S1
FILOSOFIA 3ª SÉRIE 1º
BIMESTRE
O PRECONCEITO EM RELAÇÃO À FILOSOFIA
O objetivo do tema é desenvolver as competências e habilidades em relacionar informações, representadas de diferentes formas, e conhecimentos disponíveis em diferentes situações, para construir argumentação consistente; identificar situações de preconceito, particularmente em relação à Filosofia e aos filósofos; reconhecer a dimensão política desse preconceito e posicionar-se diante dele; ler, compreender e interpretar textos teóricos e filosóficos; expressar-se por escrito e oralmente de forma sistemática; elaborar hipóteses e questões com base nas leituras e nos debates realizados.
O Preconceito é um juízo pré-concebido,
que se manifesta numa atitude discriminatória, perante pessoas, crenças,
sentimentos e tendências de comportamento. É uma ideia formada antecipadamente
e que não tem fundamento sério.
Ideias
que as pessoas têm da Filosofia
Se fizermos uma rápida pesquisa com as
pessoas à nossa volta, indagando o que elas pensam da Filosofia, muito
provavelmente ouviremos opiniões diversas. Umas dirão, por exemplo, que a
Filosofia é algo muito difícil e que, por isso mesmo, só pode ser praticada por
pessoas de inteligência privilegiada, sendo inacessível aos “simples mortais”;
outras responderão que a Filosofia é coisa de gente doida, que vive no mundo da
Lua e que só se preocupa com assuntos abstratos, e que ela, a Filosofia, nada tem
a ver com a vida prática; outras, ainda, concordando com estas últimas,
emendarão que a Filosofia, por não ter uma aplicação prática imediata, não
serve para nada. Pode ser que alguém, remando contra toda essa maré de opiniões
pejorativas a respeito da Filosofia, arrisque-se a dizer que a considera uma
matéria linda, já que permite o contato com o pensamento dos filósofos,
expresso em frases de rara profundidade e beleza, ainda que, por vezes,
incompreensíveis; por fim, certamente haverá também aquelas que confessarão,
com algum sarcasmo ou menosprezo, não ter a menor ideia do que seja a
Filosofia. Todas essas opiniões, na realidade, são, pelo menos em certa medida,
expressão de um preconceito em relação à Filosofia. Por que preconceito?
Porque, em geral, são opiniões emitidas apressadamente, precipitadamente, sem a
preocupação de se examinar com o devido cuidado o assunto sobre o qual se está
opinando a fim de conhecê-lo melhor. Afinal, é justamente isso que caracteriza
o preconceito. Sempre que adotamos tal postura, corremos mais seriamente o
risco de nos enganar em nosso julgamento e até de cometer injustiças com as
pessoas.
Tales
de Mileto: o distraído
O preconceito e a hostilidade em relação à
Filosofia não são algo novo, recente, mas, ao contrário, remontam às origens da
Filosofia na Grécia Antiga. Talvez o registro mais antigo desse preconceito
seja aquele de que foi vítima Tales de Mileto, que viveu no século VII a.C. e é
considerado o primeiro filósofo da história. A respeito dele, contava-se a seguinte
anedota, bastante difundida na Grécia Antiga e recuperada por Platão em sua
obra Teeteto: Tales era tão interessado no estudo dos astros que costumava
caminhar olhando para o céu. Certo dia, absorto em seus pensamentos e
raciocínios, acabou tropeçando e caindo em um poço, sendo motivo de riso e
caçoada para uma escrava que ali se encontrava. Espalhou-se, então, o boato de
que Tales se preocupava mais com as coisas do céu, esquecendo-se das que
estavam debaixo de seus pés. “Essa pilhéria”, adverte Platão, “se aplica a
todos os que vivem para a Filosofia”. Essa imagem de um homem distraído e
trapalhão, porém, não parece condizer com a verdade sobre Tales, que, ao que
tudo indica, era uma pessoa bem esperta, viva e inteligente. É o que se
conclui, por exemplo, de outra anedota contada a respeito de sua sabedoria,
registrada por Aristóteles em sua obra A política: “Como o censuravam pela
pobreza e zombavam de sua inútil filosofia, o conhecimento dos astros
permitiu-lhe prever que haveria abundância de olivas. Tendo juntado todo o
dinheiro que podia, ele alugou, antes do fim do inverno, todas as prensas de
óleo de Mileto e de Quios. Conseguiu-as a bom preço, porque ninguém oferecera
melhor e ele dera algum adiantamento. Feita a colheita, muitas pessoas apareceram
ao mesmo tempo para conseguir as prensas e ele as alugou pelo preço que quis.
Tendo ganhado muito dinheiro, mostrou a seus amigos que para os filósofos era
muito fácil enriquecer, mas que eles não se importavam com isso. Foi assim que
mostrou sua sabedoria.” Na verdade, Tales deve ter gozado de grande prestígio
em sua época. Tanto que passou para a posteridade como um dos sete sábios da
Grécia: na política, empenhou-se em organizar as cidades gregas da Jônia para
enfrentar a ameaça dos persas; como engenheiro, quis desviar o curso de alguns
rios para fins de navegação e irrigação; como pesquisador, investigou as causas
das inundações do rio Nilo, rompendo com as explicações míticas que se davam
para elas; como astrônomo, previu um eclipse solar e descobriu a constelação
denominada Ursa Menor; como matemático e geômetra, teria descoberto um método
para medir a altura de uma pirâmide do Egito, do qual teria derivado o famoso
“teorema de Tales”.
Além disso, não podemos esquecer que Tales
foi, segundo Aristóteles, o primeiro a dar uma resposta racional, isto é, sem
recorrer aos mitos, para a pergunta que mais incomodava os filósofos chamados
pré-socráticos ou filósofos físicos: Qual era o elemento primordial que dava
origem a todas as coisas? Para Tales esse elemento era a água, por ela estar
presente nos alimentos necessários à vida, pelo fato de as coisas vivas serem
úmidas, enquanto as mortas ressecam, e porque a Terra repousa sobre as águas. Daí
sua conclusão de que ela deve ter sido o elemento primordial. A hipótese que
associa todos os seres a uma única matriz (substância primária), a água, é uma
hipótese que poderia ser considerada corriqueira, mas significou uma revolução
intelectual. Ao afirmar que, apesar da diversidade entre os seres, apresentamos
um elemento em comum, e que tal elemento é natural (no caso a água), Tales e
outros filósofos jônicos superaram a necessidade de uma explicação mitológica
acerca da existência das coisas do mundo. Tales, assim como Anaxímenes (ar como
elemento primordial) e Anaximandro (ápeiron – matéria infinita da qual todas as
coisas se separam como elemento primordial) estabeleceram um critério, um
modelo de compreensão que pode ser empregado para todos os seres, homens,
natureza e deuses. Dessa forma, Tales, Anaximandro e Anaxímenes implantaram um
novo modo de reflexão. “Da origem do mundo, de sua composição, de sua ordem,
dos fenômenos meteorológicos, propõem explicações livres de toda a imaginária
dramática das teogonias e cosmogonias antigas. [...] Nada existe que não seja
natureza, physis. Os homens, a divindade, o mundo formam um universo unificado,
homogêneo, todo ele no mesmo plano”5. Vemos, portanto, que Tales, ao contrário
do que sugere a primeira anedota, não tinha nada de lunático, distraído e
desligado dos problemas concretos. Eis por que a tal anedota revela, de fato,
um preconceito, isto é, um conceito precipitado e desprovido de fundamentação.
