A
RAZÃO INSTRUMENTAL
Quem
nós copiamos?
Os pensadores da Escola
de Frankfurt, diante do fenômeno do totalitarismo, buscaram uma justificativa,
uma explicação que possibilitasse entender que a racionalidade estava por trás
do horror totalitário. Nessa busca, reconheceram as demandas de uma sociedade
tecnocrática fundada em uma razão instrumental. Nessa perspectiva, a sociedade
totalitária, baseada na já referida razão instrumental, impõe a todos os seus
membros um padrão, uma dinâmica, uma medida, que visa unicamente à produção e à
eficiência.
A razão instrumental
estaria preocupada com os fins que também caracterizam o sistema de exploração
capitalista. Por isso, diante das forças econômicas, os indivíduos acabariam
reduzidos a uma massa indistinta e indiferente ao que acontece ao seu redor.
Para que esse sistema
histórico-social – que produz cotidianamente essa massa indistinta, porém útil
para alavancar a produção e o consumo – possa continuar intacto, isto é,
fortalecido, inventou-se uma maneira muito poderosa de fazer com que as pessoas
não usem sua razão crítica para criar sua individualidade, tornando-se
verdadeiras cópias de outras pessoas igualmente artificiais.
Assim, a razão
instrumental acabou gerando a cultura de massa, que é a industrialização e
produção em série de mercadorias culturais, que produzem, por sua vez,
individualidades falsas ou pseudoindividualidades.
Vejamos
o excerto a seguir:
Na indústria, o
indivíduo é ilusório não apenas por causa da padronização do modo de produção.
Ele só é tolerado na medida em que sua identidade incondicional com o universal
está fora de questão. Da improvisação padronizada do jazz até os tipos
originais do cinema, que têm de deixar a franja cair sobre os olhos para serem
reconhecidos como tais, o que domina é a pseudoindividualidade. O individual
reduz-se à capacidade do universal de marcar tão integralmente o contingente
que ele possa ser conservado como o mesmo. Assim, por exemplo, o ar de
obstinada reserva ou a postura elegante do indivíduo exibido numa cena
determinada é algo que se produz em série exatamente como as fechaduras Yale,
que só por frações de milímetros se distinguem umas das outras. As
particularidades do eu são mercadorias monopolizadas e socialmente
condicionadas, que se fazem passar por algo natural. Elas se reduzem ao bigode,
ao sotaque francês, à voz grave de mulher de vida livre [...]: são como
impressões digitais em cédulas de identidade que, não fosse por elas, seriam
rigorosamente iguais e nas quais a vida e a fisionomia de todos os indivíduos –
da estrela do cinema ao encarcerado – se transformam, em face ao poderio do
universal. A pseudoindividualidade é um processo para compreender e tirar da
tragédia sua virulência: é só porque os indivíduos não são mais indivíduos, mas
sim meras encruzilhadas das tendências do universal, que é possível
reintegrá-los totalmente na universalidade. A cultura de massas revela assim
seu caráter fictício que a forma do indivíduo sempre exibiu na era da
burguesia, e seu único erro é vangloriar-se por essa duvidosa harmonia do
universal e do particular.
ADORNO,
Theodoro; HORKHEIMER, Max. Dialética do esclarecimento: fragmentos filosóficos.
Tradução Guido Antonio de Almeida. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1985. p. 144-5.
Comentário
Nesse importante texto
da Escola de Frankfurt, Adorno e Horkheimer apresentaram a cultura de massa ou
a indústria cultural, que submetem a arte e as manifestações culturais às leis
de mercado. A beleza que fazia com que o homem compreendesse a profundidade de
sua existência há dois séculos revelou-se efêmera e superficial, esvaindo-se
com a moda.
Em resumo, mostraram os
filósofos, o mais importante não é construir a si mesmo, mas copiar quem está
na propaganda, o personagem do cinema, da novela ou a mais recente atração do
mundo “pop”.
Mas onde se encontra a
cultura de massa? No rádio e na televisão, nos jornais e revistas, no cinema,
nos shows e na propaganda, em geral, isto é, nos meios de comunicação de massa.
Qual é a estratégia
dessas empresas? Convencer as pessoas de que elas são livres para escolher o
que é melhor, mas insistindo que o melhor é sempre o próprio produto. Além
disso, tentam transformar tudo em entretenimento, por exemplo:
Ø Todas
as rádios tocam as melhores músicas. O ritmo da juventude, o som do amor. Há
aquelas que afirmam tocar as melhores músicas da semana, mas ocultam quanto
pode ter sido pago para que estas fossem consideradas as melhores.
