A Filosofia é
um campo que sofreu e sofre preconceitos. A Religião, por sua vez, também é um
tema esquecido na trajetória escolar de muitas pessoas. Esse esquecimento é
evidenciado, sobretudo, no Ensino Superior. Raras são as oportunidades
escolares de conhecer e compreender melhor as diferentes religiões: suas
origens, histórias, valores, compromissos. Raras são as oportunidades escolares
de construir uma atitude filosófica com relação à religião. Neste texto, vamos
pensar as possibilidades de relacionamento entre Filosofia e Religião, com base
no pressuposto de que ambas representam uma elaboração de extrema importância
para a humanidade, sem valorizar uma mais do que a outra.
Vamos considerar
e rever algumas ideias correntes sobre a relação entre Religião e Filosofia:
·
A Filosofia como ruptura com a Religião;
·
A Filosofia como forma de pensamento superior ao
pensamento religioso;
·
A Filosofia surge na Grécia em oposição ao pensamento
mitológico;
·
A Filosofia como explicação do mundo diferente
da explicação do mundo elaborada pela Religião.
O primeiro
esforço para pensar as relações entre a Filosofia e a Religião conduz à questão
sobre a origem da Filosofia. É bastante divulgada a ideia de que o modo de
pensar, que hoje identificamos como próprio da Filosofia, tem origem na Grécia
antiga, no final do século VII a.C. e início do século VI a.C. Atribui-se a
Pitágoras (570 a.C.
- 496 a.C.)
o emprego da palavra "filosofia" pela primeira vez, unindo dois
termos: philia ou philos (amizade) e Sophia ou sophos (saber), o que resultou
em uma palavra que expressa amor pela sabedoria. Esse modo de pensar teria
surgido com a necessidade de se responder a questões sobre o mundo natural e
sobre os homens que não haviam sido respondidas pelo pensamento mitológico dos
sacerdotes e poetas. Uma dessas questões seria: Qual é a substância essencial,
mais elementar, que compõe os seres do mundo físico, da natureza material? Qual
é o elemento que unifica todos os seres?
O segundo
esforço para pensar as relações entre a Filosofia e a Religião é justamente o
de distinguir perguntas e respostas próprias a cada um desses modos de pensar.
Sobre a origem
da Filosofia como necessidade grega de se criar uma forma de pensamento que
pudesse melhor explicar o mundo, deve-se considerar que egípcios, mesopotâmios,
hindus e chineses, ou seja, as chamadas civilizações orientais, também criaram filosofias
em períodos concomitantes ou anteriores aos primeiros filósofos gregos. Historiadores
como Abel Rey - pesquisador português contemporâneo – defendem a ideia de que não se pode afirmar que a origem
da Filosofia situa-se exclusivamente na Grécia porque os próprios gregos
exaltaram a sabedoria oriental. Dessa forma, o ideal é perguntarmos pela origem
da Filosofia tanto no campo do pensamento oriental como no campo do pensamento
ocidental.
Historiadores
da Filosofia, entre os quais destacamos Werner Jaeger, defendem ainda que a Filosofia
não surge em contraposição e como algo absolutamente diferente dos mitos, mas
sim a partir destes, a partir de temas e preocupações predominantes no discurso
religioso e nos mitos registrados em poemas como a Ilíada e a Odisséia, de
Homero, e nos poemas de Hesíodo, por exemplo. Os historiadores destacam vários
aspectos que são comuns a ambos: preocupação dos poetas em apresentar causas e
motivos das ações; esforço para descrever os fatos em uma abrangência que
abarca deuses, homens, terra, céu, guerra, paz, bem e mal e a preocupação dos
poetas em construir narrativas para ensinar a justiça como virtude fundamental.
O mito, assim, já contemplaria a estrutura de apresentação dos fatos e os temas
valorizados pela Filosofia. Se a Filosofia não é uma inovação que rompe
radicalmente com o discurso próprio dos mitos, dos poemas e da religião,
deve-se perguntar, então, qual é a sua novidade, qual é a sua diferença?
O discurso nos
mitos apresenta-se com uma narrativa marcada por analogias, metáforas
e parábolas, enquanto, na Filosofia, o discurso apresenta-se marcado
por questionamentos sucessivos a cada afirmação, por fundamentação e
crítica sobre o saber afirmado.
Prof. Manoelito
A atividade
proposta a seguir tem o objetivo de ajudá-los a pensar as diferenças entre um
discurso e outro. Para tanto, vocês devem ler esses dois textos: um trecho da
introdução da Crítica da Razão Pura de Immanuel Kant (1724-1804) e uma
transcrição do mito denominado Eros e Psique, narrado pela primeira vez por um
escritor romano chamado Lucius Apuleius (125-164 d.C). Façam a leitura de cada
um dos textos. Após a leitura identifique as diferenças entre eles. Algumas
perguntas podem ajudá-los nessa direção:
1. Qual é o objetivo de cada texto ou qual
é o assunto tratado em cada um?