Sócrates:
aquele que vive nas nuvens
Outra célebre vítima do preconceito e da
intolerância contra a Filosofia foi Sócrates. E neste caso as consequências
foram muito mais sérias, visto que o levaram à morte. Na realidade, não há uma
imagem única de Sócrates. Isso porque todas as informações que temos dele nos
chegaram por testemunhos indiretos, já que ele mesmo nada escreveu. Assim,
enquanto seus amigos, admiradores e discípulos, como Xenofonte e Platão, o viam
como sábio, patriota, respeitador das leis e da religião, piedoso, justo,
valoroso como guerreiro nas batalhas etc., seus críticos o retratavam como uma
pessoa esquisita, deslocada, excêntrica, charlatã, corruptora de jovens e
ímpia. Entre todos os críticos da figura de Sócrates destacamos Aristófanes,
dramaturgo grego, conservador e satírico que escreveu As nuvens, comédia que
ridicularizava a figura de Sócrates. Neste texto, aparece um Sócrates “se
movendo livremente, proclamando que caminhava no ar e dizendo uma plêiade de
outras tolices” das quais não entende nada. É um Sócrates mestre dos sofistas,
isto é, charlatão, enganador e que ensinava às pessoas a arte desse engano.
Aliás, essa imagem dos sofistas também era, em boa medida, preconceituosa. Na
peça de Aristófanes, ele surge em cena empoleirado em uma cesta suspensa no ar,
significando que ele vivia nas alturas, preocupado com questões de cosmologia e
de astronomia (movimento dos astros, origem do universo etc.), ou com assuntos
sem a menor relevância, como a medida do pulo de uma pulga, ou se o zumbido de
um mosquito é produzido por sua tromba ou seu traseiro, ficando totalmente
alheio aos problemas realmente importantes da vida dos cidadãos de Atenas. A
certa altura, um dos discípulos conta que, certa vez, “uma lagartixa atrapalhou
uma indagação transcendental” de Sócrates. Isso aconteceu, segundo o relato,
quando ele “observava a Lua para estudar o curso e as evoluções dela, no
momento em que ele olhava de boca aberta para o céu, do alto do teto uma
lagartixa noturna, dessas pintadas, defecou na boca dele”. Essa imagem
depreciativa e até cômica de Sócrates provavelmente revela a ideia que a
maioria das pessoas tinha a respeito dele e dos filósofos em geral. No entanto,
é uma imagem bastante distorcida. Na realidade, Sócrates e os sofistas
inauguraram um novo período na história da Filosofia em que a reflexão
filosófica se deslocou da cosmologia e da física (princípio que dá origem a
todas as coisas) para as questões relativas à vida concreta na cidade (pólis),
isto é, à política, à ética, ao conhecimento. Entre os temas abordados por
Sócrates, podemos elencar a justiça, a beleza, a coragem, o amor, a educação,
entre outros. Convém destacar que o que mais chamava atenção, para além do tema
em debate, era a forma como o filósofo abordava o assunto. Além disso, no que
se refere aos sofistas, Sócrates tinha, certamente, muito mais diferenças e
mesmo divergências com eles do que semelhanças. Enquanto os sofistas se
apresentavam como sábios, isto é, pessoas entendidas em diversos assuntos,
especialmente na técnica da retórica, Sócrates dizia: “Sei que nada sei”;
enquanto os sofistas cobravam pelos ensinamentos que ministravam, Sócrates
condenava essa prática e filosofava com as pessoas gratuitamente na praça
(ágora) de Atenas; enquanto os sofistas eram céticos em relação à possibilidade
de se conhecer a verdade universal, Sócrates a perseguia incansavelmente;
enquanto os sofistas contentavam-se com a opinião (doxa), Sócrates exigia o
saber verdadeiro (episteme). A respeito dos sofistas, diz Sócrates ironicamente
por ocasião de seu julgamento: “Cada um desses homens [...] é capaz de
dirigir-se a qualquer cidade e persuadir os jovens, os quais podem se associar,
segundo queiram, com qualquer de seus concidadãos sem pagar, a deixar a
companhia dessa pessoa para se juntarem a ele, remunerá-lo e, além disso, mostrar-lhe
gratidão”. Vemos, assim, que a imagem de Sócrates traçada por Aristófanes,
procurando retratá-lo como alguém que anda nas nuvens, preocupado com assuntos
alheios ao cotidiano das pessoas e identificado com os sofistas, não
corresponde à verdade sobre ele. Ao contrário, baseia-se em um preconceito, a
exemplo do que ocorrera com a anedota sobre Tales. É interessante observar que
em seu julgamento Sócrates fez menção à comédia de Aristófanes (As nuvens) como
um dos fatores que provocaram as acusações contra ele.
A
morte de Sócrates
De acordo com Platão, as acusações contra
Sócrates foram: “Sócrates é réu por empenhar-se com excesso de zelo, de maneira
supérflua e indiscreta, na investigação de coisas sob a terra e nos céus,
fortalecendo o argumento mais fraco e ensinando essas mesmas coisas a outros”.
“Sócrates é réu porque corrompe a juventude e descrê dos deuses do Estado,
crendo em outras divindades novas”. Levado a julgamento, foi condenado à morte.
Como e por que isso ocorreu? Tudo começou quando Sócrates tomou conhecimento de
que o oráculo do templo de Delfos, dedicado ao deus Apolo, havia proclamado que
ele era o homem mais sábio de Atenas. Não se considerando como tal, mas, ao
mesmo tempo, não podendo duvidar da palavra do deus, decidiu investigar o
significado de tal revelação. Procurou, então, aqueles cidadãos mais ilustres
de Atenas e que eram tidos como os mais sábios da cidade. Eles pertenciam a
três categorias sociais: os políticos, os poetas (autores de tragédias, como
Aristófanes – embora mais conhecido por suas comédias –, e de ditirambos –
cantos religiosos em homenagem ao deus Dionísio) e os artesãos. Interrogando
esses cidadãos (por meio de seu método dialético), constatou que, na realidade,
nada sabiam dos assuntos em que eram tidos como sábios. Ao término da conversa
com cada uma dessas pessoas, Sócrates concluía: “Sou mais sábio do que esse
homem; nenhum de nós dois realmente conhece algo de admirável e bom, entretanto
ele julga que conhece algo quando não conhece, enquanto eu, como nada conheço,
não julgo tampouco que conheço. Portanto, é provável, de algum modo, que nessa
modesta medida seja eu mais sábio do que esse indivíduo – no fato de não julgar
que conheço o que não conheço.” Daí a famosa expressão atribuída a Sócrates:
“Tudo o que sei, é que nada sei”.
