quarta-feira, 19 de junho de 2013

Platão e a justa desigualdade: o mito dos nascidos da terra

Platão também se vale de uma “mentira”, ou, mais precisamente, de uma fábula, para explicar a desigualdade de classes da sociedade ateniense. Trata-se, porém, para ele, de uma “mentira genuína”, visto que é “necessária” e útil à conservação da cidade.
Atenas, no tempo de Platão (século V a.C.), era uma cidade-Estado com significativas desigualdades sociais. Afinal, embora se tratasse de uma democracia direta, era também uma democracia escravista, na qual o direito à cidadania restringia-se a cerca de 10% da população, isto é, aos nascidos na cidade, do sexo masculino, adultos e livres. Estavam, portanto, excluídos os escravos, os estrangeiros, os menores de 18 anos e as mulheres.
Havia três classes fundamentais na organização da sociedade ateniense em termos das atribuições na polis: a dos magistrados, minoritária, formada pelos governantes, encarregados de elaborar as leis e fazê-las cumprir; a dos artífices ou classe econômica, mais numerosa, representada pelos trabalhadores em geral (artesãos, lavradores, comerciantes etc.) livres ou escravizados, responsáveis pelo provimento dos bens necessários à sobrevivência dos cidadãos; e a dos guerreiros, encarregados da defesa da cidade.
Para Platão, essa desigualdade de classes não é necessariamente um problema, desde que cada cidadão seja encaminhado para a função que está em conformidade com a sua natureza. Isso porque, para ele, cada um nasce mais preparado para exercer um determinado tipo de atividade. A cidade justa é aquela que se organiza pela justa medida, isto é, aquela em que cada um ocupa o lugar designado pela sua natureza. Nas palavras de Platão, a cidade é “justa pelo fato de que cada uma das três ordens (classes) que a constituem cumpre sua função”, ou seja: “É justo que aquele que, por natureza, é sapateiro fabrique sapatos e nada mais faça, que o construtor construa e, quanto aos outros, também seja assim.” Se isso for assegurado, reinará a harmonia e a prosperidade.
Para melhor explicar e justificar essa posição, Platão se vale de uma fábula, ou melhor, de uma “mentira, única e genuína”, daquelas que se fazem “necessárias” uma vez que servem à conservação da cidade. Trata-se do mito dos nascidos da terra, segundo o qual os gregos, tanto eles quanto suas armas, teriam sido modelados e criados no interior da terra e esta, como sua mãe, os teria dado à luz. Por isso, eles devem cuidar do lugar onde vivem como um filho cuida de sua mãe, defendê-la dos inimigos e tratarem-se mutuamente como irmãos. E a narrativa prossegue:
“Todos vós que estais na cidade sois irmãos, [...] mas ao plasmar-vos, o deus, no momento da geração, em todos os que eram capazes de comandar misturou ouro, e por isso são valiosos, e em todos os que eram auxiliares daqueles misturou prata, mas ferro e bronze nos agricultores e outros artesãos. Já que todos vós sois da mesma estirpe, no mais das vezes geraríeis filhos muito semelhantes a vós mesmos, mas, às vezes, do ouro seria gerado um filho de prata e, da prata, um de ouro, e assim com todas as combinações de um metal com outro. Aos chefes, como exigência primeira e maior, ordenou o deus que de nada mais fossem tão bons guardiões quanto de sua prole, nem nada guardassem com tanto rigor, procurando saber que mistura havia na alma deles e que, se um filho tivesse dentro de si um pouco de bronze ou de ferro, de forma alguma se compadecesse dele, mas que o relegasse, atribuindo-lhe o valor adequado à natureza, ao grupo dos artífices e agricultores. Mas, em compensação, se um deles tivesse em si um pouco de ouro ou prata, reconhecendo-lhe o valor, fizesse que uns ascendessem à função de guardião e outros à de auxiliares, porque havia um oráculo que previa que a cidade pereceria quando um guardião de ferro ou bronze estivesse em função.”
Embora se trate de uma “mentira”, como reconhece Platão, esta fábula seria útil para que os magistrados “cuidassem mais da cidade e do relacionamento entre uns e outros,” mostrando-lhes que possuem alma de ouro e que, portanto, não precisam almejar possuir ouro em metal (riqueza material), pois a maior riqueza está dentro deles e esta não perece e não lhes pode ser tomada. Assim a cidade seria governada por pessoas que não teriam motivo para praticar a corrupção, favorecendo a justiça. 1 PLATÃO. A República. São Paulo, Martins Fontes, 2006.
Leia atentamente o texto apresentado e responda:
1.     Como se caracterizava a democracia ateniense.
2.     Quais eram as três classes fundamentais de Atenas e que função cabia a cada uma?
3.     Reconte em poucas palavras o mito dos nascidos da terra.
4.     Em que sentido esse mito é uma mentira “necessária”? Que papel ela cumpre na sociedade ateniense segundo Platão?

Platão e a teoria da alma
A noção que Platão tem de justiça é reforçada pela sua teoria da alma. Para ele, assim como na cidade há três classes distintas, também a alma humana possui três partes, cada uma encarregada de uma função específica:
1. Parte concupiscente ou apetitiva: concupiscência é sinônimo de “cobiça de bens materiais”, desejo de “prazeres sensuais”. Situada no baixo-ventre (entre o diafragma e o umbigo), é a parte da alma responsável pela busca da bebida, da comida, do sexo, dos prazeres, enfim, de tudo quanto é necessário à conservação do corpo e à reprodução da espécie. É irracional e mortal.
2. Parte colérica ou irascível: irascível é quem se irrita ou se enraivece com facilidade. Localizada no peito, acima do diafragma, sua função é defender o corpo contra tudo o que possa ameaçar sua segurança. Também é irracional e mortal.
3. Parte racional: é a função superior da alma, o traço divino que há em nós. Situada na cabeça, é responsável pelo conhecimento. Apenas essa parte é imortal.
O homem virtuoso é aquele em que cada parte da alma realiza na medida justa (sem falta nem excesso) a função que lhe cabe, sob a regência da parte racional. Cabe, portanto, à parte racional dominar as outras duas. O domínio da razão sobre a concupiscência resulta na virtude da temperança (moderação); o domínio da razão sobre a cólera produz a virtude da coragem ou da prudência. A virtude própria da parte racional é o conhecimento. Por outro lado, o homem vicioso é aquele em que as partes da alma não conseguem realizar suas funções próprias, ou as realizam desmensuradamente, o que ocorre quando a parte racional perde o comando sobre as outras duas. Nesse caso, instaura-se a desordem, o conflito, a violência contra si e os demais.
Ora, o que vale para o homem individualmente vale também, de certo modo, para a cidade e as três classes sociais nela existentes. Na classe econômica, predomina a parte concupiscente da alma. Daí ela estar sempre voltada para a obtenção de riquezas e prazeres. Assim, se essa classe assumir o governo, a cidade será mergulhada em sérios problemas econômicos, aprofundando as desigualdades. Na classe dos guerreiros, predomina a parte colérica, razão pela qual apreciam os combates e a fama. Se governarem, a cidade viverá em constante estado de guerra, tanto interna quanto externamente, gerando insegurança e instabilidade. Finalmente, na classe dos magistrados, predomina a parte racional da alma, o que lhe favorece conhecer a ciência da política e, desse modo, governar as outras duas classes e em conformidade com a justiça.
Em suma, assim como o homem justo é aquele em que a razão governa a cólera e a concupiscência, assim também na cidade, para haver justiça, é preciso que os magistrados governem as demais classes, dedicando-se estas às funções que lhes são próprias. Caberá à educação preparar os indivíduos de cada classe para o exercício da função e da virtude a ela correspondentes. Assim, a classe econômica deve ser educada para a frugalidade e a temperança; a classe militar, para a coragem, e a classe dos magistrados, para a prudência.
O resultado dessa combinação será uma quarta e principal virtude: a justiça. Assim, a cidade justa é aquela em que cada classe cumpre harmoniosamente o papel que lhe cabe: o magistrado governa, o soldado defende e a classe econômica provê a subsistência dos cidadãos, tudo na mais perfeita harmonia. Desse modo, cada um exercendo a função correspondente às inclinações de sua alma, às características de sua natureza, todos concorrerão para a realização da justiça.
Eis, portanto, como Platão legitima e justifica a desigualdade entre as classes, apresentado-a como expressão da justiça e instrumento para a realização do bem comum.

1. O que são, para Platão, o homem virtuoso e o homem vicioso?
2. Como Platão articula sua teoria da alma humana com as três classes sociais da sociedade ateniense de seu tempo?
3. Qual é o conceito de justiça defendido por Platão? Você concorda com ele? Justifique.
4. Que papel Platão atribui à educação na promoção da justiça? Você concorda? Justifique.

