Filosofia: A Alegoria da caverna
A República de Platão
Na República, Platão formula seu modelo ideal de cidade, a cidade justa,
que serve de contraste para a cidade concreta, Atenas, cujo sistema político é
injusto, corrupto e decadente. Para definir o que é a cidade justa, Platão
começa a examinar o que é a justiça, o que o leva a investigar o conhecimento
da justiça e, por fim, o próprio conhecimento. A Alegoria, ou Mito da Caverna,
que se encontra no início do livro VII deste diálogo consiste precisamente em
uma imagem construída por Sócrates para explicar a seu interlocutor, Glauco, o
processo pelo qual o indivíduo passa ao se afastar do mundo do senso comum e da
opinião em busca do saber e da visão do Bem e da Verdade. É este precisamente o
percurso do prisioneiro até transformar-se no sábio, no filósofo, devendo
depois retomar à caverna para cumprir sua tarefa político-pedagógica de
indicar a seus antigos companheiros o caminho.
SÓCRATES: Agora imagine a nossa natureza, segundo o grau de educação que
ela recebeu ou não, de acordo com o quadro que vou fazer. Imagine, pois, homens
que vivem em uma espécie de morada subterrânea em forma de caverna. A entrada
se abre para a luz em toda a largura da fachada. Os homens estão no interior
desde a infância, acorrentados pelas pernas e pelo pescoço, de modo que não
podem mudar de lugar nem voltar a cabeça para ver algo que não esteja diante
deles. A luz lhes vem de um fogo que queima por trás deles, ao longe, no alto.
Entre os prisioneiros e o fogo, há um caminho que sobe. Imagine que esse
caminho é cortado por um pequeno muro, semelhante ao tapume que os exibidores
de marionetes dispõem entre eles e o público, acima do qual manobram as
marionetes e apresentam o espetáculo.
GLAUCO: Entendo.
SÓCRATES: Então, ao longo desse pequeno muro, imagine homens que carregam
todo tipo de objetos fabricados, ultrapassando a altura do muro; estátuas de
homens, figuras de animais, de pedra, madeira ou qualquer outro material.
Provavelmente, entre os carregadores que desfilam ao longo do muro, alguns
falam, outros se calam.
GLAUCO: Estranha descrição e estranhos prisioneiros!
SÓCRATES: Eles são semelhantes a nós. Primeiro, você pensa que, na
situação deles, eles tenham visto algo mais do que as sombras de si mesmos e
dos vizinhos que o fogo projeta na parede da caverna à sua frente?
GLAUCO: Como isso seria possível, se durante toda a vida eles estão
condenados a ficar com a cabeça imóvel?
SÓCRATES: Não acontece o mesmo com os objetos que desfilam?
GLAUCO: É claro.
SÓCRATES: Então, se eles pudessem conversar, não acha que, nomeando as
sombras que vêem, pensariam nomear seres reais?
GLAUCO: Evidentemente.
SÓCRATES: E se, além disso, houvesse um eco vindo da parede diante deles,
quando um dos que passam ao longo do pequeno muro falasse, não acha que ele
tomariam essa voz pela da sombra que desfila à sua frente?
GLAUCO: Sim, por Zeus.
SÓCRATES: Assim sendo, os homens que estão nessas condições não poderiam
considerar nada como verdadeiro, a não ser as sombras dos objetos fabricados.
GLAUCO: Não poderia ser de outra forma.
SÓCRATES: Veja agora o que aconteceria se eles fossem libertados de suas
corrente e curados de sua desrazão. Tudo não aconteceria naturalmente como vou
dizer? Se um desses homens fosse solto, forçado subitamente a levantar-se, a
virar a cabeça, a andar, a olhar para o lado da luz, todos esses movimentos o
fariam sofrer; ele ficaria ofuscado e não poderia distinguir os objetos, dos
quais via apenas as sombras, anteriormente. Na sua opinião. o que ele poderia
responder se lhe dissessem que, antes, ele só via coisas sem consistência, que
agora ele está mais perto da realidade, voltado para objetos mais reais, e que
está vendo melhor? O que ele responderia se lhe designassem cada um dos objetos
que desfilam, obrigando-o, com perguntas, a dizer o que são? Não acha que ele
ficaria embaraçado e que as sombras que ele via antes lhe pareceriam mais
verdadeira" do que os objetos que lhe mostram agora?
GLAUCO: Certamente, elas lhe pareceriam mais verdadeiras.
SÓCRATES: E se o forçassem a olhar para a própria luz, não achas que os
olhos lhe doeriam, que ele viraria as costas e voltaria para as coisas que pode
olhar e que as consideraria verdadeiramente mais nítidas do que as coisas que
lhe mostram?
GLAUCO: Sem dúvida alguma.
SÓCRATES: E se o tirassem de lá à força. se o fizessem subir o íngreme
caminho montanhoso, se não o largassem até arrastá-lo para a luz do sol, ele
não sofreria e se irritaria ao ser assim empurrado para fora? E. chegando à
luz, com os olhos ofuscados pelo seu brilho, não seria capaz de ver nenhum
desses objetos, que nós afirmamos agora serem verdadeiros.
