Muitos fazem
uma outra pergunta: afinal, para que Filosofia? É uma pergunta interessante.
Não vemos nem ouvimos ninguém perguntar, por exemplo, para que matemática ou
física? Para que geografia ou geologia? Para que história ou sociologia? Para
que biologia ou psicologia? Para que astronomia ou química? Para que pintura,
literatura, música ou dança? Mas todo mundo acha muito natural perguntar: Para
que Filosofia?
Em geral,
essa pergunta costuma receber uma resposta irônica, conhecida dos estudantes de
Filosofia: “A Filosofia é uma ciência com a qual e sem a qual o mundo permanece
tal e qual”. Ou seja, a Filosofia não serve para nada.
Por isso, se
costuma chamar de “filósofo” alguém sempre distraído, com a cabeça no mundo da
lua, pensando e dizendo coisas que ninguém entende e que são perfeitamente
inúteis.
Essa
pergunta, “Para que Filosofia?”, tem a sua razão de ser.
Em nossa
cultura e em nossa sociedade, costumamos considerar que alguma coisa só tem o
direito de existir se tiver alguma finalidade prática, muito visível e de
utilidade imediata.
Por isso,
ninguém pergunta para que as ciências, pois todo mundo imagina ver a utilidade
das ciências nos produtos da técnica, isto é, na aplicação científica à
realidade.
Todo mundo
também imagina ver a utilidade das artes, tanto por causa da compra e venda das
obras de arte, quanto porque nossa cultura vê os artistas como gênios que
merecem ser valorizados para o elogio da humanidade. Ninguém, todavia, consegue
ver para que serviria a Filosofia, donde dizer-se: não serve para coisa alguma.
Parece,
porém, que o senso comum não enxerga algo que os cientistas sabem muito bem. As
ciências pretendem ser conhecimentos verdadeiros, obtidos graças a
procedimentos rigorosos de pensamento; pretendem agir sobre a realidade,
através de instrumentos e objetos técnicos; pretendem fazer progressos nos
conhecimentos, corrigindo-os e aumentando-os.
Ora, todas
essas pretensões das ciências pressupõem que elas acreditam na existência da
verdade, de procedimentos corretos para bem usar o pensamento, na tecnologia
como aplicação prática de teorias, na racionalidade dos conhecimentos, porque
podem ser corrigidos e aperfeiçoados.
Verdade, pensamento,
procedimentos especiais para conhecer fatos, relação entre teoria e prática,
correção e acúmulo de saberes: tudo isso não é ciência, são questões
filosóficas. O cientista parte delas como questões já respondidas, mas é a
Filosofia quem as formula e busca respostas para elas.
Assim, o
trabalho das ciências pressupõe, como condição, o trabalho da Filosofia, mesmo
que o cientista não seja filósofo. No entanto, como apenas os cientistas e
filósofos sabem disso, o senso comum continua afirmando que a Filosofia não
serve para nada.
Para dar
alguma utilidade à Filosofia, muitos consideram que, de fato, a Filosofia não
serviria para nada, se “servir” fosse entendido como a possibilidade de fazer
usos técnicos dos produtos filosóficos ou dar-lhes utilidade econômica, obtendo
lucros com eles; consideram também que a Filosofia nada teria a ver com a
ciência e a técnica. [...]
Inútil? Útil?
[...] O
primeiro ensinamento filosófico é perguntar: O que é o útil? Para que e para
quem algo é útil? O que é o inútil? Por que e para quem algo é inútil? O senso
comum de nossa sociedade considera útil o que dá prestígio, poder, fama e
riqueza. Julga o útil pelos resultados visíveis das coisas e das ações,
identificando utilidade e a famosa expressão “levar vantagem em tudo”. Desse
ponto de vista, a Filosofia é inteiramente inútil e defende o direito de ser
inútil.
Não
poderíamos, porém, definir o útil de outra maneira?
Platão
definia a Filosofia como um saber verdadeiro que deve ser usado em benefício
dos seres humanos.
Descartes
dizia que a Filosofia é o estudo da sabedoria, conhecimento perfeito de todas
as coisas que os humanos podem alcançar para o uso da vida, a
conservação
da saúde e a invenção das técnicas e das artes.
Kant afirmou
que a Filosofia é o conhecimento que a razão adquire de si mesma para saber o
que pode conhecer e o que pode fazer, tendo como finalidade a felicidade
humana.
Marx declarou
que a Filosofia havia passado muito tempo apenas contemplando o mundo e que se
tratava, agora, de conhecê-lo para transformá-lo, transformação que traria
justiça, abundância e felicidade para todos.
Merleau-Ponty
escreveu que a Filosofia é um despertar para ver e mudar nosso mundo.
Espinosa
afirmou que a Filosofia é um caminho árduo e difícil, mas que pode ser percorrido
por todos, se desejarem a liberdade e a felicidade.
Qual seria,
então, a utilidade da Filosofia?
Se abandonar
a ingenuidade e os preconceitos do senso comum for útil; se não se deixar guiar
pela submissão às idéias dominantes e aos poderes estabelecidos for útil; se
buscar compreender a significação do mundo, da cultura, da história for útil;
se conhecer o sentido das criações humanas nas artes, nas ciências e na
política for útil; se dar a cada um de nós e à nossa sociedade os meios para
serem conscientes de si e de suas ações numa prática que deseja a liberdade e a
felicidade para todos for útil, então podemos dizer que a Filosofia é o mais
útil de todos os saberes de que os seres humanos são capazes”. [...].
FONTE: CHAUI, Marilena. Convite à Filosofia. São
Paulo: Editora Ática S.A., 1994. 440 pg.
Prof.
Manoelito
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