ALIENAÇÃO MORAL
Por meio deste texto,
almeja-se dialogar a respeito da preocupação com as outras pessoas. É
importante considerar o outro como necessário para a nossa constituição como indivíduos.
Para tanto, procuraremos entender a construção da imagem do sujeito ético,
contando com os aportes do pensamento de Emmanuel Lévinas e de Jean-Paul
Sartre.
Como
agem as pessoas, de modo geral, e como elas deveriam agir?
Dialogar – viver para o outro
Em geral, quando nos
vemos como indivíduos, temos uma certeza: somos nós e o mundo. O
“eu” percebe o mundo e os entes do mundo como coisas. Dividimos o mundo em
entes importantes para nós e entes que não nos são importantes; entes
que amamos e entes que não amamos; entes que fazem parte
da nossa vida e entes que ignoramos por completo.
Dessa maneira,
categorizamos o mundo e damos sentidos a tudo. Por exemplo, no livro A menina
que roubava livros, de Markus Zusak (2006), a personagem principal guarda alguns
livros, mesmo sem saber ler, pois eles significam a presença do irmão
e da mãe, isto é, o sentido dos livros não foi atribuído pelo texto, mas pela
analogia que a menina fez entre esses objetos e pessoas que amava.
A linguagem como acesso ao outro
A seguir, uma reflexão
que se refere ao pensamento filosófico de Lévinas, que procuramos
enriquecer com trechos de entrevista em que o filósofo
expõe
seus pontos de vista.
A linguagem nos
precede, nós
recebemos o que somos não por nós mesmos, mas a partir do local onde
fomos criados. Somos fruto do mundo que nos cerca. Somos parte dele, queiramos ou
não, justamente porque até a maneira de vermos o mundo está constituída pelas
formas de linguagem que aprendemos de outras pessoas, como os nossos pais e
professores.
Ø O senhor escreve que a relação do
mesmo e do outro, ou seja, por excelência, do eu e de outrem, é a linguagem. Deve
a linguagem ser pensada unicamente como a comunicação de uma ideia ou de uma
informação, e não também e, talvez, acima de tudo, como o fato de ela abordar
outrem como outrem, isto é, já responder por ele?
A primeira palavra não
é bom-dia?! Simples como um bom-dia!... Bom dia como bênção e como minha
disponibilidade para com o outro homem?
Isto não quer dizer
ainda: que belo dia. Isto exprime: eu te desejo paz, eu te desejo um bom dia, a
expressão de quem se preocupa com o outro. Ela porta todo o resto da
comunicação, ela carrega todo o discurso. [...]
POIRIÉ, François. Emmanuel Lévinas: ensaio e
entrevistas. Tradução J. Guinsburg,
Márcio Honório
de Godoy e Thiago Blumenthal. São Paulo: Perspectiva, 2007.
p. 83. (Debates 309).
A troca de sentidos é o
que nos faz humanos. Ao reconhecer que outras pessoas são capazes de dar
sentido, elas deixam de ser apenas coisas e tornam-se o outro, parte do nosso
“eu”, assim como nós nos tornamos parte deles. No entanto, o
outro é para nós
um profundo e infinito mistério, e cada pessoa do mundo
pode nos levar a lugares jamais pensados.
Pois é a ética antes de tudo?
A palavra ética é
grega. Eu penso muito mais, sobretudo agora, na santidade, na santidade do
rosto de outrem ou na santidade de minha obrigação como tal. Tanto faz! Há
uma santidade no rosto, mas sobretudo há santidade ou ética para consigo mesmo em
um comportamento que aborda o rosto como rosto, em que a obrigação em relação a
outrem se impõe
antes de toda e qualquer obrigação: respeitar outrem é dar-se conta de outrem,
é fazê-lo passar antes de si próprio.
E a cortesia! Ah, mas é
muito bom: o fazer passar antes de mim, esse pequeno impulso de cortesia é um
acesso ao rosto também. Por que você deve passar antes de mim? É bem difícil
porque você também abordou meu rosto. Mas a cortesia ou a ética consiste em não
pensar nessa reciprocidade.
POIRIÉ, François. Emmanuel Lévinas: ensaio e
entrevistas. Tradução J. Guinsburg,
Márcio Honório de Godoy
e Thiago Blumenthal. São Paulo: Perspectiva, 2007. p. 86. (Debates 309).
Por isso, é preciso
viver para o outro, pois assim o desenvolvimento do nosso “eu” será cada vez
maior. Viver para o outro é a melhor maneira de viver para si, pois os outros
são a maior parte de nós mesmos. Os outros são as
pessoas de quem gostamos ou de quem não gostamos. Estranhos ou conhecidos. Podemos
compreender e sermos compreendidos por todos. Nossa atitude ética, então, é
viver para o outro, e cada vez que nos aproximamos dos outros nós
nos completamos, nos instituímos. Os outros nos dão mais expressividade,
mais linguagem. Portanto, devemos viver por quem nos dá mais, que é a maneira
de vivermos por nós mesmos, ou seja, viver para o outro.
Exercício:
Produzir um pequeno
texto, de acordo com a proposta de Lição de casa do Caderno do Aluno, a
respeito do que uma das seguintes pessoas deve esperar de si:
Ø De
um estranho que anda na rua;
Ø De
uma pessoa da família dele;
Ø De
alguém que foi magoado por ele;
Ø De
alguém que o magoou;
Ø De
alguém de quem ele não gosta;
Ø De
alguém que ele ama.