 Os escravos e as mulheres na visão de Platão em A República
Se Platão não vê problemas na existência de classes sociais, resta saber o que ele pensa a respeito da escravidão e do papel das mulheres na sociedade. No que se refere à escravidão, era costume entre os povos antigos que, nas guerras, os vencedores escravizassem os vencidos. Esse suposto direito fundamentava-se na ideia de que, a princípio, o vencedor poderia matar o vencido, o qual, porém, poderia preservar a vida ao preço de sua liberdade.
Platão, ao que parece, não se opõe inteiramente a esse costume. No entanto, recomenda que se aplique apenas aos inimigos estrangeiros e não aos gregos. Vale lembrar que as cidades gregas frequentemente entravam em conflito entre si. Com relação ao papel das mulheres, considerando que na sociedade grega antiga elas nem sequer eram cidadãs, Platão surpreende defendendo a ideia de que, no caso das mulheres dos magistrados ou guardiões, as que se mostrassem capazes poderiam exercer as mesmas funções e receber a mesma educação.
Mas como isso seria possível se homem e mulher têm naturezas diferentes e se o próprio Platão afirmara que a cidade justa é aquela em que cada um exerce a atividade para a qual está apto por natureza? Nesse sentido, homem e mulher não poderiam exercer uma mesma atividade.

A posição de Platão acerca da escravidão e do papel da mulher
Na realidade, diz Platão, as diferenças entre homens e mulheres são apenas acidentais n(como o fato de a mulher dar à luz e o homem procriar) e não por natureza. Portanto, ambos podem ocupar-se das mesmas funções. Nas palavras do autor: “Ah! Meu amigo, entre as ocupações da administração da cidade, nenhuma cabe à mulher porque ela é mulher, nem ao homem porque ele é homem, mas as qualidades naturais estão igualmente disseminadas nos dois sexos e, por natureza, a mulher participa de todas ocupações e de todas também o homem, mas em todas elas a mulher é mais fraca que o homem.”2
Se homem e mulher podem desempenhar funções idênticas, é natural que recebam então a mesma educação: “Então, para que uma mulher se torne guardiã, não haverá entre nós uma educação para os homens e outra para as mulheres, principalmente porque ela irá cuidar de uma mesma natureza.”3
Mais adiante, no livro VII, ao descrever como deve ser a educação do governante da cidade, Platão reitera pela boca de Sócrates: “Não penses que o que eu disse cabe mais aos homens que às mulheres, a quantas delas por natureza forem competentes.”4
A ideia de que a mulher é mais fraca do que o homem, expressa ao final da citação apresentada, absolutamente dispensável e inaceitável aos nossos olhos contemporâneos, revela os limites do pensamento de Platão, particularmente com relação ao papel da mulher. Afinal, como qualquer pessoa, ele também está, em grande medida, condicionado pelos valores dominantes de sua época. Tal condicionamento, porém, não anula o caráter relativamente avançado e inovador de suas posições a esse respeito, comparativamente a esses mesmos valores.
Você sabia que existe uma lei no Brasil (Lei no 9 504/97, art. 10, parágrafo 3o) que obriga os partidos políticos a reservarem no mínimo 30% das vagas de suas candidaturas para mulheres? O que você pensa a respeito disso?
Como dizia Platão, “entre as ocupações da administração da cidade, nenhuma cabe à mulher porque ela é mulher, nem ao homem porque ele é homem, mas as qualidades naturais estão igualmente disseminadas nos dois sexos e, por natureza, a mulher participa de todas as ocupações e de todas também o homem” (PLATÃO, 2006. p. 184 [455e]).

1 - Por que na sociedade brasileira a participação das mulheres na política ainda é tão pequena? Escreva suas conclusões e comentários.



A desigualdade segundo Rousseau

Desigualdade natural e desigualdade social
Em que consiste a diferença entre algo estabelecido por convenção e algo determinado pela natureza? Dê exemplos.
Em 1753, a Academia de Dijon, na França, lançou um concurso no qual os interessados deveriam discorrer sobre a seguinte questão: "Qual é a origem da desigualdade entre os homens e se é autorizada pela lei natural?". Jean-Jacques Rousseau já havia vencido anteriormente um concurso semelhante, proposto pela mesma academia, sobre o tema "Se o progresso das ciências e das artes contribuiu para corromper ou apurar os costumes". Resolve, então, participar de novo, escrevendo seu Discurso sobre a origem da desigualdade entre os homens. Vejamos como, nesse texto, o autor explica o surgimento da desigualdade social.
Inicia distinguindo dois tipos de desigualdade: uma instituída pela natureza e outra produzida pelos homens. Deixemos, porém, que o próprio autor, em sua obra, explique mais claramente a diferença entre elas: 
"Concebo na espécie humana duas espécies de desigualdade: uma, que chamo de natural ou física, porque é estabelecida pela natureza, e que consiste na diferença das idades, da saúde, das forças do corpo e das qualidades do espírito, ou da alma: a outra, que se pode chamar de desigualdade moral ou política, porque depende de uma espécie de convenção, e que é estabelecida ou, pelo menos, autorizada pelo consentimento dos homens. Consiste esta nos diferentes privilégios de que gozam alguns com prejuízo dos outros, como ser mais ricos, mais honrados, mais poderosos do que os outros, ou mesmo fazerem-se obedecer por eles."
No caso da desigualdade natural, diz Rousseau, não e necessário perguntar sobre sua causa porque "a resposta se encontraria enunciada na simples definição da palavra": ela decorre da natureza. Por isso, o autor vai se dedicar a investigar as origens da desigualdade que ele chama de "moral ou política", isto é, da desigualdade social, procurando compreender o processo pelo qual ela foi gradualmente instituída pelos homens, desde os tempos mais remotos, até chegar ao estado em que se encontrava à época em que ele vivia (Europa do século XVIII).
Quanto ao método que adota para empreender tal investigação, esclarece que utilizará "raciocínios hipotéticos e condicionais" de modo que suas conclusões não devem ser tomadas como "verdades históricas". Também não levará em consideração as explicações dadas pela religião, segundo as quais a desigualdade resultaria da vontade de Deus, preferindo deixar de lado os dogmas da fé e, fazendo uso apenas da razão, "formar conjecturas, tiradas somente da natureza do homem e dos seres que o rodeiam". Esclarece, ainda, que não se preocupará em estudar o homem desde a sua origem, naquilo que poderia ser o "primeiro embrião da espécie", para entender como por meio de sucessivos desenvolvimentos ele chegou a ser o que é atualmente. Diz o autor:
"[...] não me deterei a rebuscar no sistema animal o que teria podido ser no começo para se tornar enfim o que é. Não examinarei, como o supõe Aristóteles, se suas unhas alongadas não foram primeiro garras aduncas; se não era peludo como um urso: e se, ao andar de quatro patas, o seu olhar dirigido para a terra e limitado a um horizonte de alguns passos não marcaria ao mesmo tempo o caráter e o limite de suas ideias."
Na realidade, Rousseau opta por não recorrer aos conhecimentos disponíveis já naquela época sobre as possíveis mudanças na conformação física e na anatomia do homem, por se tratar de assunto sobre o qual ele apenas poderia formular "conjecturas vagas e quase imaginárias". Em vez disso, prefere supor que o homem sempre foi constituído, em todas as épocas, como ele é hoje: "andando com dois pés, servindo-se de suas mãos como fazemos com as nossas, dirigindo o seu olhar para toda a natureza e medindo com os olhos a vasta extensão do céu". Vale lembrar que Rousseau não conheceu a teoria da evolução, de Darwin, que somente surgiria no século XIX.

1 - Rousseau concebe na espécie humana duas espécies de desigualdade. Quais são? Explique-as.

O homem no estado de natureza.
Ao descrever esse homem, Rousseau apresenta suas características físicas e morais. Em ambos os casos, o homem primitivo era melhor que o homem civilizado. Rousseau distingue, também, duas características inatas e inerentes à natureza humana: a perfectibilidade e a piedade. A primeira é a capacidade do homem para se aperfeiçoar, o que constitui um dos atributos a diferenciá-lo dos animais. Além disso, a perfectibilidade é a grande responsável por retirar o homem do estudo de natureza, permitindo que se instaurasse a desordem e a guerra. A segunda consiste na "repugnância inata de ver sofrer o seu semelhante". Dessa ideia de piedade inata decorre a tese do bom selvagem atribuída a Rousseau. O autor faz a distinção entre "amor de si" (inato e voltado para a preservação da vida) e "amor-próprio" socialmente adquirido, e origem de muitos males por entender que ela pode inspirar a reflexão critica sobre os valores que predominam na sociedade atual.