2. De que forma a mensagem principal e as
demais mensagens são apresentadas em cada um dos textos?
3. Quais elementos comparecem em apenas um
dos textos?
Crítica da razão pura de Immanuel Kant
Introdução
"I — Da
distinção entre o conhecimento puro e o empírico
Não se pode
duvidar de que todos os nossos conhecimentos começam com a experiência, porque,
com efeito, como haveria de exercitar-se a faculdade de se conhecer, se não
fosse pelos objetos que, excitando os nossos sentidos, de uma parte, produzem
por si mesmos representações, e de outra parte, impulsionam a nossa
inteligência a compará-los entre si, a reuni-los ou separá-los, e deste modo à
elaboração da matéria informe das impressões sensíveis para esse conhecimento
das coisas que se denomina experiência?
No tempo,
pois, nenhum conhecimento precede a experiência, todos começam por ela. Mas se
é verdade que os conhecimentos derivam da experiência, alguns há, no entanto,
que não têm essa origem exclusiva, pois poderemos admitir que o nosso
conhecimento empírico seja um composto daquilo que recebemos das impressões e
daquilo que a nossa faculdade cognoscitiva lhe adiciona (estimulada somente
pelas impressões dos sentidos); aditamento que propriamente não distinguimos
senão mediante uma longa prática que nos habilite a separar esses dois
elementos.
Surge desse
modo uma questão que não se pode resolver à primeira vista: será possível um
conhecimento independente da experiência e das impressões dos sentidos? Tais
conhecimentos são denominados apriori, e distintos dos empíricos, cuja
origem é a posteriori, isto é, da experiência.
Aquela
expressão, no entanto, não abrange todo o significado da questão proposta,
porquanto há conhecimentos que derivam indiretamente da experiência, isto é, de
uma regra geral obtida pela experiência, e que no entanto não podem ser tachados
de conhecimentos a priori.
Assim, se
alguém escava os alicerces de uma casa, apriori poderá esperar que ela desabe,
sem precisar observar a experiência da sua queda, pois, praticamente, já sabe
que todo corpo abandonado no ar sem sustentação cai ao impulso da gravidade.
Assim esse conhecimento é nitidamente empírico.
Consideraremos,
portanto, conhecimento a priori, todo aquele que seja adquirido
independentemente de qualquer experiência. A ele se opõem os empíricos, isto é,
àqueles que só o são a posteriori, quer dizer, por meio da experiência.
Entenderemos,
pois, daqui por diante, por conhecimento a priori, todos aqueles que são
absolutamente independentes da experiência; eles são opostos aos empíricos,
isto é, àqueles que só são possíveis mediante a experiência.
Os
conhecimentos apriori ainda podem dividir-se em puros e impuros. Denomina-se
conhecimento a priori puro ao que carece completamente de qualquer empirismo.
Assim. p.
ex., 'toda mudança tem uma causa' é um princípio apriori mas impuro, porque o
conceito de mudança só pode formar-se extraído da experiência."
Eros e Psique
Era uma vez
um rei que tinha três filhas. A mais nova. de nome Psique, destacava-se por sua
beleza. Dizia-se até que Afrodite - a deusa da beleza - não era tão bonita quanto
Psique, cujo nome em grego antigo significa alma.
Os homens
deixaram de cultuar a deusa Afrodite para adorar Psique.
Afrodite
ofende-se com esta situação e pede a seu filho Eros. o deus do Amor. para
preparar uma vingança. Ele ficou tão maravilhado ao ver Psique que não
conseguiu cumprir a ordem da mãe. Enquanto Eros sofria por não conseguir
atender ao pedido de sua mãe. Psique sem saber das inten¬ções de Afrodite,
esperava encontrar um marido. Seu pai consultou o oráculo de Apoio para ajudar
Psique a encontrar
seu marido. Eros também consultou o oráculo para conseguir realizar o pedido de
sua mãe.
Orientado
pelo oráculo, o rei levou Psique para o alto de uma montanha na qual
encontraria um monstro disposto a se casar com ela.
Também
orientado pelo oráculo, Eros dirigiu-se para a mesma montanha na qual deveria
se casar com Psique, sem permitir que ela visse seu rosto e fazendo-se passar
por um monstro.
Embora Psique
não o visse, tinha certeza de que não se tratava de nenhum monstro horroroso. A
partir de então sua vida ficou assim: luxo, solidão e vozes que faziam suas
vontades durante o dia e, à noite, a voz de seu amor. Mas a proibição de ver o
rosto do marido a intrigava. E a inquietação aumen¬tou mais ainda quando o
misterioso companheiro avisou que ela não deveria encontrar sua família nunca
mais, pois se assim fosse coisas terríveis começariam a acontecer. Ela não se
conformou com isso e, na noite seguinte, implorou a permissão para ver pelo
menos as irmãs. Contrariado, mas com pena da esposa, ele acabou concordando.