Acontece que Sócrates praticava esses
diálogos em praça pública, à vista de todos. Entre os presentes havia sempre
muitos jovens, filhos de famílias ricas, que dispunham de tempo livre e, por
isso, podiam acompanhá-lo nessas ocasiões. Eles se divertiam vendo Sócrates
“desbancar” os que se julgavam sábios e, mais tarde, punham-se a imitá-lo,
interrogando outras pessoas e descobrindo muitas que supunham saber o que de
fato não sabiam. Essas pessoas, que em geral eram gente importante e de
prestígio na cidade, sentindo-se constrangidas, tornavam-se furiosas não contra
esses jovens, mas contra aquele que consideravam responsável por tê-los
ensinado tal comportamento; e passavam a propagar: “Sócrates é o mais
pestilento dos indivíduos e está corrompendo a juventude”. Na verdade, quando
indagadas, tais pessoas não conseguiam provar tal acusação. Mas, para esconder
seu constrangimento, lançavam mão daquelas acusações que sempre são usadas
contra todo “filósofo, ou seja, que [ensina] ‘as coisas no ar e as coisas sob a
terra’ e ‘não crê nos deuses’, e ‘torna mais forte o argumento mais fraco’”.
Esta é a origem das “inimizades, a um tempo implacáveis e aflitivas”, do ódio,
das “calúnias” e das acusações contra Sócrates e que acabaram por levá-lo à
morte. No fundo, Sócrates foi condenado porque, na democracia ateniense, os
assuntos mais importantes da vida da cidade eram decididos em assembleias
(ekklesía) nas quais cada cidadão podia expressar livremente sua opinião a
favor ou contra uma determinada posição. Era, pois, um regime político
sustentado pela crença no valor das opiniões. Ora, o que Sócrates fazia com sua
dialética era justamente pôr em xeque as opiniões, mostrando que, muitas vezes,
elas refletiam um conhecimento falso sobre o assunto em questão. Assim, para as
pessoas importantes da cidade que costumavam discursar nessas assembleias, a
“má” influência de Sócrates, sobretudo sobre os jovens, representava uma ameaça
ao sistema democrático do qual se beneficiavam. Eis aí a natureza política da
condenação de Sócrates.
Após a leitura, respondam às seguintes questões:
1. Qual o objetivo do tema?
2. De acordo com Platão, quais foram as acusações contra Sócrates?
3. Sócrates levado a julgamento, foi condenado à morte. Como e por que isso ocorreu?
4. No fundo, qual foi o verdadeiro motivo para que Sócrates fosse condenado?
5. Explique porque Tales de Mileto foi vítima de preconceito.
6. Essa imagem de um homem distraído e trapalhão, porém, não parece condizer com a verdade sobre Tales, por quê? Explique.
7. Por que”, Tales de Mileto passou para a posteridade como um dos sete sábios da Grécia Antiga?
8. Como seus amigos, admiradores e discípulos, como Xenofonte e Platão, viam Sócrates?
9. Explique a comédia “As Nuvens” escrita por Aristófanes sobre Sócrates.
10. A imagem depreciativa e até cômica de Sócrates é uma imagem bastante distorcida. Por quê?
PROF. MANOELITO
BOA SORTE!!!!!!
S2 FILOSOFIA 3ª SÉRIE 1º BIMESTRE
A FILOSOFIA COMO ATIVIDADE REFLEXIVA E SUA IMPORTÂNCIA
PARA O EXERCÍCIO DA CIDADANIA
O
objetivo é desenvolver as competências e habilidades em relacionar informações,
representadas de diferentes formas, e conhecimentos disponíveis em diferentes
situações, para construir argumentação consistente; identificar a presença da
Filosofia no cotidiano; estabelecer a distinção entre o “filosofar” espontâneo
e o filosofar propriamente dito, típico dos filósofos especialistas; entender
que a Filosofia está intrinsecamente associada a uma atividade reflexiva; ler,
compreender e interpretar textos teóricos e filosóficos; expressar-se por
escrito e oralmente de forma sistemática; elaborar hipóteses e questões com
base nas leituras e nos debates realizados.
Para
isso, vamos destacar e problematizar uma das formas mais comuns de preconceito
contra a Filosofia, aquela que a considera como uma atividade intelectual muito
difícil e, por isso, acessível apenas a uma minoria de inteligência privilegiada.
A Filosofia é
Inútil ou Útil? Um
dos primeiros ensinamentos filosóficos é perguntar: o que é útil? Para que e
para quem algo é útil? O que é o inútil? Por que e para quem algo é inútil? O
senso comum de nossa sociedade considera útil o que dá prestígio, poder, fama e
riqueza. Julga o útil pelos resultados visíveis das coisas e das ações,
identificando utilidade e a famosa expressão "levar vantagem em
tudo". Desse ponto de vista, a filosofia é inteiramente inútil e defende o
direito de ser inútil.
Como os filósofos
definiam a filosofia?
Platão (428-347 a.C.)
definia a filosofia como um saber verdadeiro que deve ser usado em benefício
dos seres humanos.
René Descartes (1596-1650) dizia
que a filosofia é o estudo da sabedoria, conhecimento perfeito de todas as
coisas que os humanos podem alcançar para o uso da vida, a conservação da saúde
e a invenção das técnicas e das artes.
Espinosa (1632-1677)
afirmou que a filosofia é um caminho árduo e difícil, mas que pode ser
percorrido por todos, se desejarem a liberdade e a felicidade.
Immanuel Kant (1724-1804)
afirmou que a filosofia é o conhecimento que a razão adquire de si mesma para
saber o que pode conhecer e o que pode fazer, tendo como finalidade a
felicidade humana.
Karl Marx (1818-1883)
declarou que a filosofia havia passado muito tempo apenas contemplando o mundo
e que se tratava, agora, de conhecê-lo para transformá-lo, transformação que
traria justiça, abundância e felicidade para todos.
Maurice
Merleau-Ponty
(1908-1961) escreveu que a filosofia é um despertar para ver e mudar nosso
mundo.