Segundo Rousseau (Discurso sobre a origem da desigualdade entre os homens), antes de existir no estado social, isto é, de viver em sociedade, o homem existia no estado de natureza.
Do ponto de vista físico, esse homem primitivo, embora fosse menos forte e ágil em certos aspectos do que muitos animais, no conjunto, levava vantagens sobre todos eles; a terra, naturalmente fértil e coberta de florestas imensas "que o machado jamais mutilou",  lhe permitia satisfazer todas as suas necessidades naturais (alimentação, reprodução, abrigo etc.) sem grandes dificuldades; acostumado desde a infância às intempéries da natureza, à intensidade das estações, à fadiga, a defender de mãos vazias e nu a si mesmo e à sua prole de animais ferozes ou deles escapar correndo, valendo-se para isso apenas de seu próprio corpo, mostrava-se fisicamente robusto e ágil muito mais do que qualquer homem poderia ser nos tempos atuais; graças à sua robustez, praticamente não conhecia doenças, exceto os ferimentos naturalmente decorrentes da velhice: visto que a preservação de sua vida era praticamente sua única preocupação, era natural que os sentidos mais desenvolvidos fossem aqueles mais diretamente voltados para esse objetivo (subjugar a presa ou escapar de tornar-se uma) como a vista, a audição e o olfato, ao passo que o tato e o paladar podiam permanecer rudes. Em suma, a exemplo do que ocorre com os animais que, uma vez domesticados, perdem força, vigor e coragem, também o homem, no estado de natureza, é muito melhor fisicamente do que no estado social.
Do ponto de vista moral, ao contrário dos animais que se limitam a seguir as regras prescritas pela natureza, o homem se constitui como agente livre", podendo escolher ou rejeitar essas regras. Assim, enquanto "um pombo morre de fome perto de unia vasilha cheia das melhores carnes, e um gato sobre uma porção de frutas ou de grãos, embora ambos pudessem nutrir-se com os alimentos que desdenham, se procurassem experimentá-los, o homem, dotado de vontade, é capaz, não apenas de diversificar seus alimentos, como também de continuar a comer quando sua necessidade natural já foi satisfeita, ainda que isso lhe cause prejuízo à saúde.
É justamente essa sua condição de agente livre, e a consciência que possui dessa liberdade, uma das diferenças entre o homem e os animais, segundo Rousseau.
"A natureza manda em todo animal, e a besta obedece. O homem experimenta a mesma impressão, mas se reconhece livre de aquiescer ou de resistir: e é, sobretudo na consciência dessa liberdade que se mostra a espiritualidade de sua alma".
Outra característica distintiva do ser humano e a sua perfectibilidade, isto é, sua "faculdade de se aperfeiçoar". Ao contrário do animal, que "é, no fim de alguns meses, o que será toda a vida, e sua espécie, ao cabo de mil anos, o que era no primeiro desses mil anos", o homem pode, com o auxílio das circunstâncias, desenvolver suas potencialidades, as quais se encontram tanto no indivíduo quanto na espécie. Infelizmente, diz Rousseau, é justamente essa capacidade distintiva e quase ilimitada do homem para aperfeiçoar-se a fonte de todos os seus males, uma vez que é ela a responsável por tirá-lo do estado de natureza no qual ele "passaria dias tranquilos e inocentes".
Quanto aos valores morais, Rousseau considera que, no estado de natureza, os homens não eram nem bons, nem maus, nem possuíam vícios ou virtudes, uma vez que não havia entre eles nenhum tipo de relação moral ou de deveres recíprocos. Na realidade, a única virtude natural que possuíam era a piedade, entendida como uma "repugnância inata de ver sofrer seu semelhante”. Decorre daí a ideia do bom selvagem, frequentemente associada à teoria de Rousseau. Dessa virtude natural é que resultam as virtudes sociais como a generosidade, a clemência, a humanidade, a benquerença e a comiseração.
Essa piedade natural do homem opõe-se ao seu amor-próprio, nele gerado pela razão e pela reflexão, típicas do estado de sociedade. É por causa da reflexão que o homem é capaz de pensar primeiro em si e, vendo sofrer um seu semelhante, dizer: "Morre, se queres: estou em segurança". E complementa Rousseau:
"Pode-se impunemente degolar o semelhante debaixo da janela: é só tapar os ouvidos e argumentar um pouco, para impedir que a natureza, revoltando-se nele. o identifique com aquele que se assassina. O homem selvagem não tem esse admirável talento, e, por falta de sabedoria e de razão, vemo-lo sempre entregar-se, aturdido, ao primeiro sentimento de humanidade".
A piedade é, pois, para Rousseau, um sentimento natural presente em todos os homens. Daí sua posição, de que o homem nasce bom e a sociedade o corrompe, ser contraria a de outros pensadores, como Hobbes, por exemplo.
"É ela que nos leva sem reflexão em socorro daqueles que vemos sofrer, é ela que, no estado de natureza, faz as vezes de lei, de costume e de virtude, com a vantagem de que ninguém é tentado a desobedecer à sua doce voz; é ela que impede todo selvagem robusto de arrebatar a uma criança fraca ou a um velho enfermo sua subsistência adquirida com sacrifício, se ele mesmo espera poder encontrar a sua alhures; é ela que, em vez desta máxima sublime de justiça raciocinada. Fazem a outrem o que queres que te façam, inspira a todos os homens esta outra máxima de bondade natural, bem menos perfeita, porém mais útil, talvez, do que a precedente: Faze o teu bem com o menor mal possível a outrem Esta era, em linhas gerais, segundo Rousseau, a situação em que vivia o homem no estado de natureza, no qual a desigualdade praticamente não existia.
Rousseau adverte que não se pode confundir amor-próprio com amor de si mesmo, são dois sentimentos muito distintos. "O amor de si mesmo é um sentimento natural que leva todo animal a velar por sua própria conservação, e que, dirigido no homem pela razão e modificado pela a virtude. O amor-próprio é apenas um sentimento relativo, factício e nascido na sociedade, que leva cada indivíduo a fazer mais caso de si do que de qualquer outro, que inspira aos homens todos os males que se fazem mutuamente, e que é a verdadeira fonte da honra". Uma vez estabelecida esta distinção, o autor esclarece que, no estado de natureza o amor-próprio não existe.

De acordo com a leitura do texto, responda as seguintes questões:

1 - Rousseau distingue duas características inatas e inerentes à natureza humana. Quais são? Explique-as;
2 - Como se caracteriza o homem no estado de natureza, segundo Rousseau, do ponto
de vista físico e moral?
3.         Qual é a diferença entre amor de si e amor-próprio segundo Rousseau? Qual des­sas formas de amor predomina na socieda­de atual? Comente.

