terça-feira, 18 de junho de 2013

Dos mitos à cultura

Neste texto, vamos discutir o conceito de cultura, principalmente com base no livro A ideia de cultura, de Terry Eagleaton (Tradução Sandra Castello Branco. São Paulo: Ed. Unesp, 2005).
Para começar, responda a seguinte questão: Quem governa a sua vida, seus impulsos ou suas ideias?
Cultura versus Natureza
Quando falamos a palavra "cultura", podemos pensar em duas possibilidades. Uma na qual essa palavra é entendida como acúmulo de conhecimentos e outra na qual a palavra "cultura" é entendida como ação dos homens sobre a natureza por meio do trabalho.
O conceito de cultura é derivado da natureza, em especial do ato de cultivar uma lavoura. Por isso, a cultura tem seu início absolutamente material, passando, mais tarde, a ser entendida como atividade do espírito, principalmente como atividade dos homens urbanos, não mais do meio rural.
O individuo culto não é mais o lavrador, e sim o estudioso da cidade. Nessa concepção mais tradicional de cultura, ele aparece como relação do homem com a natureza, a cultura pertence ao mundo dos homens e é a sua forma de vencer os descaminhos e os sofrimentos causados pela natureza; a cultura está no mundo do espírito humano e deve, por seu turno, colonizar quem está próximo à natureza e distante do mundo intelectual.  
Liberdade e determinismo
Se retomarmos a questão inicial, temos aqui uma importante reflexão. Quem nos governa, a natureza ou nossas ideias? Nosso corpo ou nosso pensamento? Dessa maneira, a cultura pode significar o uso da liberdade, enquanto a natureza pode significar o determinismo biológico.
Ao imaginar, sonhar, planejar, escrever, trabalhar, conduzir, governar, rezar ou se divertir, o homem exerce sua liberdade, enfrente os sofrimentos causados pela natureza, prevê condições de alívio e consola-se diante do inevitável ou das suas derrotas. O homem percebe seu lugar de origem, sua identidade e, ao mesmo tempo, compreende que pode mudar ter suas raízes autotransportadas.
A natureza estaria apenas posta diante dos homens, exigindo deles não mais que uma vida animal, submetendo-os aos destinos dos que não pensam antes de agir, dos que não imaginam nem planejam uma vida mais significativa. A natureza impõe o corpo, a fome, impulso sexual, a necessidade de saciar a sede, a doença, o cansaço, o calor e o frio. Com a natureza, o destino do homem está traçado. Um destino nada significativo, assim como a vida e a morte de qualquer animal.
A cultura em transição com a natureza
Um dos atos culturais por excelência é a arte. Seria possível imaginá-la sem a natureza? Como pensar um quadro paisagístico sem a paisagem e sem o material como a tela e a tinta que se originam na natureza? Uma música sem paixão? Um marceneiro sem a madeira? Um escultor sem a pedra ou o metal? Segundo essa concepção, natureza e cultura estão em acordo recíproco.
Por isso, o homem não é fruto determinado de seu ambiente; ele é livre, mas é intimamente influenciado pela natureza. Voltando ao exemplo da arte, por mais livre que seja um pintor, ele estará, ao mesmo tempo, limitado e inspirado por seus instrumentos - o tipo de pelo animal de seu pincel, o tipo de pigmento de sua tinta, a paisagem, o objeto ou o corpo que quer representar. Limitado, porque talvez não consiga colocar na tela seus sentimentos mais profundos: inspirado, porque sabe que pode fazer algo cada vez mais belo, com base naquilo que a natureza lhe oferece, porque domina sua técnica, avança em seus limites, diz o que ainda não foi dito, ou reproduz o já expresso de seu próprio modo.
Assim, convém relativizar a ideia naturalista, que afirma ser a cultura uma expressão da natureza e sua determinação, o que devemos fazer também com o idealismo, pois as ideias estão associadas diretamente ao ambiente das pessoas. O fazer e o natural estão, portanto, indissociavelmente ligados.