Qual seria, então,
a utilidade da filosofia? Se abandonar a ingenuidade e os preconceitos do senso
comum for útil; se não se deixar guiar pela submissão às ideias dominantes e
aos poderes estabelecidos for útil; se buscar compreender a significação do
mundo, da cultura, da história for útil; se conhecer o sentido das criações
humanas nas artes, nas ciências e na política for útil; se dar a cada um de nós
e à nossa sociedade os meios para serem conscientes de si e de suas ações numa
prática que deseja a liberdade e a felicidade para todos for útil, então
podemos dizer que a filosofia é o mais útil de todos os saberes de que os seres
humanos são capazes.
Com
base nas contribuições de Antonio Gramsci, a ideia é mostrar que, em um certo
sentido, todos somos “filósofos”, pois todos somos capazes de refletir, pensar,
conhecer com algum grau de logicidade e sistematização, ainda que não o façamos
da mesma maneira que os filósofos profissionais.
Qual
a diferença entre o “filósofo” que todos somos e o filósofo especialista, essa
diferença não é para dizer que este último é melhor ou superior ao primeiro,
mas, ao contrário, para deixar claro que todos são potencialmente filósofos e
capazes de avançar na direção de um filosofar cada vez mais próximo daquele
praticado pelos filósofos especialistas.
Em
que sentido se pode afirmar que todos os homens são “filósofos”. Trata-se de
mostrar que, de certo modo, a Filosofia está presente em nosso cotidiano (na
linguagem, no senso comum, no bom senso, na religião, enfim, em todo o nosso sistema
de crenças e opiniões), influenciando nosso modo de agir e pensar, mesmo que
não tenhamos consciência disso.
O
desafio é despertar a consciência da sua potencialidade e que seja desenvolvida
e atualizada, esse desenvolvimento é essencial para a formação do aluno como
cidadãos críticos e conscientes de sua condição de sujeitos da história e que o
estudo da Filosofia na escola pode ajudá-los a atingir esse objetivo. Daí a
importância de se dedicar ao estudo da Filosofia com afinco.
A
obra Cadernos do cárcere, de Antonio Gramsci, é a principal referência.
Inicialmente, vamos demonstrar que a Filosofia, de certo modo, está presente em
diversas instâncias do senso comum (na linguagem, no bom senso, na religião
etc.), ainda que a maioria das pessoas não se dê conta disso. Tal fato é
importante para demonstrar que, na realidade, a Filosofia não está assim tão
distante das pessoas como comumente se imagina. Uma vez constatado isso, será
preciso esclarecer que, a despeito de certa familiaridade que, de algum modo,
todos temos com a Filosofia, há uma clara distinção entre o “filósofo” que
todos somos e o filósofo especialista ou profissional. Essa distinção, no
entanto, não visa a estabelecer barreiras entre esses dois níveis do filosofar,
mas, ao contrário, apontar caminhos para que o “filosofar” espontâneo, comum a
todos os homens, avance cada vez mais na direção de um filosofar mais parecido
com o dos filósofos especialistas. E a escola pode contribuir para isso na
medida em que possibilita o contato dos alunos com o pensamento dos filósofos.
A
formação etimológica da palavra Filosofia é composta por dois termos:
"filo", que deriva de philía, ou seja, amizade, e "Sofia",
palavra derivada de Sophia, que significa sabedoria. Em resumo, Philosophia
quer dizer amizade pela sabedoria, amor pelo saber. A filosofia significa amor
pelo saber. O filósofo então é aquele que se reconhece como ignorante (não
sábio), mas que, ao mesmo tempo, anseia pelo saber (Sofia) e, nesse sentido, se
distingue do philodoxo (amante da opinião).
Todos os homens são “filósofos”
Antônio
Gramsci, um filósofo italiano do século passado, já alertava para a necessidade
de se combater o preconceito muito difundido de que a Filosofia é uma atividade
intelectual muito difícil e, por isso, restrita a uma minoria de inteligência
supostamente privilegiada. Isso porque, para ele, em um certo sentido, “todos
os homens são ‘filósofos’”, pois, de algum modo, todas as pessoas, sem
distinção, independentemente de seu grau de escolaridade, lidam, convivem,
trabalham com a Filosofia e a utilizam no seu dia a dia, mesmo que não se apercebam
disso. Afinal, a Filosofia está presente “na linguagem, no senso comum, no bom
senso, na religião”, enfim, “em todo sistema de crenças, superstições,
opiniões, modos de ser e agir” que caracteriza o que convencionalmente se
denomina de “folclore” e do qual todos participam. A Filosofia está presente
na linguagem porque esta não é pura e simplesmente um amontoado de “palavras
gramaticalmente vazias de conteúdo”. Ao contrário, ela é um “conjunto de noções
e conceitos determinados”, muitos dos quais derivados da Filosofia, como vimos
nas frases apresentadas. Portanto, a Filosofia está presente na linguagem que
utilizamos, mesmo que não tenhamos consciência disso. Daí por que, para
Gramsci: “Linguagem significa também cultura e Filosofia (ainda que no nível do
senso comum)”. O senso comum é o conjunto de valores, crenças, opiniões,
preferências, que constitui a nossa visão de mundo e que orienta nossas ações e
escolhas cotidianas. Em geral é assimilado acriticamente, sem qualquer
questionamento. A exemplo do que acontece com a linguagem, muitos desses
valores e crenças têm origem na Filosofia, mas nós os assimilamos
espontaneamente, sem nos darmos conta de sua origem. Simplesmente pensamos e
vivemos de uma determinada maneira, acreditamos em certo grupo de valores,
defendemos alguma posição política, ideológica ou religiosa, e assim por
diante, sem, no entanto, nos preocuparmos em fundamentar nossas opiniões. Ao
contrário, contentamo-nos com argumentos superficiais, muitas vezes até
inconsistentes ou contraditórios. O “bom senso”, por sua vez, “coincide com a
Filosofia”. Enquanto o senso comum é acrítico, espontâneo, irrefletido, o bom
senso implica refletir, tomar consciência de que os acontecimentos possuem uma
dimensão racional e que, portanto, devem ser compreendidos e enfrentados também
de forma racional, a fim de se obter uma orientação consciente para a ação,
evitando se deixar levar por “impulsos instintivos e violentos”. Esse “bom
senso” é o que Gramsci chamou de “núcleo sadio do senso comum”. Ou seja, mesmo
no nível do senso comum é possível refletir, pensar de maneira crítica sobre a
realidade, tomar consciência dela e agir de modo coerente com essa consciência.
