Quem nós copiamos?
Para Adorno e
Horkheimer, após o Iluminismo, o ser humano se esqueceu da razão como busca da
verdade, da veracidade das teorias e da ética. Por temer, de certa forma, a
verdade, fez-se a opção pelo funcionamento de tudo. Cada vez que perguntamos
para que serve ou qual a finalidade de algo, estamos no campo da razão
instrumental. Trocamos a busca pela verdade pela busca de objetivos sem
crítica.
A razão instrumental está preocupada com os
fins que também caracterizam o sistema de exploração capitalista. Por isso,
diante das forças econômicas, os indivíduos acabam reduzidos a zero. Milhões de
pessoas são excluídas por categorias de pensamento desenvolvidas a partir do
século XIX, como a ideia de que as empresas beneficiam os trabalhadores, mas a
maioria deles, ainda hoje, não conseguiu encontrar esses benefícios.
Para que esse
sistema histórico-social - que apenas favorece os empregadores - possa continuar
intacto, isto é, fortalecido, inventou-se uma maneira muito poderosa de fazer
com que as pessoas não usem sua razão crítica para criar sua individualidade,
tornando-se verdadeiras cópias de outras pessoas igualmente artificiais.
Assim, a
razão instrumental acabou gerando a cultura de massa, que é a industrialização
e produção em série de mercadorias culturais, que produzem, por sua vez,
individualidades falsas ou pseudoindividualidades.
Leiam o texto a seguir
"Na
indústria, o indivíduo é ilusório não apenas por causa da padronização do modo
de produção. Ele só é tolerado na medida em que sua identidade incondicional
com o universal está fora de questão. Da improvisação padronizada do jazz até
os tipos originais do cinema, que têm de deixar a franja cair sobre os olhos
para serem reconhecidos como tais, o que domina é a pseudoindividualidade. O
individual reduz-se à capacidade do universal de marcar tão integralmente o
contingente que ele possa ser conservado como o mesmo. Assim, por exemplo, o ar
de obstinada reserva ou a postura elegante do indivíduo exibido numa cena determinada
é algo que se produz em série exatamente como as fechaduras Yale, que só por
frações de milímetros se distinguem umas das outras. As particularidades do eu
são mercadorias monopolizadas e socialmente condicionadas, que se fazem passar
por algo natural. Elas se reduzem ao bigode, ao sotaque francês, à voz grave de
mulher de vida livre [...]: são como impressões digitais em cédulas de
identidade que, não fosse por elas, seriam rigorosamente iguais e nas quais, a
vida e a fisionomia de todos os indivíduos - da estrela do cinema ao
encarcerado - se transformam, em face ao poderio do universal. A
pseudoindividualidade é um processo para compreender e tirar da tragédia sua
virulência: é só porque os indivíduos não são mais indivíduos, mas sim meras
encruzilhadas das tendências do universal, que é possível reintegrá-los totalmente
na universalidade. A cultura de massas revela assim seu caráter fictício que a
forma do indivíduo sempre exibiu na era da burguesia, e seu único erro é
vangloriar-se por essa duvidosa harmonia do universal e do particular."
ADORNO, Theodor; HORKHEIMER, Max. Dialética do
esclarecimento: fragmentos filosóficos. Tradução Guido António de Almeida. Rio
de Janeiro: Jorge Zahar, 1985. p. 144-5.
No texto da
Escola de Frankfurt, Adorno e Horkheimer apresentam a cultura de massa ou a
indústria cultural, que submetem a arte e as manifestações culturais às leis de
mercado. A beleza que fazia com que o homem compreendesse a profundidade de sua
existência há dois séculos revelou-se efêmera e superficial, esvaindo-se com a
moda. Em resumo, mostram os filósofos, que o mais importante não é construir a
si mesmo, mas copiar quem está na propaganda.
Mas onde se
encontra a cultura de massa? No rádio e na televisão, nos jornais e revistas,
no cinema, nos shows e na propaganda, em geral, isto é, nos meios de comunicação
de massa.
