O
objetivo deste tema é desenvolver uma reflexão ética a respeito da ação e
conceituação do indivíduo. Para isso, apresentaremos o pensamento de John Locke
e dos filósofos utilitaristas, Jeremy Bentham e John Stuart Mill. Com base em um entendimento comum da nossa
condição de indivíduos, vamos refletir sobre a convivência. Cada indivíduo é
único e tem suas particularidades, historicamente temos ampliado a necessidade
de buscar liberdade, autonomia para realizar sonhos, desejos e fazer valer
interesses. Mas como realizar as necessidades e os desejos individuais na
convivência com os outros que trazem consigo os próprios desejos e
necessidades? Com a valorização da subjetividade e com a elevação dos valores
individuais, tornou-se importante justificar e argumentar acerca do indivíduo e
da convivência. Afinal, o que leva o indivíduo a se organizar em sociedade?
O contrato – John Locke - Para
aprofundarmos o tema, vamos refletir sobre os “homens das cavernas”: Que ideia
geralmente se tem sobre eles? Na maioria dos casos, são apenas imagens
estereotipadas, que os caracterizam como “violentos e brutos, preocupados
apenas em satisfazer, imediatamente, seus desejos”. Mas, será que existem
outras abordagens sobre os homens das cavernas? Para John Locke, assim como
para outros pensadores como Thomas Hobbes e Jean Jacques Rousseau, os homens,
antes de se organizarem em sociedade, viviam em uma situação chamada “estado de
natureza”. A hipótese de um período originário como esse tem o sentido de
auxiliar a refletir sobre os motivos que levaram os homens a se organizar e
viver em sociedade. Locke entendia que, para compreender o poder político,
deveríamos refletir sobre as motivações que teriam levado os homens a sair do
estado de natureza e passar a viver em sociedade com a organização de governos
e leis para regular suas relações.
Segundo
Locke, no estado de natureza os homens eram livres e, dessa forma, não
dependiam de outros homens para conduzir a própria vida. Todos eram iguais,
pois nenhum possuía nada a mais que outro, recebendo todos as mesmas vantagens
da natureza e as mesmas faculdades. No estado de natureza, para Locke, os
homens vivem em situação de paz. Porém, quando um homem procura submeter outro
à sua vontade, instala-se o estado de guerra que só pode ser amenizado e/ou
evitado com a adesão de todos os homens a um contrato. Dessa forma, os governos
são criados pelos homens para que a vida e a liberdade sejam garantidas.
Contudo, se os governos falham nessa missão, os homens, segundo Locke, podem se
revoltar. Na qualidade de livres por natureza, podem contestar um governo
injusto e não são obrigados a acatar as suas decisões.
Do
estado de natureza “Para
compreender corretamente o poder político e deduzi-lo a partir de sua origem,
devemos considerar em qual estado se encontram naturalmente todos os homens, ou
seja, um estado de liberdade perfeita para ordenar suas ações e regular suas
posses e pessoas como acharem conveniente, dentro dos limites da lei da
natureza, sem necessidade de pedir permissão ou depender da vontade de outro
homem.
Um estado, também, de igualdade, no
qual todo poder e justiça são recíprocos, sem que um tenha mais do que outro;
evidentemente, seres da mesma espécie e posição, nascidos aleatoriamente para
usufruir de todos os benefícios da natureza e do uso das mesmas faculdades,
devem também ser iguais entre si, sem que haja subordinação ou sujeição, exceto
quando o senhor e mestre de todos eles expresse seu desejo por meio da
declaração de sua vontade de colocar um acima do outro e conferir ao primeiro,
por meio de uma designação clara e evidente, o direito ao domínio e à
soberania.”[...]
Do
estado de guerra
[...] “E, portanto, aquele que tentar submeter outro homem ao seu poder
absoluto coloca-se, dessa forma, em estado de guerra com esse homem. Essa
atitude deve assim ser entendida como uma declaração de que visa a controlar
sua vida. Pois tenho razão em concluir que aquele que me subjuga em seu poder,
sem meu consentimento, faria uso de mim como desejasse quando me encontrasse
sob seu poder e também iria me destruir quando assim desejasse fazê-lo, pois
ninguém pode desejar subjugar-me a seu poder absoluto, exceto para forçar-me a
fazer algo que é contra meu direito de liberdade, isto é, fazer de mim um
escravo.