E isso, de certo modo, já é “filosofar”, pelo menos um filosofar ao nível do
senso comum. De fato, não é raro vermos pessoas simples, às vezes com pouca ou
nenhuma escolaridade, que revelam um entendimento aguçado e bem elaborado da
realidade em que vivem. Finalmente, a Filosofia está presente na religião
porque também na experiência religiosa nos deparamos com questões e conceitos
(Deus, alma, morte etc.) que foram e continuam sendo objeto da reflexão e da
elaboração dos filósofos. Portanto, se a Filosofia está contida na linguagem,
no senso comum, no bom senso e na religião, podemos dizer então que ela está
presente em todas as dimensões da vida humana, sendo, portanto, familiar a
todas as pessoas. Afinal, toda atividade humana, mesmo aquelas que são
predominantemente práticas (as diversas formas de trabalho manual, por
exemplo), é sempre acompanhada de um pensar, de um saber, em suma, de um
trabalho intelectual, racional, reflexivo. É nesse sentido que podemos afirmar
que “todos os homens são ‘filósofos’”.
Filósofos e “filósofos”
Se
“todos os homens são ‘filósofos’”, como quer Gramsci, qual é, então, a
diferença entre o filosofar de uma pessoa comum e o de um filósofo profissional
ou especialista? O próprio autor esclarece: “O filósofo profissional ou técnico
não só ‘pensa’ com maior rigor lógico, com maior coerência, com maior espírito
de sistema do que os outros homens, mas conhece toda a história do pensamento,
isto é, sabe as razões do desenvolvimento que o pensamento sofreu até ele e
está em condições de retomar os problemas a partir do ponto em que eles se
encontram após terem sofrido a mais alta tentativa de solução etc. Ele tem, no
campo do pensamento, a mesma função que nos diversos campos científicos têm os
especialistas”1. Trocando em miúdos, podemos dizer que o filósofo especialista:
pensa, reflete, raciocina observando mais cuidadosamente as regras da lógica e
os procedimentos metodológicos que utiliza; conhece a história do pensamento,
isto é, a história da Filosofia; é capaz de analisar os problemas de seu tempo
à luz da contribuição dos filósofos do passado que já se debruçaram sobre eles.
Mas se existe essa diferença entre o filósofo especialista e o não
especialista, por que então afirmar que “todos os homens são ‘filósofos’”?
Justamente para combater e destruir aquele preconceito de que a Filosofia é uma
atividade muito difícil e restrita a uma minoria. É importante perceber que a
propagação desse preconceito cumpre uma função política conservadora, na medida
em que afasta a Filosofia do contato com as massas, com o povo, com as pessoas
mais simples. Dessa forma, impedidas de se apropriar dos conceitos e das
teorias elaboradas pelos filósofos, as pessoas ficam desprovidas dessas
ferramentas intelectuais que lhes permitiriam superar mais facilmente o senso
comum e adquirir um conhecimento mais crítico e elaborado da realidade em que
vivem. Além disso, cabe afirmar que todos os homens são “filósofos” para deixar
claro que todas as pessoas são potencialmente capazes de avançar de um
“filosofar” espontâneo, assistemático, restrito ao bom senso, para um filosofar
mais elaborado e rigoroso, semelhante ao praticado pelos filósofos
especialistas.
É
preciso destruir o preconceito, muito difundido, de que a filosofia é algo
muito difícil pelo fato de ser a atividade intelectual própria de uma
determinada categoria de cientistas especializados ou de filósofos
profissionais e sistemáticos. É preciso, portanto, demonstrar, preliminarmente,
que todos os homens são “filósofos”, definindo os limites e as características
dessa “filosofia espontânea” peculiar a “todo mundo”, isto é, da filosofia que
está contida: 1) na própria linguagem, que é um conjunto de noções e de
conceitos determinados e não, simplesmente, de palavras gramaticalmente vazias
de conteúdo; 2) no senso comum e no bom senso; 3) na religião popular e,
consequentemente, em todo o sistema de crenças, superstições, opiniões, modos
de ser e de agir que se manifestam naquilo que se conhece geralmente por
“folclore”.
O que é, afinal, a Filosofia? (a
perspectiva socrático-platônica)
Comecemos
pela origem da palavra. Filosofia vem do grego (philo = amigo ou amante +
sophia = saber, sabedoria) e significa amor ou amizade pelo saber. Quem ama
sente-se carente do objeto amado e, por isso, vai à sua procura. No caso do
filósofo, como o objeto de seu desejo é o saber, o conhecimento, é este que ele
busca. Para explicar o sentido dessa atitude de busca do saber, própria da
Filosofia, Platão, em sua obra O banquete, recria, pela boca de Sócrates, o
mito do nascimento do Amor. Quando nasceu Afrodite, conta Sócrates, os deuses
deram um banquete para celebrar a ocasião. Entre eles, encontrava-se também
Recurso, filho de Prudência. Quando o jantar terminou, Pobreza chegou e
postou-se à porta para esmolar. Recurso havia se embriagado e, dirigindo-se ao
jardim de Zeus, adormeceu. Pobreza, aproveitando-se da situação, deitou-se ao
seu lado e concebeu o Amor. Assim, gerado no dia do nascimento de Afrodite,
Amor tornou-se seu companheiro e servo e, ao mesmo tempo, amante do belo, pois
Afrodite é bela. Por ser filho de
Pobreza e Recurso, ele é, por parte de mãe, “sempre pobre”, carente e padecedor
de muitas necessidades; por parte de pai, porém, “está sempre conspirando
contra o justo e o bom; é corajoso, empreendedor, forte, um poderoso caçador,
sempre tecendo intrigas, ávido de sabedoria, fértil em recursos, um filósofo de
todos os tempos, terrível mago, feiticeiro, sofista”. Por essa sua natureza
dividida, Amor está no meio entre a sabedoria e a ignorância. A sabedoria é a
condição daquele que já possui o saber e, por isso, não sente necessidade de
buscá-lo. É o caso dos deuses. Por isso os deuses não filosofam. Os ignorantes,
por sua vez, embora nada saibam, julgam saber o suficiente e, por isso, não
anseiam por saber mais. Logo, também não filosofam. Quem então filosofa?
pergunta Sócrates. Aqueles que estão entre esses dois extremos: a sabedoria e a
ignorância. Um deles é o Amor.
“A
sabedoria é uma das coisas mais belas, e o Amor é amor pelo belo; por isso, o
Amor é também um filósofo ou amante da sabedoria, e ser um amante da sabedoria
é estar entre o sábio e o ignorante. E a causa dessa sua condição é a sua
origem: pois seu pai é rico e sábio, e sua mãe, pobre e tola.” Mas o saber que
o filósofo almeja não é de um tipo qualquer. Não é, por exemplo, aquele do
senso comum que se expressa apenas como opinião e ao qual os gregos antigos
denominavam doxa. O saber buscado pelo filósofo é sophia, isto é, um saber bem
fundamentado, amparado em demonstrações racionais consistentes e passível de
ser considerado verdadeiro, independentemente das opiniões particulares. O
mesmo tipo de saber buscado por Sócrates por meio de seu método dialético. Não
fosse assim, o termo philosopho (amante do saber) deveria ser substituído por
philodoxo (amante da opinião).
