INTRODUÇÃO À FILOSOFIA DA RELIGIÃO
– DEUS E A RAZÃO
Prove,
racionalmente, que existe um deus.
O objetivo deste texto
é apresentá-los o uso da racionalidade relacionada à existência de Deus. Seria
possível conhecer Deus com base na razão? Como ela pode saber sobre Sua
existência? Há limites?
Inicialmente, propomos
a diferenciação entre argumentos racionais e emocionais, com base nas etapas
relativas à existência de Deus. Em seguida, a proposta considera as provas da
existência de Deus e como as pensou o filósofo Immanuel Kant. Enfim, as aulas
propõem uma reflexão sobre a alteridade, após a leitura de um texto de
Montesquieu.
O fundamental, neste
exercício, não é debater a existência real de Deus, mas fazer uma a reflexão
lógica. Não se trata de uma aula de convencimento ou discussão religiosa.
Trata-se, sobretudo, de promover a distinção de argumentos. Um cidadão precisa
saber a diferença de uma fala que apela para sentimentos de uma fala
estabelecida pela razão. Dessa maneira, pensar objetivamente os dados da
cultura.
Neste primeiro momento,
nosso enfoque será uma compreensão racional da existência ou não de Deus. Essa
compreensão inclui o entendimento de que diferentes religiões contam com
diferentes concepções sobre Deus e sua existência. Apesar de predominantemente
católico – e cristão –, o povo brasileiro pratica diversas religiões.
Deus como causa do mundo
Para Platão, não existe
apenas um deus criador de tudo, mas um responsável pela organização do mundo.
Ele seria o Demiurgo – um ser que produziria a imagem do mundo perfeito na
matéria imperfeita. Antes de o mundo existir, havia ideias perfeitas e eternas
que foram copiadas na matéria pelo Demiurgo. Embora as imagens não sejam
perfeitas, a ação do Demiurgo permitiu tornar o mundo inteligível, ao ordenar o
mundo sensível e assim favorecer nossa compreensão sobre ele.
Para Aristóteles, Deus
seria o primeiro motor, isto é, todas as coisas que se movimentam são
movimentadas por outras coisas. As pessoas, os ventos, os mares, as nuvens, as
árvores, cada ser no mundo passa da potência ao ato, que é o movimento. Mas
quem “daria o primeiro empurrão”, quem seria o primeiro motor? No livro
Metafísica, a resposta apresentada por ele é Theós – que, em grego, significa
Deus. Então, Deus existe porque alguém tinha de começar o movimento sem ser
movimentado: um ato puro.
Para Plotino, filósofo
grego neoplatônico que viveu entre 204 e 270 d.C., o mundo é parte do Uno.
Imaginemos que a luz é a existência, e a falta de luz é não existir. Tudo o que
está fora da luz não existe, metáfora ilustrada no desenho a seguir:
Ø A
lâmpada é a fonte da luz.
Ø Tudo
o que se pode ver precisa da luz; a luz está nas coisas para que elas apareçam.
Ø A
fonte da luz é superior ao que ela ilumina.
Afinal, sem luz, as
coisas não aparecem. O Uno é, assim, a fonte de tudo o que existe. Mas as
coisas que emanam dessa fonte não se separam dela. Não existe a ideia de que os
seres criados possam ser separados do criador, como no cristianismo. Assim como
os objetos precisam da luz para aparecer, os seres precisam do Uno para
permanecer existindo; eles estão ligados, unidos, e tudo é parte do Uno. Por
isso, quanto mais longe da fonte da luz estiver uma coisa, mais ela será
sombria. Da mesma forma, quanto mais longe da fonte da existência, ou seja, o
Uno, menor é a força de sua existência.
Por isso, do Uno emana,
primeiro, a inteligência; depois, a alma que governa o mundo e, enfim, o
próprio mundo material. Cada ser no mundo é um pedaço do Uno, mas este é
superior a todas as suas pequenas partes. O que está mais longe do Uno é o
mundo material, e o que está mais perto são a inteligência e a alma.