A pro­priedade privada como origem da desigualda­de
Na Declaração Universal dos Direitos do Homem e do Cidadão, de 1789, a pro­priedade privada aparece como direito natural e associada ao princípio da igualdade entre os homens, associação esta que passará a se constit­uir em um dos pilares do liberalismo político. A lógica é mais ou menos a seguinte: todos os homens são iguais em direitos. O Estado existe para defender esses direitos. Ora, a propriedade é um direito natural. Portanto, o Estado existe para defender também o direito à propriedade. Como todos os homens são iguais em direitos e, portanto, também no direito à propriedade, a defesa da propriedade pelo Estado beneficia todos. Eis, portanto, a essência da teoria liberal do Estado, no que tange ao direito à proprieda­de. Vale lembrar, que a Declaração de 1789 é praticamente contemporânea a Rousseau (que morreu em 1778) e que seu pensamento certamente in­fluenciou sua elaboração.
O texto intitulado A propriedade privada como origem da desigualdade social visa a esclarecer a perspectiva de Rousseau acerca da origem da desigualdade, que ele localiza no surgimento da propriedade privada. Rompida a igualdade original, instaura-se a desordem e o estado de guerra, o qual se torna muito mais oneroso para os ricos que têm muito mais a perder que os pobres. Daí a instituição do Estado e das leis que, sobretudo durante o Antigo Regime, cumpriam a função de proteger os interesses dos ricos e impor entraves aos pobres.
A propriedade privada como origem da desigualdade social
Após ter demonstrado a quase inexistência da desigualdade no estado de natureza, Rousseau, ainda raciocinando hipoteticamente, passa a descrever como ela surge e se desenvolve ao longo da história, procurando demonstrar que o momento determinante para esse surgimento foi o da invenção da propriedade privada.
"O primeiro que, tendo cercado um terreno, se lembrou de dizer: 'Isto é meu', e encontrou pessoas bastante simples para acreditar, foi o verdadeiro fundador da sociedade civil. Quantos crimes, guerras, assassínios, misérias e horrores não teria poupado ao gênero humano aquele que, arrancando as estacas ou tapando os buracos, tivesse gritado aos seus semelhantes: 'Livrai-vos de escutar esse impostor; estareis perdidos se esquecerdes que os frutos são de todos, e a terra de ninguém!'".
Mas como a humanidade chegou a esse ponto? Segundo Rousseau, isso ocorreu graças a uma série de acasos que levaram a sucessivos progressos, ao aperfeiçoamento da razão humana e à deterioração da espécie, tornando mau  um ser que era naturalmente bom ao transformá-lo em ser social. Dentre os progressos obtidos, destacam-se: o aprimoramento das habilidades físicas, proporcionado pela necessidade de sobrevivência; a descoberta das armas naturais (galhos e pedras) e a criação de outras (arco-e-flecha, lanças etc.); a invenção da pesca; a percepção de certas relações (grande, pequeno, forte, rápido, lento, medroso, corajoso etc.), levando a certo nível de reflexão; a consciência da superioridade em relação aos animais, gerando o sentimento de orgulho; as primeiras associações com seus semelhantes para fins de defesa mútua; o desenvolvimento dos instrumentos de produção mais eficientes (machados de pedras cortantes); o aparecimento das famílias e de uma espécie de propriedade das habitações; o surgimento do amor conjugal e do amor paternal, fruto do hábito de viver junto; o estabelecimento da primeira diferença no modo de viver de cada sexo, até então inexistente: as mulheres tomando conta da cabana e os homens provendo a subsistência; o aprimoramento da linguagem; a formação das ideias de mérito e beleza, produzindo sentimentos de preferência; o surgimento do amor e do ciúme; o apareci¬mento do canto e da dança como formas de distração; o nascimento de sentimentos como a vaidade, a inveja, a vergonha e a vingança; a invenção da metalurgia e da agricultura.
Aos poucos, os mais fortes e habilidosos começaram a se destacar, aprofundando a desigualdade Assim, o homem, que antes era livre, passou a ser escravo de seus semelhantes e a ambição devoradora que se apossou dos homens passou a inspirar em todos eles uma "tendência a se prejudicarem mu­tuamente, uma inveja secreta tanto mais perigosa quanto, para dar o golpe com mais segurança, toma muitas vezes a máscara de benevolência".
Desse modo, conclui Rousseau, rompeu-se a igualdade do estado de natureza e instaurou-se "a pior desordem":
"[...] as usurpações dos ricos, os assaltos dos pobres, as paixões desenfreadas de todos, sufocando a piedade natural e a voz ainda mais fraca da justiça, tornaram os homens avarentos, ambiciosos e maus. [...] A sociedade nascente foi praça do mais horrível estado de guerra: o género humano, avilta­do e desolado, não podendo mais voltar atrás, nem renunciar às infelizes aquisições já obtidas, e não trabalhando senão para a sua vergonha pelo abuso das faculdades que o honram, se colocou também na véspera de sua ruína".
Estes são, pois, segundo Rousseau, os primeiros efeitos nocivos da instituição da propriedade. Instaurada a desigualdade e o "estado de guerra" entre os homens, os ricos precisavam criar me­canismos para legitimar e perpetuar sua condição. Sabiam muito bem. diz Rousseau, que suas usur­pações apoiavam-se em um "direito precário e abusivo" e que, tendo adquirido suas posses pelo uso da força, não poderiam reclamar caso estas lhes fossem tomadas da mesma maneira.
"Bem podiam dizer: 'Fui eu quem construiu este muro; ganhei este terreno com o meu trabalho'. E quem vos deu o material?' poder-se-ia responder-lhes – E em virtude de que pretendeis ser pagos á nossa custa por um trabalho que não vos impusemos? Ignorais que uma multidão de vossos irmãos pe­rece ou sofre da necessidade daquilo que tendes demais, e que precisaríeis de um consentimento expres­so e unânime do género humano para vos apropriardes de tudo que na subsistência comum vai além da vossa? Assim, munido pela necessidade, o rico concebeu uma forma de transformar em aliados seus adversários, inspirando-lhes máximas e criando instituições que servissem a seus propósitos.
"'Unamo-nos', - lhes disse, - 'para livrar da opressão os fracos, conter os ambiciosos e assegurar a cada um a posse do que lhe pertence: instituamos regulamentos de justiça e de paz, aos quais todos sejam obrigados a se conformar, que não façam acepção de pessoas e que de certo modo reparem os caprichos da fortuna, submetendo igualmente o poderoso e o fraco a deveres mútuos. Em uma pala­vra, em vez de voltar nossas forças contra nós mesmos, reunamo-las em um poder supremo que nos governe segundo leis sábias, que proteja e defenda todos os membros da associação, repila os inimigos comuns e nos mantenha em uma eterna concórdia'". Desse modo, "Todos correram para as suas ca­deias de ferro, acreditando assegurar a própria liberdade".' E complementa Rousseau:
"Tal foi ou deve ter sido a origem da sociedade e das leis, que deram novos entraves ao fraco e novas forças ao rico, destruíram sem remédio a liberdade natural, fixaram para sempre a lei da propriedade e da desigualdade, de uma astuta usurpação fizeram um direito irrevogável, e, para proveito de alguns ambicio­sos, sujeitaram para o futuro todo o género humano ao trabalho, á servidão e à miséria".
Em suma, pode-se concluir que, para Rousseau, a desigualdade, insignificante no estado de nature­za, institui-se por obra do próprio homem, pelo desenvolvimento de nossas faculdades e pelo progresso de nosso espírito, consolidando-se finalmente pelo estabelecimento da propriedade e das leis.
De acordo com o texto, respondam as seguintes questões:
1 - Quais foram, segundo Rousseau, os efeitos do surgimento da propriedade privada?
2 - Que papel cumprem, segundo o autor, as leis e o Estado com relação à propriedade?
3 - Comente o significado da frase: "todos correram para as suas cadeias de ferro acreditando assegurar a própria liberdade”.