A Filosofia como reflexão
Vimos
que etimologicamente a palavra filosofia significa busca do conhecimento
verdadeiro, ou seja, busca da verdade. A forma pela qual a Filosofia realiza
essa busca da verdade é por meio da reflexão. Mas o que é refletir? Como nos
lembra o professor Dermeval Saviani: “se toda reflexão é pensamento, nem todo
pensamento é reflexão”. O pensamento é um ato corriqueiro, singelo, espontâneo,
que realizamos descompromissadamente a todo instante, até mesmo sem perceber. A
reflexão, por sua vez, é uma atitude mais consciente, mais comprometida, que
implica pensar mais profundamente sobre um determinado assunto, repensá-lo,
problematizá-lo, submetendo-o à dúvida, à crítica, à análise, buscando seu
verdadeiro significado. Assim, o pensamento pode ser reflexivo ou não. Acontece
que nem toda reflexão é filosófica. Segundo Saviani, para isso ela precisa
satisfazer, ao mesmo tempo, a pelo menos três exigências: - ser radical, isto
é, analisar em profundidade o problema em questão, buscando chegar às suas
raízes, aos seus fundamentos; - ser rigorosa, ou seja, proceder com coerência,
de forma sistemática, segundo um método bem definido para propiciar conclusões
válidas e bem fundamentadas; - e ser de conjunto, isto é, tomar o objeto em
questão não de forma isolada e abstrata, mas em uma perspectiva de totalidade,
ou seja, levando em consideração os diversos fatores que, em um dado contexto,
o determinam e condicionam. Além disso, vale lembrar que filosofar implica
questionar o senso comum. Para tanto, é preciso utilizar certos conceitos e
teorias necessários para a compreensão mais aprofundada dos temas e problemas
sobre os quais se vai refletir. Ora, como estes conceitos e teorias estão
contidos nas obras dos filósofos, é importante estudar tais obras, não para
memorizar mecanicamente, mas para compreendê-las e, com base nesta compreensão,
questionar o senso comum e transformar nossas representações primeiras sobre
diferentes temas da vida cotidiana, da vida em sociedade. Mas, ao entrarmos em
contato com a obra de um filósofo, não apreendemos apenas os conceitos por ele
desenvolvidos. Apreendemos também o seu jeito de pensar, de raciocinar, de
argumentar, de organizar as ideias, enfim, o seu “estilo reflexivo”, o que
também nos ajuda a melhorar cada vez mais nosso próprio jeito de pensar. É
dessa forma, estudando o pensamento dos filósofos e nos exercitando mais e mais
na prática da reflexão, que nos tornamos cada vez mais filósofos.
A
Filosofia é uma “reflexão (radical, rigorosa e de conjunto) sobre os problemas
que a realidade apresenta”. (SAVIANI,
Dermeval).
Para que serve a Filosofia? Qual é sua
utilidade?
Para
responder a essas perguntas precisamos antes fazer algumas outras: O que
entendemos por útil? Quem nos dá os critérios com base nos quais consideramos
algumas coisas úteis e outras inúteis? Conhecemos de fato esses critérios?
Paramos para pensar sobre eles? Tomamos conscientemente a decisão de
aceitá-los? Por que perguntamos sobre a utilidade de certas coisas e não de
outras? Haveria pessoas ou grupos interessados em mostrar algumas coisas como
úteis e outras como inúteis? Quando dizemos que, para nós, uma determinada
coisa não serve para nada, estamos expressando um conhecimento efetivo sobre
essa coisa ou, na verdade, apenas reproduzimos a “opinião” geral ou uma visão
hegemônica a respeito dela? Estamos agindo com autonomia e liberdade?
Poderíamos formular ainda inúmeros outros questionamentos derivados daquele
inicialmente apresentado. E, ao fazê-lo, já estaríamos nos situando dentro da
Filosofia, isto é, já estaríamos, em um certo sentido, filosofando. Afinal,
filosofar é, também, não aceitar como verdadeira qualquer ideia sem antes
submetê-la à dúvida, à investigação, à reflexão crítica e rigorosa. Ora, isso
significa que, para demonstrar com consistência a utilidade ou inutilidade da
Filosofia, ou de qualquer outra coisa, já teríamos que filosofar.
[...] é preferível ‘pensar’ sem disto ter
consciência crítica, de uma maneira desagregada e ocasional, isto é,
‘particular’ de uma concepção do mundo ‘imposta’ mecanicamente pelo ambiente
exterior, ou seja, por um dos vários grupos sociais nos quais todos estão
automaticamente envolvidos desde sua entrada no mundo consciente [...] ou é
preferível elaborar a própria concepção do mundo de uma maneira crítica e
consciente e, portanto, em ligação com este trabalho próprio do cérebro,
escolher a própria esfera de atividade, participar ativamente na produção da
história do mundo, ser o guia de si mesmo e não aceitar do exterior, passiva e
servilmente, a marca da própria personalidade?
“Os
verdadeiros filósofos são ‘amadores do espetáculo da verdade’.” (PLATÃO. A
República).
“Mas
àquele que deseja prontamente provar de todas as ciências e se atira ao estudo
com prazer e sem se saciar, a esse chamaremos com justiça filósofo [...].” (PLATÃO.
A República).
Após a leitura dos textos, respondam as seguintes questões:
1. Qual o objetivo do tema?
2. Para você a filosofia é inútil ou útil? Por quê?
3. Por que Antonio Gramsci, um filósofo italiano do século passado, já alertava para a necessidade de se combater o preconceito com relação à filosofia?
4. Em que sentido podemos afirmar que “todos os homens são ‘filósofos’”.
5. Por que, segundo Gramsci, a filosofia está presente na linguagem?
6. O que é senso comum, bom senso e porque Gramsci chamou o bom senso de “núcleo sadio do senso comum? Explique.
7. Se “todos os homens são ‘filósofos’”, como quer Gramsci, qual é, então, a diferença entre o filosofar de uma pessoa comum e o de um filósofo profissional ou especialista?
8. Qual a origem da palavra Filosofia? Explique.
9. O que fez Platão para explicar o sentido dessa atitude de busca do saber, própria da Filosofia?
10. Explique resumidamente o mito do nascimento do Amor.
11. Explique o que é pensamento e o que é reflexão segundo Dermeval Saviani.
12. Segundo Saviani, o pensamento para ser reflexivo precisa satisfazer, ao mesmo tempo, ao menos, três exigências. Quais são?