Depois que terminarem, inverta
a proposição e escrevam o que vocês esperam dessa pessoa.
DIALOGAR – ALIENAÇÃO MORAL E O
SER-PARA-OUTROS EM SARTRE
Muitas pessoas sonham
ou têm pesadelos em que aparecem sem roupa na rua, na frente de estranhos.
Ficam aflitas
e envergonhadas e só sentem alívio ao despertar e perceber
que tudo não passou de um sonho. Com base nisso, podemos pensar, filosoficamente,
por que sentimos vergonha? Por que um bebê não sente vergonha de estar sem
roupa?
Para Sartre, a vergonha
vem do fato de que nós somos o que os outros nos revelam.
Assim, no caso da vergonha, somos instituídos pela presença julgadora dos
outros. Nós
reconhecemos nossa existência por meio do significado
que o outro nos atribui. Se me sinto envergonhado e acho que o que está
acontecendo comigo é algo feio, é o outro que me revela nesse significado.
Do mesmo modo, ao estar apaixonado, egoisticamente precisando ser amado, o outro
me revela nessa necessidade.
Diferentemente do amor,
que quer manter o outro ao nosso lado, o ódio também revela quem somos.
O
ódio
revela minha maldade, meu ser cruel, que despreza a liberdade do outro. Por
isso, mesmo quem ri de nós nos institui. Enfim,
cada um de nós
experimenta a própria existência sob o olhar alheio.
Isso faz com que nossa
relação com os outros seja tão íntima que precisamos assumir uma vida ética.
Por mais que eu me considere de determinada maneira, sempre haverá quem me
mostre de modo diferente. Podemos até disfarçar, mas o ato de disfarçar já é
colocar-se no mundo com base no outro. Por isso, Sartre chegou a dizer que o
inferno são os outros. Não há como escapar disso: é preciso ser ético.
Com base nessas
considerações, faremos a leitura do texto “Alienação moral”. O assunto abordado
é fundamental para um bom entendimento do que consideramos ação ética.
Alienação
moral
Alienação moral é
preocupar-se de maneira distorcida com o outro. Não é ignorá-lo, visto que é impossível,
pois ele nos mostra, em si, como somos, mas traduzi-lo de uma forma que não
permita essa revelação. No processo de alienação moral, uma pessoa trata as
demais sem reflexão
que permita o questionamento sobre diferenças, semelhanças, justiça, igualdade;
sem repensar em si mesmo.
Sobre isso, Sartre afirmou
que não podemos viver com morais alienantes, fora da história.
A ética deve ser entendida como ação no mundo, sob o contingenciamento da história
– história
e ética se confundem. A alienação moral procura fazer com que a ação do passado
seja repetida no presente; o que é bom é a cópia
do que foi bom, ignorando as transformações que a história
de cada um e das sociedades imputa a todos. Não podemos dizer, sem pensar, que
o que era errado há cem anos continuará sendo errado, que não deve haver
mudanças.
Nós,
seres humanos, precisamos de princípios morais e reflexão
ética. A falta desses princípios pode significar a morte ou uma
falsa vida, falsa individualidade e pseudoexistência.
Deve haver, portanto,
no presente, a preocupação de como devemos agir em relação ao outro. As mudanças
de nosso tempo exigem uma reflexão a respeito de nossa convivência
ética, com os desafios do mundo atual, para a construção da
solidariedade entre os seres humanos.
Cabe a cada um de nós
assumirmos a reflexão pura e sermos autênticos na
perspectiva da solidariedade. Devemos nos reconciliar conosco e assumir a ação
ética no mundo, mesmo sem apoio.
Portanto, sermos éticos
é assumirmos a responsabilidade com o outro, com aquele que não somos. Com base
nisso, teremos a autenticidade da nossa própria vida e não a
vileza de uma vida baseada em sistemas não históricos. Afinal,
é o outro que nos revela o que somos.
Exercício:
1. Após
a leitura dos textos, escrevam um texto refletindo sobre a seguinte
questão: Por que devo ser ético?
2. Para Sartre, a ética
deve ser baseada na ação histórica do presente, e não em valores metafísicos
ou do passado. Assinale exemplos em que essa ideia aparece.
a) As mulheres devem
obedecer aos homens.
b) Nós
temos de nos preocupar mais com nossas necessidades do que com as tradições.
c) Os
homens não devem chorar.
d) Minha família nunca
perdoou um erro grave; eu também não.
e) Não importa o que fizeram
com o homem;
importa o que ele fará com o que fizeram dele.
3. Segundo Sartre, como
nós
nos constituímos diante dos outros?
a) Pela vergonha, o
olhar dos outros nos apresenta existindo de maneira não adequada.
b) Pelo amor, o desejo
de possuir o outro e de aprisioná-lo, fazendo com que o outro nos ame.
c) Pelo ódio
da liberdade dos outros.
d) Os
outros não nos revelam, nós os revelamos.
e) Pela liberdade
natural que temos.
4. Qual é o sentido da
linguagem para Lévinas?
5. Segundo Sartre, por
que os outros são fundamentais para nossa individualidade?
Prof.
Manoelito
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