Neste texto,
discutiremos sobre a concepção geral de violência e de suas principais formas e
dimensões. Seus desdobramentos sociais e jurídicos, para chegar a um consenso
sobre em que consiste a violação de direitos e o que efetivamente acarreta
sanções do ponto de vista da lei. O objetivo é propiciar um olhar de
estranhamento em relação à violência enquanto prática e ação social humana,
tipificá-la e compreendê-la em seus diferentes âmbitos, de modo a produzir uma
reflexão ampla e crítica sobre o problema.
A violência é, hoje,
parte de nosso cotidiano. De maneira direta ou indireta, somos expostos,
diariamente, a todo tipo de informação alusiva a atos de violação da
integridade física, psicológica e moral de outros seres humanos. Isso ocorre
por meio dos noticiários televisivos, da mídia impressa, do cinema, das séries
policiais e da própria realidade à nossa volta. Somos testemunhas de atos
violentos, conhecemos pessoas que foram vítimas e também agressoras, ou somos
nós próprios vítimas ou responsáveis por ações que deixam sequelas físicas e
psicológicas. Por essa razão, tratar do tema “violência” envolve sempre o risco
da banalização e do senso comum. Pensar o problema de maneira sociológica
requer, antes de tudo, adotar um distanciamento apropriado, procurando
analisá-lo sob um enfoque objetivo. Mais uma vez, vamos recorrer ao exercício
do estranhamento, para tratar do assunto “violência” como se estivesse sendo
discutido pela primeira vez. Para isso,
analisem as três reportagens fictícias, leiam os textos I, II e III, que fazem
menção a atos violentos ocorridos em três localidades diferentes, em um mesmo
dia, disponíveis no caderno do aluno.
O que é violência?
Como diversos outros conceitos da Sociologia, não há uma definição única sobre
o que seja a violência, aceita de forma unânime pelos sociólogos. Diferentes
autores a abordam sob enfoques diversos. Por essa razão, vamos começar por uma
concepção geral, embasada na literatura sociológica. Essa noção, entretanto,
não deve ser entendida como um conceito fechado e acabado, mas, sim, aberto ao
debate e à reflexão crítica.
É possível que
algumas das ações identificadas não sejam consideradas formas de violência, mas
apenas agressões, xingamentos ou atos correlatos. Isso porque o senso comum
tende a não as identificar como agressões, dado que a violência é geralmente
relacionada a atos criminosos, ou a atos que geram danos físicos para a pessoa
que sofre a ação violenta. A violência envolve muito mais que as agressões
físicas que levam aos ferimentos ou à morte e, pela concepção que defenderemos
aqui, todas as expressões exemplificadas na lista podem ser consideradas formas
de violência, porque em todas as situações, exemplificadas e enumeradas com
base nos textos ou nos recortes de jornal, estão envolvidos seres humanos que,
de uma forma ou de outra, foram afetados física, psicológica ou moralmente
pelas ações de outros indivíduos. Esta é a ideia central para a compreensão da
violência: a noção de que ela constitui uma ação que causa alguma forma de dano
a outro ser humano, direta ou indiretamente. Segundo a Organização Mundial da
Saúde (OMS), no Relatório Mundial sobre a Violência e Saúde (2002), a violência
pode ser definida como o uso intencional de força física ou do poder contra si
mesmo, outra pessoa, um grupo ou uma comunidade.
A violência pode ser
entendida como a ação ou ameaça de um indivíduo ou grupo contra uma ou mais
pessoas a fim de causar danos. Essa violência pode ser direta, quando atinge
imediatamente o corpo da pessoa que a sofre, ou indireta, quando se dá por meio
da alteração do ambiente no qual ela se encontra ou quando se retiram, destroem
ou danificam os seus recursos materiais. Tanto a forma direta quanto a forma
indireta prejudicam a pessoa ou o grupo alvo da violência. Além disso, existe
violência quando a ação causa constrangimentos não apenas físicos, mas também
psicológicos e morais. Finalmente, é preciso incluir a violência simbólica, que
não causa a morte física, mas atenta contra as crenças, a cultura e a própria
identidade dos indivíduos que dela são vítimas. Concluindo, entende-se como
violência tudo aquilo que não é desejado pelo outro e que lhe é imposto pela
força concreta ou simbólica.
Os atos violentos não
necessariamente são realizados por indivíduos de forma isolada, mas podem ser
desempenhados por grupos organizados ou não (como milícias e exércitos) e
Estados, por exemplo. Essa é a violência organizada.
As ações violentas
podem ser dirigidas não às pessoas, mas às propriedades, causando prejuízos
financeiros e consequências sérias, como no caso da destruição de campos de
cultivo e colheitas. Finalmente, no caso de perseguição e repressão por causa
de crenças religiosas, por exemplo, ocorre violência sobre as participações simbólicas
e culturais de uma população na vida de uma sociedade. É a violência contra a
cultura e a religião de um povo.