Prof.
Manoelito
Boa
Sorte!!!!!!!
S3 FILOSOFIA 3ª SÉRIE 1º BIMESTRE
A
CONDIÇÃO ANIMAL COMO PONTO INICIAL NO PROCESSO DE COMPREENSÃO SOBRE O HOMEM
O objetivo é refletir sobre a importância dos
seres humanos admitirem sua condição de animal dotado de um corpo que o
aproxima e o distingue dos demais seres do planeta. Admitir essa aproximação e
essa distinção requer esforço típico da reflexão filosófica, indubitavelmente
necessária para a formação ética e para a construção da convivência humana
solidária. Afinal, uma das perguntas centrais da Filosofia é: Quem somos
nós, seres humanos? E ainda: Qual é a nossa condição de transformar o
mundo em que vivemos em um lugar melhor? Iniciaremos a reflexão proposta
por aquilo que nosso olhar constata de imediato quando mira um ser humano e a
si mesmo, ou seja, começaremos pela evidência de que temos um corpo. E esse
corpo nos remete, antes de tudo, ao lugar dos animais. As primeiras perguntas em
nossa reflexão filosófica são: Que espécie de animal nós somos? O que
nos caracteriza? O que nos marca como animais da espécie humana?
Somos um corpo, somos o nosso corpo, a Filosofia
sempre se esforçou para evidenciar as diferenças entre homens e os demais seres
da natureza, é importante um esforço reflexivo, típico da Filosofia, para compreendermos
o que aproxima os homens dos demais animais. Por meio desse esforço, podemos
identificar características bastante presentes na humanidade mas merecem ser
consideradas com cuidado na perspectiva de se criar convivências pacíficas e
solidárias.
Em geral, a Filosofia e as ciências contam
com uma vasta literatura que aborda a importância de se distinguir o ser humano
dos demais seres da natureza. Já no século XVII, e com mais vigor a partir do
século XIX, as ciências se afirmaram como conhecimento capaz de, não apenas demonstrar
a superioridade humana na natureza, mas de conceber a necessidade de dominar
essa mesma natureza, construindo a ideia de que não somos apenas diferentes,
mas superiores aos outros seres.
Essa consciência pode ter impulsionado todas
as maravilhas técnicas e científicas que a humanidade edificou. Mas responde também
pela ilusão de que somos capazes de intervir e controlar a natureza sem
consequências desastrosas para nós mesmos e para todo o planeta.
Uma ideia importante é considerarmos a
perspectiva de não nos vermos como seres distintos e superiores, mas distintos
e ocupantes de um mesmo contexto material, natural; distintos e responsáveis
justamente por sermos seres de consciência, capazes de prever consequências, assumir
equívocos e de rever metas contemplando a preservação da própria vida e a de outros
seres.
Descartes e Pascal nos oferecem dois
textos interessantes para inspirar essa consciência sobre nossa inserção em uma
natureza material assim como a todos os seres que nos cercam. Ambos foram escritos
no século XVII.
Texto 1. DESCARTES, René – Meditações.
Texto
2. PASCAL, Blaise - O homem perante a natureza.
Se um texto (Descartes) traz a visão de
conflito do homem consigo mesmo, o outro (Pascal) traz a ideia de nossa
limitação diante da natureza. Duas condições básicas da existência humana que
precisam ser corajosa e filosoficamente enfrentadas para a compreensão do ser humano.
Qualquer projeto com vista à preservação da natureza, e com esta à preservação
da humanidade, requer conscientização sobre nossos limites e nossas
necessidades como seres corpóreos que até o presente momento nada sabem sobre
seu início, seu fim e que continuam a destruir-se mutuamente.
Quais argumentos se aproximam, isto é, nos
fazem pensar ideias semelhantes ou iguais? Os dois autores trazem a ideia de
que nossa natureza contempla a existência de um corpo com o qual sofremos e nos
relacionamos com os demais seres da natureza.
Quais são os argumentos diferentes? O que nos
permite dizer que existem diferenças entre os dois textos?A grande diferença
está no fato de que Pascal acrescentou, em sua argumentação, a ideia de que,
com a consciência de nosso corpo, deparamo-nos com a consciência de que nada somos
no conjunto da natureza.
Quais são as consequências de termos um
corpo humano? As consequências associadas ao fato de termos um corpo são
prazerosas, e dolorosas também. Ter um corpo exige alimentá-lo, a fome é um
processo doloroso, e vivemos uma sensação de prazer quando saciamos a fome. Da
mesma forma, várias outras necessidades de nosso corpo implicam dor e prazer. A
saúde é uma exigência para o bem-estar de nosso corpo. A satisfação sexual e o
desejo de reprodução desafios impostos pelo nosso corpo também. Movidos por
esse desafio de satisfação de nossa sexualidade, procuramos parceiros nos quais
confiar e com quem compartilhar amorosamente.
Quais desafios o fato de ter um corpo me
traz? O fato de termos um corpo nos traz ainda o desafio de compartilhar
espaços, o que vem se tornando cada vez mais complexo, sobretudo nos grandes
centros urbanos. O fato de termos um corpo, em qualquer contexto cultural,
implica para nós necessidades em termos de espaço, em primeiro lugar. Em
segundo lugar, nosso corpo exige soluções em termos de saúde que incluem
garantir alimentação e moradia adequadas para todos os habitantes do planeta.
Como a nossa sociedade atual vem
resolvendo os desafios impostos pelo fato de sermos um corpo com possibilidades
e limites? Nossa sociedade, quer seja em termos de Brasil, quer seja do planeta
Terra, ainda enfrenta o dilema de atender a todos da melhor maneira possível.
Continentes como a África representam enorme desafio para a busca de soluções
em termos de moradia, educação e saúde.
Tecnológica e cientificamente, muito já
foi feito em termos de habitarmos desertos ou de superarmos situações adversas
do clima, porém muito há por se fazer na direção de garantir condições materiais
para que os seres humanos superem extremas carências relativas à saúde e à
ocupação de espaços urbanos com dignidade.
A partir da leitura dos textos, comente os
seguintes argumentos:
- A afirmação enfática de que somos um corpo;
- A imagem de que a natureza me ensina que convivo com outros corpos;
- A ideia de que fujo de alguns e de outros me aproximo;
- A ideia de que não vemos, não compreendemos nossos extremos: nem fim, nem princípio;
- A ideia de que somos nada em relação ao infinito, porém somos tudo em relação ao nada.
Prof.
Manoelito!!!!!!!!
