coisas fazem
sentido para ele. Hoje apenas 10% do Ensino Médio é profissionalizante. Não
podemos querer que seja 100% profissionalizante, mas algum nexo entre Educação
e trabalho, é preciso ter. Esse nexo pode ser uma monitoria, em que ele
trabalha dentro da escola, ou um Jovem Aprendiz, em que ele trabalha fora da
escola. Mas o importante é eu sejam no máximo quatro horas diárias de trabalho.
E o que causa a falta de interesse do jovem
pela escola?
Pode ser
falta de condições acadêmicas. Ele não aprendeu nem fração e vão tentar ensinar
para ele física e química. Ele acha que aquilo não é para ele e vai embora.
Pode ser o fato de a escola estar preparando para a universidade. E muitos
sabem que não vão para a universidade. Então o currículo da escola está
totalmente fora da realidade dele. Pode ser que a escola seja uma porcaria
mesmo. Ou pode ser que ele tenha perdido a perspectiva de futuro. A escola pode
ser ótima, mas ele perdeu isso. A violência, somada à pobreza, acaba matando o
sonho de futuro desses jovens. Cada uma dessas quatro coisas precisa de um
remédio específico.
E quais seriam os remédios para a evasão?
Para a falta
de condições, é preciso melhorar o Ensino Fundamental ou dar um reforço para o
aluno ao final dessa fase. Trabalhamos isso no Entre Jovens, que dá conta do
prejuízo no 1º ano do Ensino Médio.
Para a questão curricular, é preciso fazer um currículo mais flexível, que permita que o aluno direcione os estudos para uma área da qual ele gosta mais. A qualidade da escola é uma coisa mais complexa, que nós estamos tentando resolver com o Jovem de Futuro. E como reconstruir a ideia de futuro com esse jovem? Também estamos trabalhando um pouco nesse sentido. Criamos um kit de material didático que se chama Construindo o Futuro. Ele é parte do livro de um livro do Eduardo Gianetti, O Valor do Amanhã, para tentar mostrar para esse jovem que ele tem futuro. Também temos uma publicação chamada Convivência Cidadã, que tem o objetivo de tentar melhorar um pouco o clima da escola, que hoje é baseado na discriminação. Quem é um pouco fora do padrão sofre com o bullying e com a violência.
Para a questão curricular, é preciso fazer um currículo mais flexível, que permita que o aluno direcione os estudos para uma área da qual ele gosta mais. A qualidade da escola é uma coisa mais complexa, que nós estamos tentando resolver com o Jovem de Futuro. E como reconstruir a ideia de futuro com esse jovem? Também estamos trabalhando um pouco nesse sentido. Criamos um kit de material didático que se chama Construindo o Futuro. Ele é parte do livro de um livro do Eduardo Gianetti, O Valor do Amanhã, para tentar mostrar para esse jovem que ele tem futuro. Também temos uma publicação chamada Convivência Cidadã, que tem o objetivo de tentar melhorar um pouco o clima da escola, que hoje é baseado na discriminação. Quem é um pouco fora do padrão sofre com o bullying e com a violência.
O clima da escola também contribui para a
perda de interesse?
É claro que
sim. Está dentro da questão da qualidade da escola. Tem vários fatores que
influenciam na qualidade da escola: professor que vai, aluno que vai, professor
que ensina, aluno que aprende e um clima favorável. Essas são as qualidades de
uma escola. Um clima favorável a que o professor frequente, a que o aluno
frequente, a que um ensine e outro aprenda. O clima é fundamental.
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