Dimensões e formas da
violência
Partindo do
raciocínio apresentado, podemos perceber que a violência caracteriza as ações
humanas não somente no plano das interações entre os indivíduos, mas também nas
relações entre grupos. Ela pode se dar de forma direta, por meio de agressões
propriamente ditas, que geram danos físicos, ou por outros meios que não
necessariamente afetam o corpo da pessoa, mas a prejudicam do ponto de vista
moral e psicológico ou ofendem suas crenças e seus costumes. A violência também
pode se dar por ameaça. Além disso, os efeitos da violência podem não ser
sentidos ou percebidos imediatamente à sua consecução, mas após algum tempo, ou
ainda perdurar por muitos anos, como é o caso de pessoas que sofrem sequelas ou
ficam traumatizadas após terem sido vítimas de atos violentos.
A dimensão mais
imediatamente perceptível da violência contra outro ser humano é aquela que gera
danos – permanentes ou não – à sua integridade física. É o que denominamos de
violência física. Alguns exemplos são: tapas, empurrões, chutes, mordidas,
queimaduras, tentativas de asfixia, de afogamento, de homicídio etc. Muitos
atos entendidos como formas de violência física são tipificados como crimes de
lesão corporal, isto é, quando ofendem a integridade e a saúde corporal de
outra pessoa. Nesse caso, a lesão pode ser leve ou grave, sendo o segundo tipo
quando a pessoa corre perigo de vida, passa a sofrer debilidade permanente de
membro, sentido ou função, perde ou fica com um dos membros, sentidos ou funções
inutilizadas, fica incapacitada para o trabalho, fica deformada, aborta ou é
levada ao parto prematuro. No limite, a violência física leva à morte da
vítima. Nesse caso, a violência física é tipificada como crime de homicídio.
A violência física
também pode ter conotação sexual, nos casos em que uma pessoa é constrangida a
manter relações sexuais contra sua vontade. Nesse caso, é denominada crime de
estupro. Embora a lei brasileira interprete o estupro como crime contra a
dignidade sexual, esse ato não deixa de ser uma forma de violência que afeta
profundamente as pessoas em sua personalidade, desrespeitando os direitos
humanos, ao ferir a integridade pessoal e o controle do próprio corpo.
A violência não
necessariamente precisa deixar marcas no corpo de uma pessoa. A própria ameaça
de violência física gera transtornos de natureza psicológica que constrangem a
vítima a adotar comportamentos contra sua vontade ou, ao contrário, privam-na
de sua liberdade. Por essa razão, esse tipo de violência é denominado violência
psicológica. Alguns exemplos são humilhações, ameaças de agressão, danos
propositais ou ameaças de dano a objetos, a animais de estimação ou a pessoas
queridas, privação de liberdade, assédio sexual, entre outros. Porém, nem
sempre uma pessoa que sofre de violência psicológica percebe que é vítima. O
uso constante de palavrões, expressões depreciativas e manifestações de
preconceito, por exemplo, pode levar a tal degradação da autoestima que a
pessoa passa a acreditar que ela é a responsável pela violência da qual é
vítima.
A percepção ou não da
condição de vítima (e, por conseguinte, de agressor) é uma questão fundamental
para a compreensão da dimensão simbólica da violência; ou seja, quando as
relações de dominação entre grupos sociais encontram-se tão enraizadas e
naturalizadas que a violência exercida por uns sobre os outros é vista como uma
parte “natural” da ordem social estabelecida. Nesse caso, tanto o grupo social
dominado como o dominante (uma vez que compartilham os mesmos instrumentos de
conhecimento social da realidade) pensam e se relacionam de modo semelhante,
aceitando padrões de comportamento que tendem a reproduzir a dominação e,
consequentemente, a violência de uns sobre outros.
Como se dão, em nossa
sociedade, as relações entre homens e mulheres? Nela, encontra-se enraizada a
noção de que os homens são mais fortes, e as mulheres, fisicamente mais
frágeis. Os comportamentos violentos seriam uma característica “natural” do
homem, o que não é verdade. A dificuldade em encontrar uma definição precisa
para essa questão está no fato de que a concepção de violência que temos
atualmente nem sempre foi a mesma. A percepção que uma população tem a respeito
dela também muda no tempo, conforme a sociedade, o Estado e as instituições
responsáveis pela segurança se organizam para controlá-la. Além disso, as leis,
ou seja, as normas e as regras que regulam as relações entre os indivíduos no
interior de uma sociedade, também se modificam histórica e culturalmente. Desse
ponto de vista, o que é considerado, em um determinado país ou cultura, uma
forma de violência contra a pessoa, pode não ser assim considerado em outro
país ou cultura.
Um exemplo é o caso
da pena de morte. Alguns países preveem em sua Constituição a pena de morte,
enquanto outros, como o Brasil, não. Em uma mesma sociedade, diferenças
regionais, sociais, econômicas e culturais contribuem para modificar as
percepções sobre a violência. Por essa razão, é importante enfatizar que nada
pode ser considerado “normal” ou “natural” apenas porque hoje a violência faz
parte do nosso cotidiano, em maior ou menor grau. É preciso sempre adotar um
olhar de distanciamento em relação ao fenômeno social da violência e uma
postura reflexiva e crítica quanto às suas consequências para a sociedade.
1.
Por
essa razão, tratar do tema “violência” envolve sempre o risco da banalização e
do senso comum?
2.
Segundo
a Organização Mundial da Saúde (OMS), como pode ser definida a violência?
3.
Como
pode ser entendida a violência? Explique violência direta e indireta.
4.
O
que se entende como violência?
5.
Explique
as dimensões da violência física, psicológica e simbólica.
Prof. Manoelito
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