Para a filosofia
cristã, a ideia de que o mundo e suas partes emanam de Deus não pode ser
fundamentada, porque Deus é puro, homogêneo e não pode ser dividido. Então, quando
Ele criou o mundo, o fez separado Dele. Uma ideia bastante difundida nas
Igrejas cristãs de diversas denominações – criada pela filosofia cristã – é a
de que o mundo não pode ter sido gerado do nada: o mundo veio da criação de
Deus; afinal, se algo viesse do nada, ele deixaria de ser nada para se tornar
criador.
É por dois motivos que
muito se pode falar sobre o conceito de Deus na História da Filosofia.
Primeiro, porque esse conceito foi um dos primeiros problemas filosóficos
clássicos e, segundo, porque muitos sistemas filosóficos dependem desse
conceito. Sabemos seu desenvolvimento. De qualquer forma, as ideias
anteriormente esboçadas podem ser consideradas matrizes do problema filosófico
de Deus.
A existência de Deus pode ser
provada pela razão?
Existem algumas provas
racionais da existência de Deus. Vejamos, sucintamente, as principais:
Ø Todos
os povos têm religião; a existência de uma divindade é um consenso universal
(consensus gentis).
Ø O
mundo tem uma ordem e deve haver uma inteligência ordenadora de todas as coisas
(São Tomás).
Ø Tudo
tem uma causa. Tudo o que foi causado pode causar outras coisas. Deve haver
algo que causa as coisas, mas não foi causado por ninguém. Deus é a causa não
causada (Aristóteles).
Ø Todas
as coisas estão em movimento e movimentam outras coisas. O movimento é a
passagem do que é (ato) para aquilo que pode vir a ser (potência). Deve haver
um ser que movimenta as outras coisas, mas não é movimentado por nada, o
primeiro motor – ou o motor imóvel (Aristóteles).
Ø Tudo
o que é alguma coisa participa de outra melhor. Por exemplo, algo quente
participa do fogo. Cada ser tem um grau de perfeição, como o fogo e o objeto
quente. O limite máximo da perfeição é Deus; acima Dele não há nada melhor (São
Tomás).
Ø Prova
de São Tomás de Aquino – Cada ser precisa de algum outro para existir; esse ser
é chamado de ser possível. Por exemplo, para existir, uma criança precisa de um
pai e de uma mãe. O pai e a mãe precisam de outros seres; estes, de outros, e
assim por diante. Todas as coisas do mundo precisam de outro ser para existir.
Mas há um ser que não precisa de ninguém para existir; a ele nós chamamos de
ser necessário. Se todos os seres do mundo precisam de outro para existir, deve
haver, portanto, um ser que dê a existência ao mundo e ao mesmo tempo não
precise de nada para existir; esse ser necessário é Deus.
Ø Prova
de Santo Anselmo – Aquilo a respeito do que não conseguimos pensar nada de
maior não pode estar apenas no intelecto. Afinal, o intelecto não ultrapassa
essa ideia nem a contém. Então, se o intelecto não ultrapassa essa ideia, quer
dizer que ela também está fora dele, na realidade. Como um copo que transborda
com a água, há água dentro e fora do copo. Deus é o ser que nós não conseguimos
pensar nada maior. Por isso, ele não pode ser apenas uma ideia; ele é uma
realidade.
Para Kant, cada uma
dessas provas é uma prova lógica, apenas racional. Mas nem sempre o que dá
certo nas teorias lógicas acontece ou se repete no mundo real: a realidade não
é devedora das nossas lógicas.
Somos seres que
pensamos apenas por meio de categorias limitadas, como tempo e espaço. Qualquer
ser real, fora das nossas categorias, não pode ser conhecido, nem podemos
provar a sua existência. Só podemos confirmar a existência de alguma coisa
fazendo a experiência dela; do contrário, ela é uma suposição lógica, uma
hipótese.
Para Kant, a prova de
Santo Anselmo (último item) incorre nesse erro. Do mesmo modo, a experiência
objetiva nos diz que a prova da causalidade (terceiro item) não é uma prova da
existência de Deus.
Sabemos que alguns
efeitos têm determinadas causas. De outros efeitos, não sabemos as causas. Por
hipótese, é possível que haja uma causa inicial, mas, por não podermos repetir
a experiência inicial, a prova perde seu valor. Novamente, o que é certo na
Lógica nem sempre é certo na realidade.
Kant disse o mesmo da
prova da ordem do mundo (segundo item). Se pensarmos que o mundo tem uma ordem,
podemos certamente supor que alguém ordenou todas as coisas.