Ø Os
jornais e revistas sempre afirmam seu compromisso com a verdade. Como sabemos,
a verdade jornalística vende, principalmente quando se faz uma “grande
denúncia”. Passado o impacto – e esgotadas as edições – a “grande denuncia”
acaba esquecida.
Ø No
cinema e nas telenovelas, tudo tem um final quase sempre previsível e os
melhores efeitos especiais ajudam os pseudoartistas, que apresentam sempre
corpos masculinos fortes e corpos femininos sensuais. Na maioria das vezes,
pessoas seminuas, vivendo uma história pronta, com começo, meio e final feliz,
como se a vida fosse assim.
Ø Nos
shows, a eletrônica, os dançarinos e a iluminação ajudam a disfarçar os limites
das vozes dos cantores. O gelo-seco produz uma emoção que a canção não é capaz
de criar. O volume alto do som empurra todo mundo para o balanço de músicas sem
sentido e, muitas vezes, malfeitas, mas se trata do cantor ou cantora que todos
escutam.
Ø Na
televisão, o artista que, em um programa, se confessa engajado, acaba vendendo
ilusões nas propagandas do intervalo, vampirizando aposentados e pensionistas,
prometendo empréstimos a juros baixíssimos, “os menores do mercado”.
Dessa maneira, ao
trocar o pensar pelo sentir, os indivíduos passam a compor um mosaico,
construído com pedrinhas das ideologias vinculadas aos sistemas de mass media.
Renunciando à construção de si, funcionam como cópias de máscaras, vendo-se
apenas montagens, não realidades. Com isso, assumem como seus os desejos
criados pela propaganda: compre isto para
ser assim; seja interessante sendo assim ou – mais sinceramente – você é
aquilo que você pode pagar; você não se adapta ao modelo, não serve etc.
No entanto, as pessoas
acabam sofrendo por não ter as falsas maravilhas que vêem nos meios de
comunicação ou por ser diferentes do modelo de homem ou mulher anunciado pela
propaganda. E isso também inclui de modo decisivo a criança, fazendo com que a
sensação de sofrimento e frustração comece na infância, com os brinquedos caros
que não pode comprar, terminando na velhice esquecida, pois é da juventude que
a televisão gosta e ensina os telespectadores a gostar.
Quase todas as
mercadorias que estão à venda – música, dança, imagens, cheiros, sabores,
roupas – trazem consigo a ideia de um estilo, que deve ser comprado ou imitado.
Com a indústria
cultural, além das artes, a religião e o esporte também viraram produtos. As
pessoas deixam de praticar a religião e o esporte para assistir a eles pela
televisão. Para encontrar o sagrado, não é mais necessário estar com os demais
fiéis e fazer orações com eles, basta ligar a televisão ou o rádio no horário
marcado e será possível ter o sagrado em domicílio. Com o esporte, é mais fácil
comer pipoca na frente da TV do que ir ao estádio ou jogar aquela “pelada” com
os amigos. Como se vê, todas as emoções estão à venda, mas duram pouco, de modo
que voltemos rapidamente a comprar outras.
PESQUISAR E REFLETIR – ANÁLISE DOS
MEIOS DE COMUNICAÇÃO DE MASSA
O objetivo é fazer uma
reflexão acerca da razão instrumental, da indústria cultural e da cultura de
massa.
a) Qual é o tipo de
produto oferecido?
b) Escreva qual é a
mercadoria cultural oferecida, por exemplo: um cantor, um ator, um CD, uma
rádio, um filme, um alimento, um apartamento, um automóvel.
c) Qual é o estilo de
vida vinculado ao produto oferecido à venda?
d) Como todos os
estilos de vida são rotulados, selecione um rótulo (hip-hop, fashion,
esportivo, executivo, clássico etc.) para identificar o público-alvo da
propaganda.
e) Qual é a promessa de
realização pessoal, felicidade, liberdade ou poder vinculada ao produto?
f) Que imagem de
pessoas está associada a essa ideia?
g) O que se promete com
a compra? Para o comprador, a sensação será realmente igual ao que se mostra na
propaganda? Por quê?
Prof. Manoelito
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