terça-feira, 20 de maio de 2014

ALIENAÇÃO MORAL

ALIENAÇÃO MORAL
Por meio deste texto, almeja-se dialogar a respeito da preocupação com as outras pessoas. É importante considerar o outro como necessário para a nossa constituição como indivíduos. Para tanto, procuraremos entender a construção da imagem do sujeito ético, contando com os aportes do pensamento de Emmanuel Lévinas e de Jean-Paul Sartre.
Como agem as pessoas, de modo geral, e como elas deveriam agir?
Dialogar – viver para o outro
Em geral, quando nos vemos como indivíduos, temos uma certeza: somos nós e o mundo. O “eu” percebe o mundo e os entes do mundo como coisas. Dividimos o mundo em entes importantes para nós e entes que não nos são importantes; entes que amamos e entes que não amamos; entes que fazem parte da nossa vida e entes que ignoramos por completo.
Dessa maneira, categorizamos o mundo e damos sentidos a tudo. Por exemplo, no livro A menina que roubava livros, de Markus Zusak (2006), a personagem principal guarda alguns livros, mesmo sem saber ler, pois eles significam a presença do irmão e da mãe, isto é, o sentido dos livros não foi atribuído pelo texto, mas pela analogia que a menina fez entre esses objetos e pessoas que amava.
A linguagem como acesso ao outro
A seguir, uma reflexão que se refere ao pensamento filosófico de Lévinas, que procuramos enriquecer com trechos de entrevista em que o filósofo expõe seus pontos de vista.
A linguagem nos precede, nós recebemos o que somos não por nós mesmos, mas a partir do local onde fomos criados. Somos fruto do mundo que nos cerca. Somos parte dele, queiramos ou não, justamente porque até a maneira de vermos o mundo está constituída pelas formas de linguagem que aprendemos de outras pessoas, como os nossos pais e professores.
Ø  O senhor escreve que a relação do mesmo e do outro, ou seja, por excelência, do eu e de outrem, é a linguagem. Deve a linguagem ser pensada unicamente como a comunicação de uma ideia ou de uma informação, e não também e, talvez, acima de tudo, como o fato de ela abordar outrem como outrem, isto é, já responder por ele?
A primeira palavra não é bom-dia?! Simples como um bom-dia!... Bom dia como bênção e como minha disponibilidade para com o outro homem?
Isto não quer dizer ainda: que belo dia. Isto exprime: eu te desejo paz, eu te desejo um bom dia, a expressão de quem se preocupa com o outro. Ela porta todo o resto da comunicação, ela carrega todo o discurso. [...]
POIRIÉ, François. Emmanuel Lévinas: ensaio e entrevistas. Tradução J. Guinsburg, Márcio Honório de Godoy e Thiago Blumenthal. São Paulo: Perspectiva, 2007. p. 83. (Debates 309).
A troca de sentidos é o que nos faz humanos. Ao reconhecer que outras pessoas são capazes de dar sentido, elas deixam de ser apenas coisas e tornam-se o outro, parte do nosso “eu”, assim como nós nos tornamos parte deles. No entanto, o outro é para nós um profundo e infinito mistério, e cada pessoa do mundo pode nos levar a lugares jamais pensados.
Pois é a ética antes de tudo?
A palavra ética é grega. Eu penso muito mais, sobretudo agora, na santidade, na santidade do rosto de outrem ou na santidade de minha obrigação como tal. Tanto faz! Há uma santidade no rosto, mas sobretudo há santidade ou ética para consigo mesmo em um comportamento que aborda o rosto como rosto, em que a obrigação em relação a outrem se impõe antes de toda e qualquer obrigação: respeitar outrem é dar-se conta de outrem, é fazê-lo passar antes de si próprio.
E a cortesia! Ah, mas é muito bom: o fazer passar antes de mim, esse pequeno impulso de cortesia é um acesso ao rosto também. Por que você deve passar antes de mim? É bem difícil porque você também abordou meu rosto. Mas a cortesia ou a ética consiste em não pensar nessa reciprocidade.
POIRIÉ, François. Emmanuel Lévinas: ensaio e entrevistas. Tradução J. Guinsburg, Márcio Honório de Godoy e Thiago Blumenthal. São Paulo: Perspectiva, 2007. p. 86. (Debates 309).
Por isso, é preciso viver para o outro, pois assim o desenvolvimento do nosso “eu” será cada vez maior. Viver para o outro é a melhor maneira de viver para si, pois os outros são a maior parte de nós mesmos. Os outros são as pessoas de quem gostamos ou de quem não gostamos. Estranhos ou conhecidos. Podemos compreender e sermos compreendidos por todos. Nossa atitude ética, então, é viver para o outro, e cada vez que nos aproximamos dos outros nós nos completamos, nos instituímos. Os outros nos dão mais expressividade, mais linguagem. Portanto, devemos viver por quem nos dá mais, que é a maneira de vivermos por nós mesmos, ou seja, viver para o outro.
Exercício:
Produzir um pequeno texto, de acordo com a proposta de Lição de casa do Caderno do Aluno, a respeito do que uma das seguintes pessoas deve esperar de si:
Ø  De um estranho que anda na rua;
Ø  De uma pessoa da família dele;
Ø  De alguém que foi magoado por ele;
Ø  De alguém que o magoou;