Estar livre de tal força é a única
garantia de minha preservação e a razão faz-me percebê-lo como um inimigo de
minha preservação, alguém que me privaria daquela liberdade que protege tal
preservação; logo, aquele que tentar escravizar-me irá colocar-se, dessa forma,
em estado de guerra comigo. Aquele que, no estado de natureza, retirasse a
liberdade que pertence a qualquer um em tal estado deve necessariamente ser
considerado como possuidor de um desejo de retirar todas as demais coisas, já
que a liberdade é o alicerce de tudo o que existe. Tal como aquele que no
estado de sociedade retirasse a liberdade pertencente aos membros daquela
sociedade ou do bem comum deve ser considerado como alguém que deseja tirar
deles tudo o que resta, e assim ser visto como em estado de guerra.” [...]
Da
propriedade
[...] “Apesar de a terra e todas as demais criaturas serem comuns a todos os
homens, cada homem possui uma propriedade sobre sua própria pessoa. A ela, ninguém
tem direito, exceto ele próprio. O trabalho de seu corpo e a criação de suas
mãos, podemos dizer, são apropriadamente seus. Qualquer coisa que ele retire do
estado em que a natureza a tenha criado e dessa forma deixado revela a mescla
de seu esforço a tal coisa, transformando-a em algo que agora lhe pertence,
tornando-a assim sua propriedade. Por ter sido retirada do estado comum no qual
a natureza a colocou e porque algo foi adicionado a tal coisa por meio do
trabalho, isso exclui o direito comum de outros homens. Por ser tal esforço de
propriedade inquestionável de seu executor, nenhum homem além dele pode ter
direito ao que ele criou, ao menos enquanto houver o bastante e enquanto boas condições
forem deixadas em comum para outros homens.” L0CKE, John. Segundo tratado sobre o governo civil.
Direito natural e direito positivo
- Direito natural e direito positivo. Esses
dois conceitos são fundamentais para a sua formação cidadã. O direito natural
seria uma derivação da razão correta, assim como a natureza tem suas leis, o
homem também teria, por natureza, as suas. Já o direito positivo seria o
conjunto de leis que os homens criam para conviver em sociedade. Em Locke, a
liberdade, a propriedade e a vida são constitutivos do direito natural de cada
indivíduo. No entanto, para mantê-lo, o homem precisa conviver com outros que
têm o mesmo direito natural; então, para que o convívio seja possível, os homens
necessitam produzir leis positivas – no sentido de inventá-las – para
manutenção desses mesmos direitos naturais. Assim, com base no direito natural
de cada um, cria-se o direito positivo a que todos têm de obedecer.
Na
filosofia de John Locke, há a valorização do indivíduo como agente histórico e
jurídico. Por isso, toda ação depende necessariamente do indivíduo. O tipo de
governo que ele deixa existir, o tipo de relações sociais sob as quais viverá,
o conhecimento que deverá produzir; enfim, sua felicidade ou tristeza não
competem mais ao rei ou ao senhor feudal, mas somente ao indivíduo.
O indivíduo utilitarista – Bentham - Aqui, trataremos
do indivíduo concebido pelo utilitarismo, que se diferencia do indivíduo
pensado por Locke. Para isso, vamos ler um excerto de Bentham.
“I. [...] Prazeres e dores são
instrumentos com os quais o legislador tem de trabalhar: é necessário, assim,
que ele compreenda sua força, o que significa, novamente, conhecer seu valor.
I I. Para um indivíduo considerando
a si mesmo, o valor do prazer ou da dor considerados em si mesmos será maior ou
menor, de acordo com as seguintes quatro circunstâncias: 1. Sua intensidade. 2.
Sua duração. 3. Sua certeza ou incerteza. 4. Sua proximidade ou distanciamento.
I II. Essas são as circunstâncias
que devem ser levadas em conta quando se estima prazer ou dor considerados em
si mesmos separadamente.
Mas quando o valor de um prazer ou uma dor é
considerado com o propósito de estimar a tendência de qualquer ato pelo qual é
produzido, existem duas outras circunstâncias que devem ser observadas.
São elas: 5. Sua fecundidade, ou a possibilidade de ser
seguida por sensações do mesmo tipo, ou seja, prazeres, no caso de um prazer,
dores, no caso de uma dor. 6. Sua pureza, ou a possibilidade de não ser seguida
por sensações do tipo oposto, ou seja, dores no caso de um prazer, prazeres, no
caso de uma dor. BENTAM, Jeremy. Uma introdução aos princípios da moral e da legislação.”
Para
o utilitarismo, o homem é um ser que só é livre quando se desenvolve
intelectualmente e é capaz de fazer escolhas morais, diferentemente dos
preceitos de Locke, que afirmava a liberdade do homem com base na natureza.