Prof. Manoelito





terça-feira, 18 de junho de 2013

Dos mitos à cultura

Neste texto, vamos discutir o conceito de cultura, principalmente com base no livro A ideia de cultura, de Terry Eagleaton (Tradução Sandra Castello Branco. São Paulo: Ed. Unesp, 2005).
Para começar, responda a seguinte questão: Quem governa a sua vida, seus impulsos ou suas ideias?
Cultura versus Natureza
Quando falamos a palavra "cultura", podemos pensar em duas possibilidades. Uma na qual essa palavra é entendida como acúmulo de conhecimentos e outra na qual a palavra "cultura" é entendida como ação dos homens sobre a natureza por meio do trabalho.
O conceito de cultura é derivado da natureza, em especial do ato de cultivar uma lavoura. Por isso, a cultura tem seu início absolutamente material, passando, mais tarde, a ser entendida como atividade do espírito, principalmente como atividade dos homens urbanos, não mais do meio rural.
O individuo culto não é mais o lavrador, e sim o estudioso da cidade. Nessa concepção mais tradicional de cultura, ele aparece como relação do homem com a natureza, a cultura pertence ao mundo dos homens e é a sua forma de vencer os descaminhos e os sofrimentos causados pela natureza; a cultura está no mundo do espírito humano e deve, por seu turno, colonizar quem está próximo à natureza e distante do mundo intelectual.  
Liberdade e determinismo
Se retomarmos a questão inicial, temos aqui uma importante reflexão. Quem nos governa, a natureza ou nossas ideias? Nosso corpo ou nosso pensamento? Dessa maneira, a cultura pode significar o uso da liberdade, enquanto a natureza pode significar o determinismo biológico.
Ao imaginar, sonhar, planejar, escrever, trabalhar, conduzir, governar, rezar ou se divertir, o homem exerce sua liberdade, enfrente os sofrimentos causados pela natureza, prevê condições de alívio e consola-se diante do inevitável ou das suas derrotas. O homem percebe seu lugar de origem, sua identidade e, ao mesmo tempo, compreende que pode mudar ter suas raízes autotransportadas.
A natureza estaria apenas posta diante dos homens, exigindo deles não mais que uma vida animal, submetendo-os aos destinos dos que não pensam antes de agir, dos que não imaginam nem planejam uma vida mais significativa. A natureza impõe o corpo, a fome, impulso sexual, a necessidade de saciar a sede, a doença, o cansaço, o calor e o frio. Com a natureza, o destino do homem está traçado. Um destino nada significativo, assim como a vida e a morte de qualquer animal.
A cultura em transição com a natureza
Um dos atos culturais por excelência é a arte. Seria possível imaginá-la sem a natureza? Como pensar um quadro paisagístico sem a paisagem e sem o material como a tela e a tinta que se originam na natureza? Uma música sem paixão? Um marceneiro sem a madeira? Um escultor sem a pedra ou o metal? Segundo essa concepção, natureza e cultura estão em acordo recíproco.
Por isso, o homem não é fruto determinado de seu ambiente; ele é livre, mas é intimamente influenciado pela natureza. Voltando ao exemplo da arte, por mais livre que seja um pintor, ele estará, ao mesmo tempo, limitado e inspirado por seus instrumentos - o tipo de pelo animal de seu pincel, o tipo de pigmento de sua tinta, a paisagem, o objeto ou o corpo que quer representar. Limitado, porque talvez não consiga colocar na tela seus sentimentos mais profundos: inspirado, porque sabe que pode fazer algo cada vez mais belo, com base naquilo que a natureza lhe oferece, porque domina sua técnica, avança em seus limites, diz o que ainda não foi dito, ou reproduz o já expresso de seu próprio modo.
Assim, convém relativizar a ideia naturalista, que afirma ser a cultura uma expressão da natureza e sua determinação, o que devemos fazer também com o idealismo, pois as ideias estão associadas diretamente ao ambiente das pessoas. O fazer e o natural estão, portanto, indissociavelmente ligados.
A cultura é uma construção de si mesmo
Quando pensamos que a cultura constrói cada um de nós, o nosso eu, podemos supor uma divisão em nós: o eu inferior e o eu superior. Nessa relação, a natureza estaria no eu inferior, como desejo e paixão, e a cultura estaria no eu superior, como vontade e razão.
Desse modo, a natureza não estaria apenas em nosso corpo ou em nosso entorno. Ela está no mais íntimo de cada um de nós. Mesmo assim, a natureza não seria capaz de nos saciar, porque não poderíamos viver apenas de desejos e porque, se isso fosse possível, não precisaríamos de cultura. A cultura é uma necessidade física e subjetiva de cada um de nós.
Por essa ideia de cultura, podemos entender que somos capazes de nos inventar, já que estamos sempre nos fazendo. Assim, por exemplo, uma pessoa culta é aquela pessoa que inventou um ser para si.
Por exemplo, se alguém quiser ser roqueiro, o que deve fazer? No mínimo, deve aprender a escutar rock, conversar com quem entende do assunto, ler sobre ele, aprender a tocar algum instrumento. O indivíduo não nasceu roqueiro; ele se inventou, criou uma forma pessoal de ser. Do mesmo modo, qualquer um de nós pode se inventar. Caso não nos inventemos, estaremos determinados pelo mundo que nos rodeia. Podemos ser pessoas pacientes, agradáveis, chatas; enfim, tudo é questão de escolha e atividade cultural. Mas nem sempre se inventar é fácil. Somos uma espécie de planta que precisa ser cultivada por nós mesmos.
Cultura e Estado
Para discutir a relação entre cultura e Estado, é necessário sabermos o conceito de Estado: “Uma instituição organizada política, social e juridicamente, ocupa um território definido e, na maioria das vezes, sua lei maior é uma Constituição. É dirigido por um governo soberano, reconhecido interna e externamente, sendo responsável pela organização e pelo controle social, pois detém o monopólio legítimo do uso da força e da coerção”. (De Cicco e Gonzaga).
Além de nós e das influências que recebemos de outras pessoas, quem pode nos ajudar a nos inventar? Com certeza, não é partindo do nada que imaginamos o que queremos ser ou nos tornar. Por isso, precisamos da ajuda ou do exemplo dos outros. Por exemplo, se alguém quiser ser ator, necessitará de apoio para isso, desde o financeiro até o incentivo para o exercício da arte de representar.
Ora, o Estado brasileiro tem o dever de ajudar as pessoas a se formar como cidadãos, como repetimos exaustivamente. No entanto, a mera repetição dessa ideia, produz resultados infinitamente pequenos. É preciso considerar outros campos de atuação estatal que incluem, por exemplo, a regulamentação dos meios de comunicação, as políticas educacionais e os incentivos artísticos e culturais. Nessa concepção, a cultura é o que está entre a maquinaria do Estado e a sociedade civil, criando tensões e, ao mesmo tempo, produzindo unidades entre um e outro. Do ponto de vista do Estado, a cultura deve ser civilizadora, isto é, deve fazer com que as pessoas se tornem mais sociáveis.
Conceito de cultura
Em geral, podemos dizer que a cultura é a ação dos homens com ou sobre a natureza, por meio da objetivação da consciência (Hegel), pelo trabalho em sociedade (Marx), pela instituição de símbolos (Cassirer), por uma lei simbólica (Lévi-Strauss), por meio do contrato social (Rousseau), por meio da educação (Cícero). Em síntese, essa ação produz técnicas, valores, conhecimentos, ideias, religiões, artes e tudo o que circunscreve o mundo humano.
"[...] Efetivamente, é fácil ver que, entre as diferenças que distinguem os homens, muitas passam por naturais, quando são, unicamente, a obra do hábito e dos diversos gêneros de vida adotados pelos homens na sociedade. Assim, um temperamento robusto ou delicado, a força ou a fraqueza que disso dependem vêm muitas vezes mais da maneira dura ou efeminada pela qual foi educado do que da constituição primitiva dos corpos. Acontece o mesmo com as forças do espírito, e a educação não só estabelece diferença entre os espíritos cultivados e os que não o são, como aumenta a que se acha entre os primeiros à proporção da cultura: com efeito, quando um gigante e um anão marcham na mesma estrada, cada passo representa nova vantagem para o gigante. Ora, se, se comparar a diversidade prodigiosa do estado civil com a simplicidade e a uniformidade da vida animal e selvagem, em que todos se nutrem dos mesmos alimentos, vivem da mesma maneira e fazem exatamente as mesmas coisas, compreender-se-á quanto a diferença de homem para homem deve ser menor no estado de natureza do que no de sociedade; e quanto a desigualdade natural deve aumentar na espécie humana pela desigualdade de instituição. [...]"
Etnocentrismo, relativismo e alteridade
"Etnocentrismo é uma visão do mundo na qual o nosso próprio grupo é tomado como centro de tudo e todos os outros são pensados e sentidos por meio dos nossos valores, nossos modelos, nossas definições do que é a existência. No plano intelectual, pode ser visto como a dificuldade de pensarmos a diferença; no plano afetivo, como sentimentos de estranheza, medo, hostilidade etc. Perguntar sobre o que é etnocentrismo é, pois, indagar sobre um fenômeno em que se misturam tanto elementos intelectuais e racionais quanto elementos emocionais e afetivos. No etnocentrismo, esses dois planos do espírito humano - sentimento e pensamento -vão juntos compondo um fenômeno, não apenas fortemente arraigado na história das sociedades, como também facilmente encontrável no dia-a-dia das nossas vidas."
Comentário
Existem diversas culturas, já que existem diversas maneiras de agir e de interpretar o mundo, dando sentido às coisas. Essas culturas mantêm contato entre si, mas nem sempre esse contato é algo de que todos saem ganhando, porque muitas culturas se sentem superiores a outras, o que implica diversas maneiras de ver o mundo.
Quando um grupo se acha superior a outro, no sentido cultural, chamamos a isso etnocentrismo. Todas as vezes em que há uma ação etnocêntrica, deflagram-se várias formas de violência. Por causa do etnocentrismo, por exemplo, os europeus se sentiram superiores aos povos americanos e africanos, submetendo-os à escravidão e à pilhagem e impondo-Ihes sua cultura, em especial a religião. Além disso, internamente, cada país tem muitas culturas, havendo, também, várias religiões.
A principal área de conhecimento que estuda outras culturas chama-se Antropologia. Por ela, aprendemos não apenas o que é o etnocentrismo, mas a importância de pensar o outro como diferente de nós, como alguém que tem muito a ensinar e muito a aprender conosco. Para que isso ocorra e reduzam-se as tensões entre diferentes culturas, temos de dar o passo mais importante, na direção do relativismo. O que chamamos de relativismo é a ideia de que todos os valores são criados em meio ao processo cultural das sociedades. Por isso, todo julgamento que fazemos decorre de nossa cultura, e assim como cada um vê o outro de uma forma, nós também somos vistos e considerados com base em nossa própria cultura.
Diferença entre opinião e cultura. Opinião é uma fala pessoal, enquanto a cultura precede as opiniões e é partilhada por um grupo de pessoas.
Qual é a melhor cultura? É possível haver uma cultura melhor do que as outras? Para que fosse possível responder e apontar uma cultura superior, teríamos de assumir uma postura etnocêntrica.
Atualmente, é comum ouvir que algumas culturas são tecnologicamente mais desenvolvidas do que aquelas industrializadas e rurais, apontando-se as primeiras como melhores. No entanto, pode-se perguntar: o que é mais importante, ter tecnologia ou ter igualdade de fato?
Outro problema importante surge quando nós colocamos uma questão simples: como agir, em relação aos outros? A maneira mais recomendada é pela alteridade, isto é, pela valorização de tudo aquilo que é do outro e diferente de nós.
Leiam o texto e responda as seguintes questões:
1 – Como podemos pensar a palavra "cultura"?
2 - Explique o conceito de Cultura.
3 – Como o homem exerce sua liberdade?
4 – Segundo o texto, como estaria a natureza diante dos homens?
5 - Porque a cultura é uma construção de si mesmo?
6 - Em geral, o que podemos dizer que é a cultura?
7 – O que é etnocentrismo?
8 – O que é relativismo Cultural?





segunda-feira, 17 de junho de 2013

Alienação moral e o ser-para-outros - Jean Paul Sartre

Muitas pessoas sonham ou têm pesadelos onde aparecem sem roupa na rua, à frente de estranhos, Ficam aflitas e envergonhadas e só sentem alívio ao despertarem e perceberem que tudo não passou de um sonho. A partir disso, podemos pensar, filosoficamente, por que sentimos vergonha? Por que um bebê não sente vergonha de estar sem roupa?
Para Sartre, a vergonha vem do fato de que nós somos o que os outros nos revelam. Assim, no caso da vergonha, somos instituídos pela presença julgadora dos outros. Nós reconhecemos nossa existência a partir do significado que o outro nos atribui. Se me sinto envergonhado e acho que o que está acontecendo comigo é algo feio, é o outro que me revela nesse significado. Do mesmo modo, ao estar apaixonado, egoisticamente precisando ser amado, o outro me revela nessa necessidade.
Diferentemente do amor, que quer aprisionar o outro ao nosso lado, o ódio também revela quem somos. O ódio revela minha maldade, meu ser cruel, que despreza a liberdade do outro. Por isso, mesmo quem ri de nós nos institui. Enfim, cada um de nós experimenta a própria existência sob o olhar alheio.
Isso faz com que nossa relação com os outros seja tão íntima que precisamos assumir uma vida ética. Por mais que eu me considere de determinada maneira, sempre haverá quem nos mostra de modo diferente. Podemos até disfarçar, mas o ato de disfarçar já é colocar-se no mundo com base no outro. Por isso, Sartre chegou a dizer que o inferno são os outros. Não há como escapar disso: é preciso ser ético.