Assim, durante o dia, quando ele estava longe, as irmãs foram tra¬zidas da
montanha pela brisa e comeram um banquete no palácio. Como temia Eros, a
alegria que as duas sentiram pelo reencontro logo se transformou em inveja e
elas voltaram para casa pensando em um jeito de acabar com a sorte da irmã.
Nessa mesma noite, no palácio, aconteceu uma discussão. O marido pediu para
Psique não receber mais a visita das irmãs e ela, que não tinha percebido seus
olha¬res maldosos, se rebelou. Além de estar proibida de ver o seu rosto ele
agora queria impedi-la de ver até mesmo as irmãs? Novamente, ele acabou cedendo
e no dia seguinte as pérfidas foram convidadas para ir ao palácio de novo. Mas
dessa vez elas apareceram com um plano já arquitetado. Elas a con¬venceram de
que o marido só podia ser um monstro e aconselharam Psique a matá-lo. À noite
ela teria que esconder uma faca e uma lamparina de óleo ao lado da cama para
matá-lo durante o sono. Psique caiu na armadilha. E, quando acendeu a
lamparina, viu que estava ao lado do próprio Eros, o deus do amor, a figura
masculina mais bonita que havia existido. Ela estremeceu, a faca escorregou da
sua mão, a lamparina entornou e uma gota de óleo fervente caiu no ombro dele.
que despertou, sentiu-se traído, virou as costas, e foi embora dizendo:
"Não há amor onde não há confiança". Psique ficou de¬sesperada e
resolveu empregar todas as suas forças para recuperar o amor de Eros, que se
encontrava na casa da mãe recuperando-se do ferimento no ombro. Psique pedia aos
deuses para acalmar a fúria de Afrodite, sem obter resultado. Resolveu se
oferecer à sogra como serva, dizendo que faria qualquer coisa por Eros. Ao
ouvir isso, Afrodite gargalhou e respondeu que. para recuperar o amor dele, ela
teria que passar por uma prova. Em seguida, pegou uma grande quantidade de
trigo, milho, papoula e muitos outros grãos e os misturou. Até o fim do dia,
Psique teria que separar tudo aquilo. Era uma tarefa impossível e ela já estava
convencida de seu fracasso, quando centenas de formigas resolveram ajudá-la e
fizeram todo o trabalho. Surpresa e nervosa por ver aquela tarefa cumprida, a
deusa fez um pedido ainda mais difícil: queria que Psique trouxesse um pouco de
lã de ouro de umas ovelhas ferozes. Percebendo que seria trucidada, ela já
estava pensando em se afogar no rio quando foi aconselhada por um caniço (uma
planta parecida com um bambu) a esperar o sol se pôr e as ovelhas partirem para
recolher a lã que ficasse presa nos arbustos. Deu certo, mas no dia seguinte
uma nova missão a esperava. Agora Psique teria que recolher em um jarro de
cristal um pouco da água negra que saía de uma nascente que ficava no alto de
uns penhascos. Com o jarro na mão, ela caminhou em direção aos rochedos, mas
logo se deu conta de que escalar aquilo seria o seu fim. Mais uma vez,
conseguiu uma ajuda inesperada: uma águia apareceu, tirou o jarro de suas mãos
e logo voltou com ele bem cheio de água negra. No entanto, a pior tarefa ainda
estava por vir. Afrodite dessa vez pediu a Psique que fosse até o inferno e
trouxesse para ela uma caixinha com a beleza imortal. Desta vez, uma torre lhe
deu orientações de como deveria agir, e, assim, ela conseguiu trazer a
encomenda. Tudo já estava próximo do fim quando foi dominada pela tentação de
pegar um pouco da beleza imortal para tornar-se mais encantadora para Eros. Ela
abriu a caixa e dali saiu um sono profundo, que em poucos segundos a fez tombar
adormecida. A história acabaria assim se o amor não fosse correspondido. Por
sorte Eros também estava apaixonado e desesperado. Ele pedira a Zeus. O deus
dos deuses, que impedisse sua mãe de separá-los. Zeus então reuniu a assembléia
dos deuses (que incluía Afrodite) e anunciou que Eros e Psique iriam se casar
no Olimpo e que a noiva deveria tornar-se imortal. Hermes a conduziu ao palácio
dos deuses e Zeus lhe ofereceu um doce que a tornou uma deusa e, por isto,
imortal. Afrodite não poderia opor-se a que seu filho se casasse com uma deusa.
Assim, Eros - o amor - e Psique - a alma - viveram juntos para sempre.
Prof. Manoelito