terça-feira, 20 de maio de 2014

A RAZÃO INSTRUMENTAL

A RAZÃO INSTRUMENTAL
Quem nós copiamos?
Os pensadores da Escola de Frankfurt, diante do fenômeno do totalitarismo, buscaram uma justificativa, uma explicação que possibilitasse entender que a racionalidade estava por trás do horror totalitário. Nessa busca, reconheceram as demandas de uma sociedade tecnocrática fundada em uma razão instrumental. Nessa perspectiva, a sociedade totalitária, baseada na já referida razão instrumental, impõe a todos os seus membros um padrão, uma dinâmica, uma medida, que visa unicamente à produção e à eficiência.
A razão instrumental estaria preocupada com os fins que também caracterizam o sistema de exploração capitalista. Por isso, diante das forças econômicas, os indivíduos acabariam reduzidos a uma massa indistinta e indiferente ao que acontece ao seu redor.
Para que esse sistema histórico-social – que produz cotidianamente essa massa indistinta, porém útil para alavancar a produção e o consumo – possa continuar intacto, isto é, fortalecido, inventou-se uma maneira muito poderosa de fazer com que as pessoas não usem sua razão crítica para criar sua individualidade, tornando-se verdadeiras cópias de outras pessoas igualmente artificiais.
Assim, a razão instrumental acabou gerando a cultura de massa, que é a industrialização e produção em série de mercadorias culturais, que produzem, por sua vez, individualidades falsas ou pseudoindividualidades.
Vejamos o excerto a seguir:
Na indústria, o indivíduo é ilusório não apenas por causa da padronização do modo de produção. Ele só é tolerado na medida em que sua identidade incondicional com o universal está fora de questão. Da improvisação padronizada do jazz até os tipos originais do cinema, que têm de deixar a franja cair sobre os olhos para serem reconhecidos como tais, o que domina é a pseudoindividualidade. O individual reduz-se à capacidade do universal de marcar tão integralmente o contingente que ele possa ser conservado como o mesmo. Assim, por exemplo, o ar de obstinada reserva ou a postura elegante do indivíduo exibido numa cena determinada é algo que se produz em série exatamente como as fechaduras Yale, que só por frações de milímetros se distinguem umas das outras. As particularidades do eu são mercadorias monopolizadas e socialmente condicionadas, que se fazem passar por algo natural. Elas se reduzem ao bigode, ao sotaque francês, à voz grave de mulher de vida livre [...]: são como impressões digitais em cédulas de identidade que, não fosse por elas, seriam rigorosamente iguais e nas quais a vida e a fisionomia de todos os indivíduos – da estrela do cinema ao encarcerado – se transformam, em face ao poderio do universal. A pseudoindividualidade é um processo para compreender e tirar da tragédia sua virulência: é só porque os indivíduos não são mais indivíduos, mas sim meras encruzilhadas das tendências do universal, que é possível reintegrá-los totalmente na universalidade. A cultura de massas revela assim seu caráter fictício que a forma do indivíduo sempre exibiu na era da burguesia, e seu único erro é vangloriar-se por essa duvidosa harmonia do universal e do particular.
ADORNO, Theodoro; HORKHEIMER, Max. Dialética do esclarecimento: fragmentos filosóficos. Tradução Guido Antonio de Almeida. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1985. p. 144-5.
Comentário
Nesse importante texto da Escola de Frankfurt, Adorno e Horkheimer apresentaram a cultura de massa ou a indústria cultural, que submetem a arte e as manifestações culturais às leis de mercado. A beleza que fazia com que o homem compreendesse a profundidade de sua existência há dois séculos revelou-se efêmera e superficial, esvaindo-se com a moda.
Em resumo, mostraram os filósofos, o mais importante não é construir a si mesmo, mas copiar quem está na propaganda, o personagem do cinema, da novela ou a mais recente atração do mundo “pop”.
Mas onde se encontra a cultura de massa? No rádio e na televisão, nos jornais e revistas, no cinema, nos shows e na propaganda, em geral, isto é, nos meios de comunicação de massa.