Bentham não via coerência entre a teoria empirista de Locke e a doutrina do
direito natural, pois, por não se tratar de um dado histórico, mostra-se
insatisfatória. A existência de tal contrato, fundado por meio de uma
reconstituição hipotética e não tendo validade histórica, não poderia dar
fundamento ao direito natural.
Bentham
considerava ainda que, mesmo que o direito natural, reconhecido pelo contrato,
tivesse fundamento histórico, não há qualquer garantia de que os homens agiriam
segundo o direito natural e segundo o contrato que o reconhece. Segundo
Bentham, a única garantia de compromisso entre homens ou que um contrato social
poderia ter é de apresentar as vantagens da vida em sociedade. Essa perspectiva
leva ao entendimento de que a obediência às leis passa pela satisfação que pode
ser proporcionada por ela. Assim, Bentham acreditava que, em vez de apelarem ao
direito natural e à ação que promove a sua existência, os homens deveriam
apelar para a utilidade de uma ação ou de uma norma.
Para
o utilitarismo, o homem é um ser que necessita vivenciar seus desejos e, com
isso, vivenciar
o prazer, o fim último de todos os seres vivos. Ele é um ser passional, não
apenas racional ou natural. Para ajudar o homem, os utilitaristas pensaram em
criar uma ciência moral tão exata quanto a Matemática, até mesmo para dar conta
de um de seus problemas fundamentais, qual seja: Como alcançar o prazer, sem
produzir dor?
De
fato, quando se considera o prazer como finalidade ética, temos aquilo que se
chama hedonismo. No entanto, o hedonismo utilitarista está fundamentalmente
preocupado com a vida em sociedade. Portanto, a noção de prazer e dor deve ser
compartilhada, surgindo dessa partilha a verdadeira moral. Para o utilitarismo,
prazer e utilidade são compatíveis, sendo que a utilidade depende da relação
social.
John Stuart Mill - Defensor
da causa da liberdade, teve como mestre Jeremy Bentham. Ou seja, sua defesa da
liberdade passava pelos princípios utilitaristas. Contudo, a sua adesão ao
utilitarismo não agregava todos os princípios pronunciados por seu mestre. Para
Mill, mais importante do que calcular quanto de felicidade é necessária para
afastar-se da dor é saber como a felicidade é construída.
“Sendo essas razões que tornam imperativo
que os seres humanos devam ser livres para formar opiniões, e para expressá-las
sem reservas e sendo essas as danosas consequências para a natureza moral do
homem, a menos que esta liberdade seja concedida, ou restaurada a despeito da
proibição, vamos agora examinar se as mesmas razões não requerem que os homens
devam ser livres para agir de acordo com suas opiniões – para mantê-las em suas
vidas, sem impedimentos físicos ou morais, causados pelos seus companheiros,
desde que o risco seja por sua própria conta. Essa última cláusula é
evidentemente indispensável. Ninguém acha que as ações devam ser tão livres
quanto as opiniões. Ao contrário, mesmo as opiniões perdem suas imunidades
quando as condições em que são expressas são tais que exprimi-las leva a uma
instigação de algum ato maléfico. [...] Atos que de uma maneira qualquer e sem
causa justificável causam danos a outras pessoas podem ser – e nos casos mais
importantes é imperativo que o sejam controlados por sentimentos que lhes são
desfavoráveis e, quando tal for necessário, pela interferência ativa da
humanidade. A liberdade do indivíduo deve ser limitada dessa maneira; ele não
deve tornar a si mesmo um problema para as outras pessoas. ”
MILL, J. Stuart.
Sobre a liberdade. Tradução Ari R. Tank. São Paulo: Hedra, 2010.
1. Como
viviam os homens das cavernas?
2. Como
viviam os homens, antes de se organizarem em sociedade, segundo John Locke,
Thomas Hobbes e Jean Jacques Rousseau?
3. O
que deveríamos fazer para compreender o poder político, segundo Locke?
4. Segundo
Locke, como viviam os homens no estado de natureza? Explique.
5. Explique
Direito natural e direito positivo.
6. Fale
sobre o homem e a liberdade segundo o utilitarismo.
7. Qual
a diferença entre os pensamentos de Locke, Bentham e John Stuart Mill.
8. Pesquisar
sobre a vida e a obra de John Locke, John Stuart Mill, Jeremy Bentham.
E os termos “” Subjetividade”, Utilitarismo”, “Indivíduo”, “Contratualismo” e
“Teoria Liberal”.
PROF. MANOELITO
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