Qual a
estratégia dessas empresas? Convencer as pessoas de que elas são livres para
escolher o que é melhor, mas insistindo que o melhor é sempre o seu próprio
produto. Além disso, tentam transformar tudo em entretenimento, por exemplo:
- Todas as
rádios tocam as melhores músicas. O ritmo da juventude, o som do amor. Há
aquelas que afirmam tocar as melhores músicas da semana, mas ocultam quanto se
pagou para que estas fossem consideradas as melhores.
- Os jornais
e revistas sempre afirmam seu compromisso com a verdade. Como sabemos, a
verdade jornalística vende, principalmente quando se faz uma "grande denúncia".
Passado o impacto - e esgotadas as edições - a "grande denúncia"
acaba esquecida.
- No cinema e
nas telenovelas, tudo tem um final quase sempre previsível, os melhores efeitos
especiais ajudam os pseudoartistas, que apresentam sempre corpos masculinos
fortes e corpos femininos sensuais. Na maioria das vezes, pessoas seminuas,
vivendo uma história pronta, com começo, meio e final feliz, como se a vida
fosse assim.
- Nos shows,
a eletrônica, os dançarinos e a iluminação ajudam a disfarçar os limites das
vozes dos cantores. O gelo-seco cria a emoção que a canção não é capaz de
criar. O volume alto do som empurra todo mundo para o balanço de músicas sem
sentido e, muitas vezes, malfeitas, mas se trata do cantor ou cantora que todos
escutam. A pirataria, por sua vez, apenas reforça a indústria cultural, barateando
o produto e permitindo, assim, maior acesso à cultura de massa e a seus
reduzidos valores.
- Na
televisão, o artista que se confessa engajado num programa acaba vendendo
ilusões nas propagandas do intervalo, vampirizando aposentados e pensionistas,
prometendo empréstimos a juros baixíssimos; "os menores do mercado".
Dessa
maneira, ao trocar o pensar pelo sentir, os indivíduos passam a compor um
mosaico, construído com pedrinhas das ideologias vinculadas nos sistemas de
mass media (meios de comunicação de massa). Renunciando à construção de si, funcionam
como cópias de máscaras, vendo-se apenas montagens, não realidades. Com isso,
assumem como seus, os desejos que são criados pela propaganda: compre isto para
ser assim; seja interessante sendo assim ou - mais sinceramente - você é aquilo
que você pode pagar; você não se adapta ao modelo, não serve etc.
No entanto,
as pessoas acabam sofrendo por não terem as falsas maravilhas que vêem nos
meios de comunicação ou por serem diferentes do modelo de homem ou mulher
anunciado pela propaganda. E isso também inclui de modo decisivo a criança,
fazendo com que a sensação de sofrimento e frustração comece na infância, com
os brinquedos caros que não se podem comprar, terminando na velhice esquecida,
pois é da juventude que a televisão gosta e ensina os telespectadores a gostar.
Quase todas
as mercadorias que estão à venda - música, dança, imagens, cheiros, sabores,
roupas - trazem consigo a ideia de um estilo, que deve ser comprado ou - se
isso não for possível - imitado.
Com a
indústria cultural, além das artes, a religião e o esporte também viraram
produtos. As pessoas deixam de praticar a religião e o esporte para
assisti-lhes pela televisão. Para encontrar o sagrado, não é mais necessário
estar junto com os demais fiéis e fazer orações com eles, basta ligar a
televisão ou o rádio no horário marcado e será possível ter o sagrado em
domicílio. Com o esporte, é mais fácil comer pipoca à frente da TV do que ir ao
estádio ou jogar aquela "pelada" com os amigos. Como se vê, todas as
emoções estão à venda, mas duram pouco para que voltemos a comprar outras.
1 - Para
Adorno e Horkheimer, o que aconteceu após o Iluminismo?
2 – Explique Razão
instrumental e cultura de massa, segundo Adorno e Horkheimer.
3 – Compare as
duas frases a seguir e conclua de acordo com o seu entendimento o que o autor
pretende demonstrar?
a) A postura
elegante do indivíduo exibido numa cena determinada é algo que se produz em
série;
b) As
fechaduras Yale, que só por frações de milímetros se distinguem umas das outras.
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