Alienação moral
Alienação moral é preocupar-se de maneira distorcida com o outro. Não é ignorá-lo, visto que é impossível, pois ele nos mostra em si como somos, mas traduzi-lo de uma forma que não permita essa revelação. No processo de alienação moral, uma pessoa trata as demais sem reflexão que permita o questiona-mento sobre diferenças, semelhanças, justiça, igualdade; sem pensar a si mesmo.
Sobre isso, Sartre afirmou que não podemos viver com morais alienantes, fora da história. A ética deve ser entendida como ação no mundo, sob o contingenciamento da história - história e ética se confundem. A alienação moral procura fazer com que a ação do passado seja repetida no presente; o que é bom é a cópia do que foi bom, ignorando as transformações que a história de cada um e das sociedades imputa a todos. Não podemos dizer, sem pensar, que o que era errado há 100 anos continuará sendo errado, que não deve haver mudanças.
Tanto quanto o organismo precisa de alimento, água e ar, nós, seres humanos, precisamos de ética. Sua falta pode significar a morte ou uma falsa vida, falsa individualidade e pseudoexistência. Sem ética, sem pensar no outro como revelador de nós mesmos, nós não passamos de pássaros que não têm asas. Sem agir em benefício dos outros, ainda que pensemos, teríamos as asas, mas mesmo assim não voaríamos.
Cabe, portanto, no presente, a preocupação de como devemos agir em relação ao outro. As mudanças de nosso tempo exigem uma reflexão a respeito de nossa convivência ética, com os desafios do mundo atual, para a construção da solidariedade entre os seres humanos.
Cabe a cada um de nós assumirmos a reflexão pura e sermos autênticos na perspectiva da solidariedade. Devemos nos reconciliar conosco e assumir a ação ética no mundo, mesmo que não tenhamos apoio: as atitudes antiéticas dos outros nos revelarão éticos.
Portanto, sermos éticos é assumirmos a responsabilidade com o outro, com aquele que não somos. Com base nisso, teremos a autenticidade da nossa própria vida e não a vileza de uma vida baseada em sistemas não-históricos. Afinal, é o outro que nos revela o que somos.

1 – Segundo Sartre, por que sentimos vergonha?
2 – Por que, Alienação moral é o inferno são os outros?
3 – O que é Alienação moral Segundo Sartre?
4 – Como se dá o processo de alienação moral?
5 – Compare as seguintes frases abaixo e conclua de acordo com o seu entendimento o que o autor quis demonstrar.
a) Tanto quanto o organismo precisa de alimento, água e ar;

b) Nós, seres humanos, precisamos de ética.

Viver para o outro - Emmanuel Levinás


Em geral, quando nos vemos como indivíduos, temos uma certeza: somos nós e o mundo. O "eu" percebe o mundo e os entes do mundo como coisas. Dividimos o mundo em entes importantes para nós e entes que não nos são importantes; entes que amamos e entes que não amamos; entes que fazem parte da nossa vida e entes que ignoramos por completo.
Dessa maneira, categorizamos o mundo e damos sentidos a tudo. Por exemplo, no livro A menina que roubava livros, de Marcus Zusak, a personagem principal guarda alguns livros, mesmo sem saber ler, pois eles significam a presença do irmão e da mãe, isto é, o sentido dos livros não foi atribuído pelo texto, mas pela analogia que a menina fez entre esses objetos e pessoas que amava.

A linguagem como acesso ao outro
A linguagem nos precede, nós recebemos o que somos não por nós mesmos, mas a partir do onde fomos criados. Somos fruto do mundo que nos cerca. Somos parte dele, quer queiramos ou não, justamente porque até a maneira de vermos o mundo está constituída pelas formas de linguagem que aprendemos de outras pessoas, como os nossos pais e professores.
A troca de sentidos é o que nos faz humanos. Ao reconhecer que outras pessoas são capazes de dar sentido, elas deixam de ser apenas coisas e tornam-se o outro, parte do nosso "eu", assim como nós nos tornamos parte deles. No entanto, o outro é para nós um profundo e infinito mistério, e cada pessoa do mundo pode nos levar a lugares jamais pensados.
Por isso, é preciso viver para o outro, pois assim o desenvolvimento do nosso "eu" será cada vez maior. Viver para o outro é a melhor maneira de viver para si, pois os outros são a maior parte de nós mesmos. Os outros são as pessoas de quem gostamos ou de quem não gostamos. Estranhos ou conhecidos. Podemos compreender e sermos compreendidos por todos. Nossa atitude ética, então, é viver para o outro, e cada vez que nos aproximamos dos outros nós nos completamos, nos instituímos. Os outros nos dão mais expressividade, mais linguagem. Portanto, devemos viver por quem nos dá mais, que é a maneira de vivermos por nós mesmos, ou seja, viver para o outro.

1 – Segundo Emmanuel Lévinas, como categorizamos o mundo e damos sentidos a tudo?
2 – Qual a importância da linguagem, segundo Emmanuel Lévinas?
3 – Segundo Emmanuel Lévinas, porque é preciso viver para o outro?




A indústria cultural – Theodoro Adorno e Max Horkheimer

            Quem nós copiamos?
Para Adorno e Horkheimer, após o Iluminismo, o ser humano se esqueceu da razão como busca da verdade, da veracidade das teorias e da ética. Por temer, de certa forma, a verdade, fez-se a opção pelo funcionamento de tudo. Cada vez que perguntamos para que serve ou qual a finalidade de algo, estamos no campo da razão instrumental. Trocamos a busca pela verdade pela busca de objetivos sem crítica.
 A razão instrumental está preocupada com os fins que também caracterizam o sistema de exploração capitalista. Por isso, diante das forças econômicas, os indivíduos acabam reduzidos a zero. Milhões de pessoas são excluídas por categorias de pensamento desenvolvidas a partir do século XIX, como a ideia de que as empresas beneficiam os trabalhadores, mas a maioria deles, ainda hoje, não conseguiu encontrar esses benefícios.
Para que esse sistema histórico-social - que apenas favorece os empregadores - possa continuar intacto, isto é, fortalecido, inventou-se uma maneira muito poderosa de fazer com que as pessoas não usem sua razão crítica para criar sua individualidade, tornando-se verdadeiras cópias de outras pessoas igualmente artificiais.
Assim, a razão instrumental acabou gerando a cultura de massa, que é a industrialização e produção em série de mercadorias culturais, que produzem, por sua vez, individualidades falsas ou pseudoindividualidades.

Leiam o texto a seguir
"Na indústria, o indivíduo é ilusório não apenas por causa da padronização do modo de produção. Ele só é tolerado na medida em que sua identidade incondicional com o universal está fora de questão. Da improvisação padronizada do jazz até os tipos originais do cinema, que têm de deixar a franja cair sobre os olhos para serem reconhecidos como tais, o que domina é a pseudoindividualidade. O individual reduz-se à capacidade do universal de marcar tão integralmente o contingente que ele possa ser conservado como o mesmo. Assim, por exemplo, o ar de obstinada reserva ou a postura elegante do indivíduo exibido numa cena determinada é algo que se produz em série exatamente como as fechaduras Yale, que só por frações de milímetros se distinguem umas das outras. As particularidades do eu são mercadorias monopolizadas e socialmente condicionadas, que se fazem passar por algo natural. Elas se reduzem ao bigode, ao sotaque francês, à voz grave de mulher de vida livre [...]: são como impressões digitais em cédulas de identidade que, não fosse por elas, seriam rigorosamente iguais e nas quais, a vida e a fisionomia de todos os indivíduos - da estrela do cinema ao encarcerado - se transformam, em face ao poderio do universal. A pseudoindividualidade é um processo para compreender e tirar da tragédia sua virulência: é só porque os indivíduos não são mais indivíduos, mas sim meras encruzilhadas das tendências do universal, que é possível reintegrá-los totalmente na universalidade. A cultura de massas revela assim seu caráter fictício que a forma do indivíduo sempre exibiu na era da burguesia, e seu único erro é vangloriar-se por essa duvidosa harmonia do universal e do particular."
ADORNO, Theodor; HORKHEIMER, Max. Dialética do esclarecimento: fragmentos filosóficos. Tradução Guido António de Almeida. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1985. p. 144-5.

No texto da Escola de Frankfurt, Adorno e Horkheimer apresentam a cultura de massa ou a indústria cultural, que submetem a arte e as manifestações culturais às leis de mercado. A beleza que fazia com que o homem compreendesse a profundidade de sua existência há dois séculos revelou-se efêmera e superficial, esvaindo-se com a moda. Em resumo, mostram os filósofos, que o mais importante não é construir a si mesmo, mas copiar quem está na propaganda.

