A moral do dever em Kant
A doutrina moral de Kant é independente de
qualquer sentido religioso. Sua moral exclui a noção de intenção como elemento
de uma alma pura, e o dever não é uma obrigação a ser seguida em virtude de um
ente superior. Intenção e dever (em Kant) dependem do sujeito epistemológico
(eu transcendental) e não do eu psicológico (indivíduo). Para Kant, o sujeito
transcendental trata-se de uma maquinaria (aparelho cognitivo) subjetiva,
universal e necessária (presente em todos os homens, em todos os tempos e em
todos os lugares). Assim, todo ser saudável possui tal aparato, formado por
três campos: a razão, o entendimento (categorias) e a sensibilidade (formas
puras da intuição-espaço e tempo).
Em Kant, a
razão (faculdade das idéias) é que preserva os princípios que articulam
intenção e dever conforme a autonomia do sujeito. Desse modo segue-se que tais
princípios não podem ser negados sem autocontradição. Daí deriva a idéia de
liberdade kantiana, de um caráter sintético a priori, sendo que sem liberdade
não pode haver nenhum ato moral; para sermos livres, precisamos ser obrigados
pelo dever de sermos livres.
-O imperativo categórico
O comando
moral que faz com que nossas ações sejam moralmente boas, se expressa no
imperativo categórico: “age só segundo máxima tal que possas ao mesmo tempo
querer que ela se torne lei universal” (FMC, 2004, p.51). Essa lei está atada à
razão pura prática. Todo sujeito é racional (tem raciocínio lógico), por isso
tem condição de sujeito moral, dotado de normas. Exercer uma ação contrária
levaria ao absurdo. O exemplo que Kant nos dá (FMC) a respeito da mentira é o
mais conhecido. Poderia alguém mentir em benefício próprio, de um ente querido,
ou mesmo em favor da humanidade? Kant, nos diz não, pois a mentira jamais
poderia ser universalizada sem autocontradição:
(...) pois,
segundo essa lei, não poderia haver propriamente promessa alguma, já que seria
inútil afirmar a minha vontade quanto a minhas futuras ações, pois as pessoas
não acreditariam em meu fingimento, ou, se precipitadamente o fizessem,
pagar-me-iam na mesma moeda. Portanto, a minha máxima, uma vez arvorada em lei
universal, destruir-se-ia a si mesma necessariamente (Kant, FMC, 2004, p.31).
Desse modo,
cada sujeito, tem um alarme acionado na sua consciência moral (com a razão pura
prática funcionando), que evidencia essa contradição, alertando que essa ação
deve ser refutada, visto que essa ação não pode servir para todos. Assim,
consultando a razão pura prática (como deveria alguém agir na minha situação?),
constataremos que se todos se utilizassem dessa ação, o mundo seria um
verdadeiro caos.
O imperativo
categórico em Kant é uma forma a priori, pura, independente do útil ou
prejudicial. É uma escolha voluntária racional, por finalidade e não causalidade.
Superam-se os interesses e impõe-se o ser moral, o dever. O dever é o princípio
supremo de toda a moralidade (moral deontológica). Dessa forma uma ação é certa
quando realizada por um sentimento de dever. A razão é a condição a priori da
vontade, por isso independe da experiência.
-Diferenças entre os imperativos
Todos os
imperativos ordenam, e são fórmulas para exprimir as relações entre as leis
objetivas do querer em geral, e a discordância subjetiva da vontade humana.
Imperativo é
hipotético: no caso de a ação ser apenas boa como meio para qualquer outra
coisa, ou seja, em vista de algum propósito possível ou real.
A habilidade
na escolha dos meios para atingir o maior bem-estar próprio pode-se chamar
sagacidade. Por exemplo, a escolha dos meios para alcançar a própria felicidade
(não é um ideal da razão, mas da imaginação), continua sendo um imperativo
hipotético (considerados mais como conselhos).
Imperativo
Categórico: não é limitado a nenhuma condição, é um mandamento absoluto
(necessário), vale como princípio apodíctico-prático (da razão).
Segue-se que
somente o imperativo categórico equivale a uma lei prática, e os outros
imperativos podem ser denominados de princípios da vontade, mas não leis. Pois,
conforme nos diz Kant “o mandamento incondicional não deixa à vontade nenhum
arbítrio acerca do que ordena, só ele tendo, portanto, em si, aquela
necessidade que exigimos na lei” (FMC, 2004, p. 50).