S4 FILOSFIA 3ª SÉRIE 1º BIMESTRE
A
LINGUAGEM E A LÍNGUA COMO CARACTERÍSTICAS QUE IDENTIFICAM A ESPÉCIE HUMANA
O objetivo e refletir sobre a condição dos
seres humanos e suas características fundamentais. Linguagem é palavra
associada aos processos de comunicação entre os seres. Compreendida em um
sentido amplo, está presente nas práticas realizadas por todos os animais, incluindo
gestos, movimentos, sinais de diversas naturezas, cores, sons; não é, portanto,
um processo exclusivamente associado aos seres humanos. Aristóteles, em seu
livro A política, anunciou essa especificidade humana afirmando que todos os
animais têm vozes, mas somente o homem tem palavra.
O processo de pensamento é um fenômeno
permitido pela palavra. Ainda que não expresso, que não dito, um pensamento é
produzido com a articulação de palavras. As palavras articulam-se no contexto de
uma língua. Por isto é possível afirmar que não existe pensamento sem a base,
sem o suporte de uma língua.
A
língua e os saberes coletivos
A língua, por sua vez, tem seus suportes.
A língua falada tem como base física os sons, ou seja, a vibração do ar, e a
língua escrita tem sua base na imagem, quer dizer, em um desenho no espaço. Ela
também tem uma base física no animal que fala. A língua falada depende de um
aparelho fonético bastante sofisticado, e a língua escrita depende de uma mão igualmente
sofisticada. Há, ainda, a linguagem de sinais, que tem como base os gestos decorrentes
de uma linguagem natural. Todas apresentam características exclusivas da nossa espécie.
As línguas falada, escrita e de sinais têm
uma base cultural, pois são, indissociavelmente, ligadas a uma forma de vida,
uma cultura determinada. Ao mesmo tempo que a cultura é gerada pela língua, ela
também gera a língua.
Ao nomear, classificar, categorizar,
registrar suas experiências vitais, os seres humanos criam palavras e sintaxes
articuladoras de palavras ao contarem histórias de modos particulares de vida.
A língua é o “saber coletivo” fundamental de
um povo, de uma nação, de uma cultura. É fundamental porque, com a língua, os
grupos humanos fundam sua identidade, por meio das palavras que organizam e
nomeiam suas atividades para sobrevivência, suas crenças, seus valores, suas
artes. Assim como é verdadeira a afirmação de que existem comunicações sem
palavras, é verdadeira a impossibilidade de constituição de um agrupamento
humano, seja uma tribo, uma cidade ou um país, sem a edificação de saberes
coletivos que são planejados, registrados – ainda que na memória da tradição
oral – e comunicados pela língua de geração em geração. A língua é o saber coletivo
mais bem repartido de um povo ou comunidade. Além disso, é um saber em contínua
transformação e crescimento. Todos nós aprendemos a língua constantemente e
todos nós ensinamos a língua constantemente.
A língua de um povo, portanto, é um
instrumento valioso para a sua identidade. Ela é a espinha dorsal de uma
sociedade ou cultura. E é por isso que os antropólogos, quando se deparam com
uma nação tribal em risco, imediatamente chamam os linguistas para fixarem a
língua em uma escrita, na tentativa de não deixá-la morrer.
A
língua como criadora de realidades
Outra característica importante do ser
humano que é permitida pela linguagem pode ser encontrada na capacidade de sair
do presente e da presença do que é visto para lançar-se ao passado, ao futuro e
a mundos nunca visitados.
Aliadas à faculdade da memória, a língua e
a linguagem nos trazem registros do passado; e aliadas à nossa capacidade
imaginativa, nos projetam para o futuro. Passado e futuro só existem por causa
da linguagem e da palavra.
A característica virtual da linguagem e da
língua permite essa fuga para lugares não existentes. Tal virtualidade permite,
ainda, que pensemos em objetos que não estão presentes e sobre experiências que
não são nossas. Com a linguagem e a língua, representamos o mundo, imaginamos
outras formas de viver e elaboramos saberes coletivos que herdamos e transmitimos
para gerações que nos sucedem.
Para a reflexão sobre o papel da língua,
faça o seguinte: mantenham os olhos fechados durante 30 segundos que eu vou ler
um pequeno trecho: “Eram quatro apenas: um velho, dois homens feitos e uma
criança, na frente dos quais, rugiam raivosamente 5 mil soldados”.
ü Como
era o velho? Ele usava chapéu?
ü Como
eram os dois homens feitos?
ü E
a criança, era menino ou menina?
ü E
os 5 mil soldados? Eram soldados da polícia? Do Exército? De que época?
ü Onde
a cena imaginada se passou? Na cidade, no campo? Fazia calor? Fazia frio?
ü Alguém
se perguntou por que 5 mil soldados para enfrentar quatro pessoas?
ü Alguém
interpretou em que circunstâncias esse fato teria ocorrido?
ü Alguém
ficou com pena daquelas quatro pessoas?
ü Alguém
ficou indignado com a desproporção entre as quatro pessoas e os 5 mil soldados?
A linguagem é isto: um processo que
permite a criação de fatos na mente das pessoas. Permite a criação de imagens,
de ideias, de acontecimentos, de emoções, de julgamentos e, até mesmo, de todos
esses aspectos simultaneamente, seja na reflexão que cada um de nós faz consigo
mesmo, seja no ato da expressão e comunicação entre diferentes indivíduos, em
sociedade.
A
Filosofia como o cuidado com as criações da palavra
Até o momento, vimos que o homem é um ser
de linguagem assim como os outros animais, mas que em sua linguagem há uma especificidade
que o distingue e que se chama “palavra”. A palavra relaciona-se ao pensamento,
criando-o e sendo criada por ele.
Vimos que as palavras se articulam na
língua de forma a descrever e nomear as coisas do mundo, mas não somente isso.
A língua é um processo bastante complexo, associado às ações humanas, ao que os
seres humanos fazem para sobreviver, mas, sobretudo, é um processo que permite
a construção de significados ou de saberes coletivos como a ciência, a
religião, a técnica, a tecnologia, a arte.
Vimos que linguagem e língua permitem, ainda,
que o ser humano ocupe um lugar imaginário, escapando do mundo tal como se
mostra.
A Filosofia também resulta da capacidade humana
de criar a língua e é criada por essa capacidade reciprocamente.
- Qual é a diferença entre língua e linguagem?
- Por que é possível afirmar que a grande distinção entre os homens e os demais animais é a língua e não a linguagem?
- Quais são as experiências dos seres humanos cuja realização só é possível por meio da língua, da palavra?
- Por que é possível dizer que a palavra – a língua – cria realidades, cria mundos que não existem?
- Dê exemplos de experiências nas quais vocês puderam se comunicar sem o uso de palavras.
Prof. Manoelito!!!!!!!!!!
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