Mas onde se encontra a cultura de massa? No rádio e na televisão, nos jornais e revistas, no cinema, nos shows e na propaganda, em geral, isto é, nos meios de comunicação de massa.
Qual a estratégia dessas empresas? Convencer as pessoas de que elas são livres para escolher o que é melhor, mas insistindo que o melhor é sempre o seu próprio produto. Além disso, tentam transformar tudo em entretenimento, por exemplo:
- Todas as rádios tocam as melhores músicas. O ritmo da juventude, o som do amor. Há aquelas que afirmam tocar as melhores músicas da semana, mas ocultam quanto se pagou para que estas fossem consideradas as melhores.
- Os jornais e revistas sempre afirmam seu compromisso com a verdade. Como sabemos, a verdade jornalística vende, principalmente quando se faz uma "grande denúncia". Passado o impacto - e esgotadas as edições - a "grande denúncia" acaba esquecida.
- No cinema e nas telenovelas, tudo tem um final quase sempre previsível, os melhores efeitos especiais ajudam os pseudoartistas, que apresentam sempre corpos masculinos fortes e corpos femininos sensuais. Na maioria das vezes, pessoas seminuas, vivendo uma história pronta, com começo, meio e final feliz, como se a vida fosse assim.
- Nos shows, a eletrônica, os dançarinos e a iluminação ajudam a disfarçar os limites das vozes dos cantores. O gelo-seco cria a emoção que a canção não é capaz de criar. O volume alto do som empurra todo mundo para o balanço de músicas sem sentido e, muitas vezes, malfeitas, mas se trata do cantor ou cantora que todos escutam. A pirataria, por sua vez, apenas reforça a indústria cultural, barateando o produto e permitindo, assim, maior acesso à cultura de massa e a seus reduzidos valores.
- Na televisão, o artista que se confessa engajado num programa acaba vendendo ilusões nas propagandas do intervalo, vampirizando aposentados e pensionistas, prometendo empréstimos a juros baixíssimos; "os menores do mercado".

Dessa maneira, ao trocar o pensar pelo sentir, os indivíduos passam a compor um mosaico, construído com pedrinhas das ideologias vinculadas nos sistemas de mass media (meios de comunicação de massa). Renunciando à construção de si, funcionam como cópias de máscaras, vendo-se apenas montagens, não realidades. Com isso, assumem como seus, os desejos que são criados pela propaganda: compre isto para ser assim; seja interessante sendo assim ou - mais sinceramente - você é aquilo que você pode pagar; você não se adapta ao modelo, não serve etc.

No entanto, as pessoas acabam sofrendo por não terem as falsas maravilhas que vêem nos meios de comunicação ou por serem diferentes do modelo de homem ou mulher anunciado pela propaganda. E isso também inclui de modo decisivo a criança, fazendo com que a sensação de sofrimento e frustração comece na infância, com os brinquedos caros que não se podem comprar, terminando na velhice esquecida, pois é da juventude que a televisão gosta e ensina os telespectadores a gostar.
Quase todas as mercadorias que estão à venda - música, dança, imagens, cheiros, sabores, roupas - trazem consigo a ideia de um estilo, que deve ser comprado ou - se isso não for possível - imitado.
Com a indústria cultural, além das artes, a religião e o esporte também viraram produtos. As pessoas deixam de praticar a religião e o esporte para assisti-lhes pela televisão. Para encontrar o sagrado, não é mais necessário estar junto com os demais fiéis e fazer orações com eles, basta ligar a televisão ou o rádio no horário marcado e será possível ter o sagrado em domicílio. Com o esporte, é mais fácil comer pipoca à frente da TV do que ir ao estádio ou jogar aquela "pelada" com os amigos. Como se vê, todas as emoções estão à venda, mas duram pouco para que voltemos a comprar outras.

1 - Para Adorno e Horkheimer, o que aconteceu após o Iluminismo?
2 – Explique Razão instrumental e cultura de massa, segundo Adorno e Horkheimer.
3 – Compare as duas frases a seguir e conclua de acordo com o seu entendimento o que o autor pretende demonstrar?
a) A postura elegante do indivíduo exibido numa cena determinada é algo que se produz em série;
b) As fechaduras Yale, que só por frações de milímetros se distinguem umas das outras.



quinta-feira, 13 de junho de 2013

Mitologia e Filosofia da Religião.

O que é o amor?
Poetas e filósofos da Grécia Antiga, no período que abarca os séculos VIII, VII e VI a.C. registraram diferentes interpretações para compreender o amor e sua importância para os seres humanos.
Hesíodo, poeta grego do século VIII a.C. escreveu uma obra denominada Teogonia, na qual descreve em poemas a origem dos deuses gregos. Para ele, o deus do amor, Eros, era filho do primeiro deus manifesto no mundo: deus Caos. No poema de Hesíodo, Eros é o deus de extrema beleza e capaz de organizar o mundo, fazendo com que os seres saiam do caos e construam o cosmo. Em grego antigo, caos significa o início sem ordem e cosmo é o mundo organizado, Eros é o deus capaz de unir os seres e de organizar o mundo.
Porém, na própria Antiguidade grega, há uma outra interpretação para a origem e o papel deste deus. Posterior à obra de Hesíodo, outro modo de interpretar o amor está registrado no diálogo O banquete, de Platão, segundo o qual o amor emana de um deus cujos pais são Poros (deus identificado como Recurso, por sua capacidade de encontrar recursos materiais) e Penia (deusa identificada como Pobreza). No dia do nascimento de Afrodite, deusa da beleza, Poros e Penia se encontraram e conceberam Eros, deus que vive com necessidade do outro, com necessidade de superar sua condição de um ser que nada tem e ao mesmo tempo um deus inteligente, inventivo, que por ser concebido no dia do nascimento de Afrodite, era belo, capaz de conquistar e de unir-se aos outros seres.
A associação de Eros à deusa Afrodite interpretada por poetas posteriores a Hesíodo como uma relação de mãe e filho. Há uma tradição bastante divulgada sobre a mitologia grega que apresenta Eros como filho de Hermes e Afrodite.
A seguir, um fragmento do diálogo “O Banquete”, de Platão, com sua interpretação para a origem e o significado do amor.

O banquete (o amor, o belo)
"[...] Quando nasceu Afrodite, banqueteavam-se os deuses, e entre os demais se encontrava também o filho de Prudência, Recurso. Depois que acabaram de jantar, veio para esmolar do festim a Pobre e ficou pela porta. Ora, Recurso, embriagado com o néctar - pois vinho ainda não havia – penetrou o jardim de Zeus e, pesado, adormeceu. Pobreza então, tramando em sua falta de recurso engendrar um filho de Recurso, deita-se ao seu lado e pronto concebe o Amor. Eis por que ficou companheiro e servo de Afrodite o Amor, gerado em seu natalício, ao mesmo tempo que por natureza amante do belo, porque também Afrodite é bela. E por ser filho o Amor de Recurso e de Pobreza foi esta a condição em que ele ficou. Primeiramente ele é sempre pobre, e longe está de ser delicado e belo, como a maioria imagina, mas é duro, seco, descalço e sem lar, sempre por terra e sem forro, deitando-se ao desabrigo às portas e nos caminhos, porque tem a natureza da mãe, sempre convivendo com a precisão. Segundo o pai, porém, ele é insidioso com o que é belo e bom, e corajoso, decidido e enérgico, caçador terrível, sempre a tecer maquinações, ávido de sabedoria e cheio de recursos, a filosofar por toda a vida. terrível mago, feiticeiro, sofista: e nem imortal é a sua natureza nem mortal, e no mesmo dia ora ele germina e vive, quando enriquece; ora morre e de novo ressuscita, graças à natureza do pai; e o que consegue sempre lhe escapa, de modo que nem empobrece o Amor nem enriquece, assim como também está no meio da sabedoria e da ignorância. Eis com efeito o que se dá.[...]" (p. 21).
Um mito é uma narrativa que trata de algo sem necessariamente submeter-se às formas lógicas, como nas ciências. Em geral, os mitos estão envolvidos com a religião dos povos e com as crenças das pessoas. 
Ernest Cassirer, no livro A filosofia das formas simbólicas, desenvolve profunda reflexão sobre os mitos. Para ele, o mito seria a primeira forma de interpretação do mundo, o que deu lugar, depois, à religião, sem que seja superior. Todo o contato do homem com a natureza e com os outros homens é realizado por meio de símbolos. O homem toca o mundo pelos signos, ele os inventa e deles tira o sentido das coisas.
Desde os primórdios da história, o homem acredita e representa suas crenças e suas visões do mundo. Os símbolos são a formas que o homem usa para representar sua vida. Por exemplo:
·         Quando falamos à pessoa amada você é tudo de que meu coração precisa, é fácil entender que estamos dizendo que amamos e que sofreremos se não formos correspondidos.
·         Quando uma criança pega algum objeto que estava no chão e coloca na boca, dizemos caca! - usamos um símbolo (uma palavra) que representa a sujeira.
Os símbolos são partilhados por várias pessoas, mas também podem ser muito pessoais, acontecendo o mesmo com os significados. Lembre-se de que o signo é a representação dos sentidos de algo: pode ser uma imagem, um som, um cheiro, um sabor, um gesto, uma temperatura, uma dança. O significado é o "conteúdo" desse signo, a ideia que está por trás daquilo que se apresenta para as pessoas ou para si mesmo.
Sobre o mito anterior, ainda que Cassirer faça uma crítica ao tipo de uso que Platão fez do mito, podemos perceber que se trata de uma narrativa simbólica, e que cada símbolo ou signo corresponde a um ou mais significados no mundo.