Por exemplo, se olhamos
uma casa bem-feita, suporíamos que ali trabalhou alguém. Mas não sabemos quem
foi esse alguém. Foi um arquiteto? Um engenheiro? Um pedreiro? Uma mulher? Um
homem? Um jovem? Várias pessoas? Ou seja, sabemos que existe o mundo e que
existe até mesmo certa ordem, mas quem é o responsável por isso não podemos
provar.
Para Kant, o
entendimento humano é limitado em diversos aspectos, o que reduz as
possibilidades do nosso conhecimento. Mais ainda, ao procurar suas respostas,
Kant não se contentava com jogos de palavras – não basta parecer que se prova,
é preciso provar de verdade.
Em sua obra A crítica
da razão pura, Kant fez a crítica da razão sem as experiências e as provas da
existência de Deus. Em outro livro,
A crítica da razão
prática, o filósofo procurou entender o funcionamento da racionalidade
objetiva, isto é, envolvida com as experiências e, assim, com a vontade. Então,
seria justamente na vontade livre do homem que Kant encontraria a certeza da
existência de Deus.
A razão prática se dá
na ação do homem no mundo. Essa ação acontece pela condição única de ter uma
consciência moral. Ela está necessariamente ligada aos objetivos do homem – o
que se deseja fazer, a vontade. Se tivermos objetivos, o caminho para
alcançá-los é a razão deles, o seu dever. Sobre isso, Kant lembra que o dever
só é bom porque é garantido pela liberdade; do contrário, não teria valor.
Se a razão prática
compreende os objetivos ideais, então não há diferença entre o ideal e o real;
afinal, o dever é real e bom. Ser e dever ser encontram sua síntese: Deus.
Deus é o sumo bem. Deus
existe porque é nosso dever procurar o bem.
Ler
e dialogar – Montesquieu
Uniformidade
e diferença
“Existem certas ideias
de uniformidade que algumas vezes ocorrem aos gênios, [...] mas que
infalivelmente causam grande impressão às pequenas almas. Estas descobrem no
interior de tais ideias uma espécie de perfeição; porque é quase impossível não
vê-la: os mesmos pesos, as mesmas medidas no comércio, as mesmas leis do
Estado, a mesma religião em toda parte. Mas será isso sempre verdadeiro, sem
exceções? Será o mal da mudança constante menor que o do sofrimento? E a
grandeza de um gênio não consiste, precisamente, em distinguir entre os casos
em que a uniformidade é um requisito, e aqueles em que há necessidade de
diferenças?” MONTESQUIEU. O espírito das leis.
Disponível
em:
<http://www.dominiopublico.gov.br/pesquisa/DetalheObraForm.do?select_action=&co_obra=3906>.
Acesso em: 12 jul. 2013. Tradução Eloisa Pires.
A partir do século
XVIII, a ideia do Estado laico surgiu no horizonte político e se impôs com toda
força. Isso se deveu, em parte, à ascensão do pensamento iluminista. Na época,
filósofos como Montesquieu propuseram a divisão do poder (em executivo,
legislativo e judiciário), excluindo, assim, a função eclesiástica ou
sacerdotal. Isso quer dizer que a noção de uniformidade da religião foi
substituída pela de neutralidade do Estado. O ensino público universal, também
introduzido pela Revolução, deve ignorar a religião e deixar a cada um que
cultive as suas crenças, sem ter o direito de impô-las aos outros. O Estado é o
fiador da segurança de cada um diante da intolerância.
Observando nossa
sociedade, o que é preciso uniformizar e o que é preciso manter e respeitar
quando se trata de diferenças culturais? Como devemos tratar pessoas que têm
uma religião diferente da nossa? Temos que diferenciarmos a tolerância da
alteridade. Tolerar é aceitar a pessoa que é diferente, o que é sempre melhor
do que a violência. Alteridade é encontrar no outro, naquilo que muitas vezes
não entendemos como uma forma de crescimento próprio; é respeitar e admirar
quem não é como nós. É essencial respeitar as diferentes opções religiosas.
1. Como a existência de Deus é explicada em minha religião?
2. O que me levou a acreditar em minha religião?
3. E os alunos que não se confessam religiosos, o que pensam dessas questões?
Prof.
Manoelito
Muito bom...
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