-As fórmulas
do Imperativo Categórico
Além da
fórmula da universalidade da lei, que vimos no que foi exposto anteriormente
temos duas outras fórmulas: *baseada na humanidade como fim: Kant afirma que
todo o ser racional, existe como fim em si mesmo, e não apenas como meio para
uso arbitrário desta ou daquela vontade. Assim o imperativo prático será o
seguinte: “age de tal maneira que possas usar a humanidade, tanto em tua pessoa
como na pessoa de qualquer outro, sempre e simultaneamente como fim e nunca
simplesmente como meio” (FMC, 2004, p. 59).
*baseada na
vontade legisladora universal: a vontade da ação deve ser vista como um dever,
ou seja, a idéia da vontade de todo ser racional concebida como vontade
legisladora universal. Segundo esse princípio, Kant afirma: A vontade não está,
pois, simplesmente submetida à lei, mas o está de tal maneira que possa ser
também considerada legisladora ela mesma, e precisamente por isso então
submetida à lei (de que ela mesma pode ser considerada como autora - FMC, 2004,
p. 62).
-Uma Especificação de Fato de Razão e
Liberdade nas ações
O fato de
razão se revela na decisão e não na contemplação. Contemplamos todas as
características possíveis, nossas motivações pessoais, as circunstâncias do
momento, e nos perguntamos novamente: “o que eu deveria fazer?” Depois de ter a
convicção de ter levado tudo em conta, tomar uma decisão por mais difícil que
seja, isso corresponde ao fato de razão.
Dessa maneira
o fato de razão é apresentado mediante nossa reflexão (avaliação) de nossas
máximas como princípio de vida. Os princípios diversos da própria razão,
baseados em motivos invertidos constituem o que chamamos de mal (transgressão
dos limites da razão). E na maldade a avaliação que se faz dos pensamentos é
corrompida na origem.
Como se vê, a
razão pura é uma razão livre de motivos empíricos ou particulares, sem interesses
do que se pode conseguir com tal ato. E a razão empírica se reduz aos nossos
interesses, com base na experiência, em que criamos conceitos de como
satisfazê-los.
A liberdade
consiste na decisão, que leva em consideração padrões universais aplicáveis que
estabeleçam a harmonia coletiva. Assim, o indivíduo encontra em si mesmo os
padrões universais que ele consegue exteriorizar. A liberdade exige que a
pessoa tome sua decisão baseada em si mesma, partindo de uma visão exterior,
que ela vislumbra do seu próprio interior, afirmando sua individualidade.
A
aplicabilidade de conceitos morais para nós, é conseqüência de nossa liberdade.
Ao tomarmos consciência de nossos impulsos, desejos e suas motivações nos
confrontamos se iremos atendê-los ou não, e daí é que parte a nossa liberdade,
no confronto de uma questão; faremos as nossas escolhas através de uma
avaliação. E, se do contrário, não fizermos o confronto (a análise), atendendo
prontamente aos nossos instintos, ainda assim, teremos tomados uma decisão, que
foi conseqüência de nossa liberdade num posicionamento moral.
A liberdade
humana é o fundamento de nossas ações e princípios de vida, fazendo parte
essencial na prática moral.
Não havendo
determinação imediata da razão, no valor moral da ação, o próprio conceito de
razão prática é questionável. Pois, se ela não é imediata, não é pura,
admitindo inclinações. Para que as leis existam, a vontade deve estar fundada
na razão, do contrário só teremos princípios práticos baseados na
subjetividade.
Podemos verificar
que o solipsismo vem a ser uma relação patológica consigo mesmo. Trata-se de
nosso sistema de inclinações (desejos, impulsos) guiados pelo amor de si ou
felicidade própria. E amor de si corresponde a arrogância (presunção), amor
próprio. Portanto, a razão prática não pode ser solipsista, pois se baseia na
moral prática entre os homens, nas ações livres segundo as máximas, que se
convertem em uma lei universal. O único amor que pode ser ordenado é o amor
prático, que reside na vontade, não patológico, sem inclinações, mas por dever
(ama teu próximo, até teus inimigos).
Considerações finais
Em Kant o
dever é a necessidade de uma ação por respeito à lei. E uma ação por dever
elimina todas as inclinações (todo o objeto da vontade), e, portanto, só resta
à vontade obedecer à lei prática (baseada na máxima universal), pois trata-se
de um princípio que está ligado à vontade. O valor moral da ação não reside no
efeito que dela se espera, pois o fundamento da vontade é a representação da
lei e não o efeito esperado (uma boa vontade não é boa pelo que promove ou
realiza, mas pelo simples querer, em si mesma).
A ética
kantiana é a ética do dever, autocoerção da razão, que concilia dever e
liberdade. O pensamento do dever derruba a arrogância e o amor próprio, e é
tido como princípio supremo de toda a moralidade.
KANT, Immanuel. Fundamentação da Metafísica dos
Costumes e Outros Escritos. São Paulo: Martin Claret: 2004.
Prof. Manoelito
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