Leiam o texto e respondam as seguintes questões:
1 - Explique o significado de Caos, Cosmo e Eros, segundo o texto.
2 – Explique o modo de interpretar o amor que está registrado no diálogo “O banquete”, de Platão.
3 - Por que, o homem é um ser simbólico, segundo Cassirer?
4 - mencionem outros signos observados em seu caminho para a escola, sempre indicando o significado deles.

5 - O que é um signo?

Prof. Manoelito

terça-feira, 11 de junho de 2013

O indivíduo segundo - Max Stirner - O indivíduo e a psicanálise - Freud

Conhecer os próprios limites e a artificialidade de objetivos permite o desenvolvimento da liberdade. Sua individualidade é ou não conduzida por forças que lhes são externas, principalmente em função de objetivos específicos de lucro e domínio.
Vamos discutir as seguintes questões: Todos nós somos um pouco egoístas?; O que fazer com nosso egoísmo?; Devemos assumi-lo ou lutar contra ele?

Para Stirner, o homem é um ser egoísta, embora não saiba o que fazer com seu egoísmo. Assim, o pensador propõe que cada um deve assumir seu egoísmo, tornando-se dono de si mesmo.
Quando as pessoas procuram se libertar do egoísmo servindo a Deus, na verdade acabam servindo aos líderes religiosos e a si mesmos, de maneira parcial. Deus é uma ideia para o individuo, independentemente de existir ou não. O homem só serve a ele por pensar que Deus existe, e será feliz assim. Quando as pessoas procuram servir à sociedade, elas acabam servindo a lideres políticos, pois a sociedade ou a nação também são ideias. Quando as pessoas procuram trabalhar, cada vez mais e melhor, para servir à honestidade; na verdade estão servindo os empregadores.
Portanto, as ideias de Deus e de nação são afastamentos parciais de nós mesmos. Quando acreditamos que somos seres espirituais, feitos por e para as ideias, achamos que devemos segui-las. Desse modo, pensamos egoisticamente: vou servir a Deus, porque lucrarei com isso indo para o céu, ou vou servir à sociedade, porque terei prestígio e serei considerado bom. No entanto, se chegássemos à conclusão de que somos corpo, então serviríamos a nós mesmos em totalidade.
A sociedade cristã e moderna procura criar um indivíduo com aparência de livre, mas que, no fundo, é escravo da razão, da fé, ou do Estado. Todas essas instâncias e entidades prometem a liberdade, desde que renunciemos de alguma forma a nós mesmos, pois não existe liberdade interior, havendo somente aquela que é vivida longe de qualquer forma de servidão.
Então, quem somos nós? Stirner responde afirmando que somos um poço e não devemos ouvir as vozes da consciência, nem da sociedade e muito menos de Deus, pois elas escondem egoístas que lucram com isso. Desse modo, o egoísmo é a chave para vivenciarmos definitivamente desejos, pois - se for para sermos escravo de alguém, então que o sejamos de nós mesmos.

Como seria a sociedade?
Se cada um assumisse seu egoísmo, fazendo o bem aos outros por interesse (eu faço você feliz, para você me fazer feliz), não haveria intrigas nem lutas, pois cada um seria tão diferente do outro, a ponto de não poderem sequer discordar. O problema das intrigas e das lutas é que nós nos imaginamos parecidos com os outros e agimos por egoísmo disfarçado, adormecido. Julgamos, ainda, os outros como falsos, quando nós também somos. Por isso, nem realizamos nossos desejos, nem alcançamos nossos ideais.

O indivíduo e a psicanálise

Analisando pessoas com uma doença chamada histeria, cujos sintomas se confundem com uma espécie de "possessão demoníaca", como falta de visão, desmaios, tonturas, paralisia, pânico e ansiedade sem causa física aparente, Freud descobriu que ela se tratava de uma doença causada pela autorrepressão.
Autorrepressão de quê? De impulsos considerados dolorosos, terríveis ou vergonhoso: para aquele indivíduo. Freud concluiu, portanto, que era essa repressão que as pessoas faziam contra os próprios impulsos que causava a histeria. Esses impulsos ficariam fechados, isolados no que Freud chamou de inconsciente.
O inconsciente está por trás de grande parte de nossas fantasias. Ele gera nossas lembranças e permite que nossa consciência tenha acesso a informações importantes, como a memória de nomes, datas, lugares, sensações. No entanto, mais do que isso, o inconsciente é responsável também por esquecimentos, lapsos, distrações, confusão de ideias, erros nas sensações, atitudes desastrosas, associação de ideias diferentes.
A cultura ocidental ignorou o inconsciente e supervalorizou a consciência. Entretanto, independentemente disso, o inconsciente está sempre em atividade no dia-a-dia, criando, por exemplo, os sonhos. Por isso, ao interpretar o sonho, seria possível chegar a alguns conteúdos do inconsciente, conhecendo um pouco aquilo que reprimimos.

A libido
Para Freud, o "eu" de cada um é uma parte da Biologia. Nosso cérebro é um corpo, e este corpo é o lugar onde nós acontecemos. Somos inseparáveis. É importante frisar Freud não tinha uma visão espiritualista do homem, mas integral, materialista e científica.
O homem biológico nasce, cresce, alimenta-se, se reproduz e morre. Mas, para se reproduzir, ele tem uma força natural que se desenvolve com todo o seu ser desde a infância. É a libido, a força do instinto sexual, que não apenas opera no ato sexual, mas na própria formação do desejo. Assim, como todos os instintos, a libido está em nossa formação individual. Nas sociedades como a nossa, nas quais aprendemos a esconder o corpo desde crianças, e nas quais os valores religiosos associam sexo a pecado, ocorre uma repressão e uma inibição com relação ao corpo e ao sexo.
Essas sementes de repressão na infância podem se tornar uma neurose no adulto. Os desejos reprimidos, muitas vezes, são manifestos de forma indireta, por meio de sonhos ou ações que aparentemente não têm a ver com o objeto do desejo reprimido. Por exemplo, se desejarmos determinado objeto, em vez de sonhar diretamente com ele, podemos sonhar com objetos parecidos ou análogos. Perto de uma pessoa por quem sentimos atração, podemos nos atrapalhar, tropeçar, esquecer palavras, corar ou até mesmo mostrar desprezo pela pessoa, criando um ódio aparentemente desmotivado e sem sentido. Da mesma forma, isso funcionaria com outros instintos.

A estrutura do mecanismo psíquico
Nosso aparelho psíquico apresenta, para Freud, três estruturas:
a) Id: constituído pelos impulsos múltiplos, associado ao princípio de prazer e ao inconsciente.
b) Ego: contato com a realidade, associado à consciência de si como indivíduo.
c) Superego: internalização das regras morais, associado à consciência sobre os limites oferecidos pelo outro à realização do princípio de prazer.
O ego é nossa fachada; ele tem de estar constantemente em negociação com o Id, que nos impulsiona pelos desejos, e com o superego, que nos reprime de dentro para fora. O id quer prazer imediato, mesmo que isso custe a própria vida.
Os impulsos são agressivos. Para contê-los, além da repressão direta, o princípio da realidade compele a libido a usar sua força para outras atividades, como a arte e a produção do conhecimento, por exemplo. Isso acontece porque todos nós trazemos uma agressividade que deve ser domada para que possamos viver em sociedade. A luta pelo prazer seria, assim, a destruição da civilização; por isso, inventamos a arte, a religião e a moral, com o que podemos negar os impulsos e seus prazeres, a fim de conviver na sociedade.
Nós negamos os prazeres por um pouco de segurança, e não para sofrermos em demasia. No entanto, acontece que a negação social pode ser tão agressiva que o indivíduo não conseguirá ter prazeres suficientes na vida, desenvolvendo, em consequência, as neuroses, as doenças psíquicas.
Como podemos lidar com nossos impulsos de maneira saudável? Além disso, como os esportes, as artes. As morais e as religiões nos ajudam a enfrentar os desejos mais violentos e as repressões mais sufocantes?

Para Freud, nós somos animais que desejam e querem o poder para conseguir os prazeres. O que acontece, muitas vezes, é que esse poder é destrutivo, podendo atingir a nós mesmos e aos outros. Mais ainda, quando a sociedade tenta reprimir os desejos, acaba muitas vezes sufocando completamente as pessoas. Para resolver esses impasses, foram inventados os esportes e as artes, as morais e as religiões.

Leiam o texto e respondam as seguintes questões:

1 - Para Stirner, o que é o homem e o que cada um deve fazer?
2 - O que acontece quando as pessoas procuram se libertar do egoísmo servindo a Deus, segundo Stirner?
3 - Como a sociedade cristã e moderna procura criar o indivíduo?
4 - Como seria a sociedade, se cada um assumisse o seu egoísmo?
5 - Segundo Freud, qual a causa da histeria?
6 - O que diz Freud sobre o inconsciente?
7 - Qual a relação entre impulso e repressão do impulso em Freud?
8 - Explique o "eu" de cada um segundo Freud.
9 - Explique "a libido" segundo Freud.
10 - Porque ocorre a repressão nas sociedades como a nossa, Segundo Freud?
11 - Para Freud, o que somos nós? Explique.
12 - Segundo Freud, quais são as estruturas da psique humana? Explique.