A cultura é uma construção de si mesmo
Quando pensamos que a cultura constrói cada um de nós, o nosso eu, podemos supor uma divisão em nós: o eu inferior e o eu superior. Nessa relação, a natureza estaria no eu inferior, como desejo e paixão, e a cultura estaria no eu superior, como vontade e razão.
Desse modo, a natureza não estaria apenas em nosso corpo ou em nosso entorno. Ela está no mais íntimo de cada um de nós. Mesmo assim, a natureza não seria capaz de nos saciar, porque não poderíamos viver apenas de desejos e porque, se isso fosse possível, não precisaríamos de cultura. A cultura é uma necessidade física e subjetiva de cada um de nós.
Por essa ideia de cultura, podemos entender que somos capazes de nos inventar, já que estamos sempre nos fazendo. Assim, por exemplo, uma pessoa culta é aquela pessoa que inventou um ser para si.
Por exemplo, se alguém quiser ser roqueiro, o que deve fazer? No mínimo, deve aprender a escutar rock, conversar com quem entende do assunto, ler sobre ele, aprender a tocar algum instrumento. O indivíduo não nasceu roqueiro; ele se inventou, criou uma forma pessoal de ser. Do mesmo modo, qualquer um de nós pode se inventar. Caso não nos inventemos, estaremos determinados pelo mundo que nos rodeia. Podemos ser pessoas pacientes, agradáveis, chatas; enfim, tudo é questão de escolha e atividade cultural. Mas nem sempre se inventar é fácil. Somos uma espécie de planta que precisa ser cultivada por nós mesmos.
Cultura e Estado
Para discutir a relação entre cultura e Estado, é necessário sabermos o conceito de Estado: “Uma instituição organizada política, social e juridicamente, ocupa um território definido e, na maioria das vezes, sua lei maior é uma Constituição. É dirigido por um governo soberano, reconhecido interna e externamente, sendo responsável pela organização e pelo controle social, pois detém o monopólio legítimo do uso da força e da coerção”. (De Cicco e Gonzaga).
Além de nós e das influências que recebemos de outras pessoas, quem pode nos ajudar a nos inventar? Com certeza, não é partindo do nada que imaginamos o que queremos ser ou nos tornar. Por isso, precisamos da ajuda ou do exemplo dos outros. Por exemplo, se alguém quiser ser ator, necessitará de apoio para isso, desde o financeiro até o incentivo para o exercício da arte de representar.
Ora, o Estado brasileiro tem o dever de ajudar as pessoas a se formar como cidadãos, como repetimos exaustivamente. No entanto, a mera repetição dessa ideia, produz resultados infinitamente pequenos. É preciso considerar outros campos de atuação estatal que incluem, por exemplo, a regulamentação dos meios de comunicação, as políticas educacionais e os incentivos artísticos e culturais. Nessa concepção, a cultura é o que está entre a maquinaria do Estado e a sociedade civil, criando tensões e, ao mesmo tempo, produzindo unidades entre um e outro. Do ponto de vista do Estado, a cultura deve ser civilizadora, isto é, deve fazer com que as pessoas se tornem mais sociáveis.
Conceito de cultura
Em geral, podemos dizer que a cultura é a ação dos homens com ou sobre a natureza, por meio da objetivação da consciência (Hegel), pelo trabalho em sociedade (Marx), pela instituição de símbolos (Cassirer), por uma lei simbólica (Lévi-Strauss), por meio do contrato social (Rousseau), por meio da educação (Cícero). Em síntese, essa ação produz técnicas, valores, conhecimentos, ideias, religiões, artes e tudo o que circunscreve o mundo humano.
"[...] Efetivamente, é fácil ver que, entre as diferenças que distinguem os homens, muitas passam por naturais, quando são, unicamente, a obra do hábito e dos diversos gêneros de vida adotados pelos homens na sociedade. Assim, um temperamento robusto ou delicado, a força ou a fraqueza que disso dependem vêm muitas vezes mais da maneira dura ou efeminada pela qual foi educado do que da constituição primitiva dos corpos. Acontece o mesmo com as forças do espírito, e a educação não só estabelece diferença entre os espíritos cultivados e os que não o são, como aumenta a que se acha entre os primeiros à proporção da cultura: com efeito, quando um gigante e um anão marcham na mesma estrada, cada passo representa nova vantagem para o gigante. Ora, se, se comparar a diversidade prodigiosa do estado civil com a simplicidade e a uniformidade da vida animal e selvagem, em que todos se nutrem dos mesmos alimentos, vivem da mesma maneira e fazem exatamente as mesmas coisas, compreender-se-á quanto a diferença de homem para homem deve ser menor no estado de natureza do que no de sociedade; e quanto a desigualdade natural deve aumentar na espécie humana pela desigualdade de instituição. [...]"