Qual é a estratégia dessas empresas? Convencer as pessoas de que elas são livres para escolher o que é melhor, mas insistindo que o melhor é sempre o próprio produto. Além disso, tentam transformar tudo em entretenimento, por exemplo:
Ø  Todas as rádios tocam as melhores músicas. O ritmo da juventude, o som do amor. Há aquelas que afirmam tocar as melhores músicas da semana, mas ocultam quanto pode ter sido pago para que estas fossem consideradas as melhores.
Ø  Os jornais e revistas sempre afirmam seu compromisso com a verdade. Como sabemos, a verdade jornalística vende, principalmente quando se faz uma “grande denúncia”. Passado o impacto – e esgotadas as edições – a “grande denuncia” acaba esquecida.
Ø  No cinema e nas telenovelas, tudo tem um final quase sempre previsível e os melhores efeitos especiais ajudam os pseudoartistas, que apresentam sempre corpos masculinos fortes e corpos femininos sensuais. Na maioria das vezes, pessoas seminuas, vivendo uma história pronta, com começo, meio e final feliz, como se a vida fosse assim.
Ø  Nos shows, a eletrônica, os dançarinos e a iluminação ajudam a disfarçar os limites das vozes dos cantores. O gelo-seco produz uma emoção que a canção não é capaz de criar. O volume alto do som empurra todo mundo para o balanço de músicas sem sentido e, muitas vezes, malfeitas, mas se trata do cantor ou cantora que todos escutam.
Ø  Na televisão, o artista que, em um programa, se confessa engajado, acaba vendendo ilusões nas propagandas do intervalo, vampirizando aposentados e pensionistas, prometendo empréstimos a juros baixíssimos, “os menores do mercado”.
Dessa maneira, ao trocar o pensar pelo sentir, os indivíduos passam a compor um mosaico, construído com pedrinhas das ideologias vinculadas aos sistemas de mass media. Renunciando à construção de si, funcionam como cópias de máscaras, vendo-se apenas montagens, não realidades. Com isso, assumem como seus os desejos criados pela propaganda: compre isto para ser assim; seja interessante sendo assim ou – mais sinceramente – você é aquilo que você pode pagar; você não se adapta ao modelo, não serve etc.
No entanto, as pessoas acabam sofrendo por não ter as falsas maravilhas que vêem nos meios de comunicação ou por ser diferentes do modelo de homem ou mulher anunciado pela propaganda. E isso também inclui de modo decisivo a criança, fazendo com que a sensação de sofrimento e frustração comece na infância, com os brinquedos caros que não pode comprar, terminando na velhice esquecida, pois é da juventude que a televisão gosta e ensina os telespectadores a gostar.
Quase todas as mercadorias que estão à venda – música, dança, imagens, cheiros, sabores, roupas – trazem consigo a ideia de um estilo, que deve ser comprado ou imitado.
Com a indústria cultural, além das artes, a religião e o esporte também viraram produtos. As pessoas deixam de praticar a religião e o esporte para assistir a eles pela televisão. Para encontrar o sagrado, não é mais necessário estar com os demais fiéis e fazer orações com eles, basta ligar a televisão ou o rádio no horário marcado e será possível ter o sagrado em domicílio. Com o esporte, é mais fácil comer pipoca na frente da TV do que ir ao estádio ou jogar aquela “pelada” com os amigos. Como se vê, todas as emoções estão à venda, mas duram pouco, de modo que voltemos rapidamente a comprar outras.
PESQUISAR E REFLETIR – ANÁLISE DOS MEIOS DE COMUNICAÇÃO DE MASSA
O objetivo é fazer uma reflexão acerca da razão instrumental, da indústria cultural e da cultura de massa.
a) Qual é o tipo de produto oferecido?
b) Escreva qual é a mercadoria cultural oferecida, por exemplo: um cantor, um ator, um CD, uma rádio, um filme, um alimento, um apartamento, um automóvel.
c) Qual é o estilo de vida vinculado ao produto oferecido à venda?
d) Como todos os estilos de vida são rotulados, selecione um rótulo (hip-hop, fashion, esportivo, executivo, clássico etc.) para identificar o público-alvo da propaganda.
e) Qual é a promessa de realização pessoal, felicidade, liberdade ou poder vinculada ao produto?
f) Que imagem de pessoas está associada a essa ideia?
g) O que se promete com a compra? Para o comprador, a sensação será realmente igual ao que se mostra na propaganda? Por quê?

Prof. Manoelito

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