GLAUCO: Ele não poderá vê-los, pejo menos nos primeiros momentos.
SÓCRATES: É preciso que ele se habitue, para que possa ver as coisas do
alto. Primeiro, ele distinguirá mais facilmente as sombras, depois, as imagens
dos homens e dos outros objetos refletidas na água, depois os próprios objetos.
Em segundo lugar, durante a noite, ele poderá contemplar as constelações e o
próprio céu, e voltar o olhar para a luz dos astros e da lua mais facilmente
que durante o dia para o sol e para a luz do sol.
GLAUCO: Sem dúvida
SÓCRATES: Finalmente, ele poderá contemplar o sol, não o seu reflexo nas
águas ou em outra superfície lisa, mas o próprio sol, no lugar do sol, o sol
tal como é.
GLAUCO: Certamente.
SÓCRATES: Depois disso, poderá raciocinar a respeito cio sol, concluir
que é ele que produz as estações e os anos, que governa tudo no mundo visível,
e que é, de algum modo, a causa de tudo o que ele e seus companheiros viam na
caverna.
GLAUCO: É indubitável que ele chegará a essa conclusão.
SÓCRATES: Nesse momento. se ele se lembrar de sua primeira morada, da
ciência que ali se possuía e de seus antigos companheiros, não acha que ficaria
feliz com a mudança e teria pena deles?
GLAUCO: Claro que sim.
SÓCRATES: Quanto às honras e louvores que eles se atribuíam mutuamente
outrora, quanto às recompensas concedidas àquele que fosse dotado de uma visão
mais aguda para discernir a passagem das sombras na parede e de uma memória
mais fiel para se lembrar com exatidão daquelas que precedem certas outras ou
que lhes sucedem. as que vêm juntas. e que, por isso mesmo, era o mais hábil
para conjeturar a que viria depois, acha que nosso homem teria inveja dele, que
as honras e a confiança assim adquiridas entre os companheiros lhe dariam
inveja? Ele não pensaria antes, como o herói de Homero, que mais vale
"viver como escravo de um lavrador" e suportar qualquer provação do
que voltar à visão ilusória da caverna e viver como se vive lá?
GLAUCO: Concordo com você. Ele aceitaria qualquer provação para não viver
como se vive lá.
SÓCRATES: Reflita ainda nisto: suponha que esse homem volte à caverna e
retome o seu antigo lugar. Desta vez, não seria pelas trevas que ele teria os
olhos ofuscados, ao vir diretamente do sol?
GLAUCO: Naturalmente.
SÓCRATES: E se ele tivesse que emitir de novo um juízo sobre as sombras e
entrar em competição com os prisioneiros que continuaram acorrentados, enquanto
sua vista ainda está confusa, seus olhos ainda não se recompuseram, enquanto
lhe deram um tempo curto demais para acostumar-se com a escuridão, ele não
ficaria ridículo? Os prisioneiros não diriam que, depois de ter ido até o alto,
voltou com a vista perdida, que não vale mesmo a pena subir até lá? E se alguém
tentasse retirar os seus laços, fazê-los subir, você acredita que, se pudessem
agarrá-lo e executá-la, não o matariam?
GLAUCO: Sem dúvida alguma, eles o matariam.
SÓCRATES: E agora, meu caro Glauco, é preciso aplicar exatamente essa
alegoria ao que dissemos anteriormente. Devemos assimilar o mundo que
apreendemos pela vista à estada na prisão. a luz do fogo que ilumina a caverna
à ação do sol. Quanto à subida e à contemplação do que há no alto, considera
que se trata da ascensão da alma até o lugar inteligível, e não te enganarás
sobre minha esperança, já que desejas conhecê-la. Deus sabe se há alguma
possibilidade de que ela seja fundada sobre a verdade. Em todo o caso eis o que
me aparece tal como me aparece; nos últimos limites do mundo inteligível
aparece-me a idéia do Bem, que se percebe com dificuldade, mas que não se pode
ver sem concluir que ela é a causa de tudo o que há de reto e de belo. No mundo
visível, ela gera a luz e o senhor da luz. no mundo inteligível ela própria é a
soberana que dispensa a verdade e a inteligência. Acrescento que é preciso
vê-Ia se quer comportar-se com sabedoria, seja na vida privada. seja na vida
pública.
GLAUCO: Tanto quanto sou capaz de compreender-te, concordo contigo.
ATIVIDADE
1. Como Platão representa a
realidade na Alegoria da Caverna?
2. Como se dá o processo de
libertação do prisioneiro? Por que o prisioneiro sofre ao ser libertado?
3. Qual a concepção de
conhecimento que se encontra nesse texto?
4. Por que o prisioneiro, uma
vez tendo se libertado e se transforma no sábio, deve voltar à caverna?
5. O que ocorre na volta do
prisioneiro à caverna?
6. Qual o papel do filósofo
segundo a Alegoria da Caverna?
Prof. Manoelito
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