Etnocentrismo, relativismo e alteridade
"Etnocentrismo é uma visão do mundo na qual o nosso próprio grupo é tomado como centro de tudo e todos os outros são pensados e sentidos por meio dos nossos valores, nossos modelos, nossas definições do que é a existência. No plano intelectual, pode ser visto como a dificuldade de pensarmos a diferença; no plano afetivo, como sentimentos de estranheza, medo, hostilidade etc. Perguntar sobre o que é etnocentrismo é, pois, indagar sobre um fenômeno em que se misturam tanto elementos intelectuais e racionais quanto elementos emocionais e afetivos. No etnocentrismo, esses dois planos do espírito humano - sentimento e pensamento -vão juntos compondo um fenômeno, não apenas fortemente arraigado na história das sociedades, como também facilmente encontrável no dia-a-dia das nossas vidas."
Comentário
Existem diversas culturas, já que existem diversas maneiras de agir e de interpretar o mundo, dando sentido às coisas. Essas culturas mantêm contato entre si, mas nem sempre esse contato é algo de que todos saem ganhando, porque muitas culturas se sentem superiores a outras, o que implica diversas maneiras de ver o mundo.
Quando um grupo se acha superior a outro, no sentido cultural, chamamos a isso etnocentrismo. Todas as vezes em que há uma ação etnocêntrica, deflagram-se várias formas de violência. Por causa do etnocentrismo, por exemplo, os europeus se sentiram superiores aos povos americanos e africanos, submetendo-os à escravidão e à pilhagem e impondo-Ihes sua cultura, em especial a religião. Além disso, internamente, cada país tem muitas culturas, havendo, também, várias religiões.
A principal área de conhecimento que estuda outras culturas chama-se Antropologia. Por ela, aprendemos não apenas o que é o etnocentrismo, mas a importância de pensar o outro como diferente de nós, como alguém que tem muito a ensinar e muito a aprender conosco. Para que isso ocorra e reduzam-se as tensões entre diferentes culturas, temos de dar o passo mais importante, na direção do relativismo. O que chamamos de relativismo é a ideia de que todos os valores são criados em meio ao processo cultural das sociedades. Por isso, todo julgamento que fazemos decorre de nossa cultura, e assim como cada um vê o outro de uma forma, nós também somos vistos e considerados com base em nossa própria cultura.
Diferença entre opinião e cultura. Opinião é uma fala pessoal, enquanto a cultura precede as opiniões e é partilhada por um grupo de pessoas.
Qual é a melhor cultura? É possível haver uma cultura melhor do que as outras? Para que fosse possível responder e apontar uma cultura superior, teríamos de assumir uma postura etnocêntrica.
Atualmente, é comum ouvir que algumas culturas são tecnologicamente mais desenvolvidas do que aquelas industrializadas e rurais, apontando-se as primeiras como melhores. No entanto, pode-se perguntar: o que é mais importante, ter tecnologia ou ter igualdade de fato?
Outro problema importante surge quando nós colocamos uma questão simples: como agir, em relação aos outros? A maneira mais recomendada é pela alteridade, isto é, pela valorização de tudo aquilo que é do outro e diferente de nós.
Leiam o texto e responda as seguintes questões:
1 – Como podemos pensar a palavra "cultura"?
2 - Explique o conceito de Cultura.
3 – Como o homem exerce sua liberdade?
4 – Segundo o texto, como estaria a natureza diante dos homens?
5 - Porque a cultura é uma construção de si mesmo?
6 - Em geral, o que podemos dizer que é a cultura?
7 – O que é etnocentrismo?
8 – O que é relativismo Cultural?





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