Ø  De alguém de quem ele não gosta;
Ø  De alguém que ele ama.
Depois que terminarem, inverta a proposição e escrevam o que vocês esperam dessa pessoa.
DIALOGAR – ALIENAÇÃO MORAL E O SER-PARA-OUTROS EM SARTRE
Muitas pessoas sonham ou têm pesadelos em que aparecem sem roupa na rua, na frente de estranhos. Ficam aflitas e envergonhadas e só sentem alívio ao despertar e perceber que tudo não passou de um sonho. Com base nisso, podemos pensar, filosoficamente, por que sentimos vergonha? Por que um bebê não sente vergonha de estar sem roupa?
Para Sartre, a vergonha vem do fato de que nós somos o que os outros nos revelam. Assim, no caso da vergonha, somos instituídos pela presença julgadora dos outros. Nós reconhecemos nossa existência por meio do significado que o outro nos atribui. Se me sinto envergonhado e acho que o que está acontecendo comigo é algo feio, é o outro que me revela nesse significado. Do mesmo modo, ao estar apaixonado, egoisticamente precisando ser amado, o outro me revela nessa necessidade.
Diferentemente do amor, que quer manter o outro ao nosso lado, o ódio também revela quem somos. O ódio revela minha maldade, meu ser cruel, que despreza a liberdade do outro. Por isso, mesmo quem ri de nós nos institui. Enfim, cada um de nós experimenta a própria existência sob o olhar alheio.
Isso faz com que nossa relação com os outros seja tão íntima que precisamos assumir uma vida ética. Por mais que eu me considere de determinada maneira, sempre haverá quem me mostre de modo diferente. Podemos até disfarçar, mas o ato de disfarçar já é colocar-se no mundo com base no outro. Por isso, Sartre chegou a dizer que o inferno são os outros. Não há como escapar disso: é preciso ser ético.
Com base nessas considerações, faremos a leitura do texto “Alienação moral”. O assunto abordado é fundamental para um bom entendimento do que consideramos ação ética.
Alienação moral
Alienação moral é preocupar-se de maneira distorcida com o outro. Não é ignorá-lo, visto que é impossível, pois ele nos mostra, em si, como somos, mas traduzi-lo de uma forma que não permita essa revelação. No processo de alienação moral, uma pessoa trata as demais sem reflexão que permita o questionamento sobre diferenças, semelhanças, justiça, igualdade; sem repensar em si mesmo.
Sobre isso, Sartre afirmou que não podemos viver com morais alienantes, fora da história. A ética deve ser entendida como ação no mundo, sob o contingenciamento da história – história e ética se confundem. A alienação moral procura fazer com que a ação do passado seja repetida no presente; o que é bom é a cópia do que foi bom, ignorando as transformações que a história de cada um e das sociedades imputa a todos. Não podemos dizer, sem pensar, que o que era errado há cem anos continuará sendo errado, que não deve haver mudanças.
Nós, seres humanos, precisamos de princípios morais e reflexão ética. A falta desses princípios pode significar a morte ou uma falsa vida, falsa individualidade e pseudoexistência.
Deve haver, portanto, no presente, a preocupação de como devemos agir em relação ao outro. As mudanças de nosso tempo exigem uma reflexão a respeito de nossa convivência ética, com os desafios do mundo atual, para a construção da solidariedade entre os seres humanos.
Cabe a cada um de nós assumirmos a reflexão pura e sermos autênticos na perspectiva da solidariedade. Devemos nos reconciliar conosco e assumir a ação ética no mundo, mesmo sem apoio.
Portanto, sermos éticos é assumirmos a responsabilidade com o outro, com aquele que não somos. Com base nisso, teremos a autenticidade da nossa própria vida e não a vileza de uma vida baseada em sistemas não históricos. Afinal, é o outro que nos revela o que somos.
Exercício:
1.      Após a leitura dos textos, escrevam um texto refletindo sobre a seguinte questão: Por que devo ser ético?
2. Para Sartre, a ética deve ser baseada na ação histórica do presente, e não em valores metafísicos ou do passado. Assinale exemplos em que essa ideia aparece.
a) As mulheres devem obedecer aos homens.
b) Nós temos de nos preocupar mais com nossas necessidades do que com as tradições.
c) Os homens não devem chorar.
d) Minha família nunca perdoou um erro grave; eu também não.
e) Não importa o que fizeram com o homem; importa o que ele fará com o que fizeram dele.
3. Segundo Sartre, como nós nos constituímos diante dos outros?
a) Pela vergonha, o olhar dos outros nos apresenta existindo de maneira não adequada.
b) Pelo amor, o desejo de possuir o outro e de aprisioná-lo, fazendo com que o outro nos ame.
c) Pelo ódio da liberdade dos outros.
d) Os outros não nos revelam, nós os revelamos.
e) Pela liberdade natural que temos.
4. Qual é o sentido da linguagem para Lévinas?
5. Segundo Sartre, por que os outros são fundamentais para nossa individualidade?


Prof. Manoelito

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