EE BATISTA RENZI
DISCIPLINA: FILOSOFIA
ÁREA: CIÊNCIAS
HUMANAS E SUAS TECNOLOGIAS
ETAPA DA EDUCAÇÃO
BÁSICA: ENSINO MÉDIO
3ª SÉRIE – VOLUME 4 -
4º BIMESTRE
TEMAS E CONTEÚDOS: FILOSOFIA
E LITERATURA - A FELICIDADE SEGUNDO O
ESTOICISMO E O EPICURISMO
Prof. Manoelito
Este
texto apresenta dois temas centrais: a relação entre Filosofia e Literatura e as
indicações que a Filosofia tem feito, ao longo do tempo, acerca da felicidade.
Dessa
maneira, você terá oportunidade de comparar e relacionar a produção literária
com a filosófica e será convidado a pensar sobre as diferentes formas de produção
de um discurso filosófico. Enfim, um exercício semelhante ao que você fez ao
estabelecer relações entre a reflexão filosófica e a Ciência nas atividades
propostas anteriormente.
O
tema da felicidade será pensado não apenas por meio de tradição filosófica, a partir
de teorias como o epicurismo e o estoicismo, mas também pela experiência vivencial.
Com
a discussão desses temas, espera-se contribuir para que você se sinta mais preparado
para ler, interpretar e dar significado às diferentes produções humanas.
E
também para efetivar novas formas de experimentar e buscar as condições éticas para
viver e conviver, formas estas que permitam a conquista da felicidade nas suas diferentes
dimensões.
Este
texto propõe o estudo de dois temas centrais: a relação entre Filosofia e
Literatura e entre Filosofia e Felicidade.
FILOSOFIA E LITERATURA
Nas
primeiras páginas, você vai entrar em contato com aproximações e diferenças
entre Filosofia e Literatura e, assim, conhecer um pouco mais as
características do discurso filosófico.
Deus triste – o modo de dizer da
Filosofia
Leitura e Análise de Texto
Deus triste
Deus é triste.
Domingo descobri que Deus é triste pela
semana afora e além do tempo.
A solidão de Deus é incomparável.
Deus não está diante de Deus.
Está sempre em si mesmo e cobre tudo [tristinfinitamente.
A tristeza de Deus é como Deus: eterna.
Deus criou triste.
Outra fonte não tem a tristeza do homem.
ANDRADE, Carlos Drummond de. Deus é
triste In: As impurezas do branco. Rio de Janeiro: Record. Carlos Drummond de
Andrade © Graña Drummond. <http://www.carlosdrummond. com.br>.
1
- Leia com atenção o poema e, em folha à parte, escreva um breve texto
filosófico que contemple as ideias nele presentes. O desafio é você elaborar um
texto de Filosofia sobre o tema do poema.
2
- Atividade oral: compare o seu texto com os dos colegas de seu grupo. Destaque
diferenças e semelhanças e verifique se conseguiram aproximar-se de um modo de escrever
da Filosofia.
R.
Argumentação reflexiva; esforço de identificar causas dos fenômenos;
questionamento aprofundado e radical sobre diversos temas da realidade
sociocultural e também sobre processos de construção de conhecimentos.
3
- Atividade escrita: compare agora os textos de Filosofia escritos por você com
o poema. Registre as diferenças em folha à parte.
R.
É preciso que sejam destacadas na comparação marcas próprias do poema e do
texto do aluno, o qual deve chegar próximo à construção de texto filosófico,
com argumentos reflexivos e afirmações que explicitem a busca de respostas para
cada questionamento.
Leitura e Análise de Texto
A leitura dos textos filosóficos
“Queremos
aqui caracterizar aquelas produções textuais que classificamos como textos de
Filosofia. Num romance, como Madame Bovary, os personagens são seres humanos,
reais ou fictícios, como Ema Bovary, Monsieur Homais, o Doctor Bovary etc. No
texto filosófico, os personagens são as teses defendidas. Essas teses estão
apoiadas sobre argumentos. O texto filosófico é um texto de tipo argumentativo.
Mas essa é ainda uma caracterização muito geral, pois um ensaio sociológico, um
editorial de jornal, um sermão, são também textos argumentativos. De maneira
que essa descrição é insuficiente, a menos que precisemos, com mais exatidão,
quais são os traços específicos da argumentação filosófica. O que dificulta ir
além daquela caracterização muito geral é o fato de o discurso filosófico
manifestar-se através de uma grande variedade de gêneros textuais diferentes2.
Antes
de Sócrates, a Filosofia usou como forma de expressão a poesia, e ainda no
período romano-helenístico encontramos De rerum natura, de Lucrécio, como
exemplo de poema filosófico. Platão e também Aristóteles usaram o diálogo como
veículo para expressar suas ideias. O diálogo filosófico está presente até na
Idade Moderna, lembremos, por exemplo, o Diálogo sobre a conexão entre as
ideias e as palavras, de Leibniz, e os Três diálogos entre Hilas e Filonius, de
Berkeley. As cartas têm servido como instrumento de expressão de ideias
filosóficas. Podemos citar exemplos célebres como a correspondência entre Leibniz
e Clark sobre a natureza do espaço e do tempo, a correspondência entre Leibniz
e Arnauld sobre a noção de substância, as cartas a Lucílio de Sêneca etc. A
autobiografia tem sido usada para expressar concepções filosóficas, assim são
As confissões, de Santo Agostinho, e as de Rousseau. Os filósofos também se
apropriaram do gênero apologético e, como mostra disso, encontramos a Apologia
de Sócrates, de Platão, A cidade de Deus, de Santo Agostinho, e Os pensamentos,
de Pascal. O tratado científico foi introduzido por Aristóteles como gênero textual
para a expressão de filosofemas. Existem também textos filosóficos formados a
partir de aforismos, como o Tractatus, de Wittgenstein. Em face dessa grande
variedade de gêneros textuais usados pelos filósofos, perguntamo-nos sobre a
justificativa para colocar produções pertencentes a gêneros tão diferentes sob
o rótulo comum de texto filosófico.
Podemos,
então, afirmar o seguinte: parece difícil apontar a priori um conjunto de
marcas necessárias e suficientes que outorguem uma especificidade ao texto
filosófico.
Não
podemos definir o texto filosófico por meio de uma cláusula do tipo ‘texto
filosófico é ABC e somente aquilo que seja ABC... poderá ser chamado de texto filosófico’.
No entanto, pensamos que, malgrado a impossibilidade de definir diretamente o
que é um texto filosófico, podemos obter luz sobre o nosso tema, comparando o discurso
filosófico com outros tipos de discursos: o científico, o jurídico, o teológico
e o literário.
Diferenciar
a Filosofia da Literatura é mais difícil, e tememos que qualquer critério de
demarcação que seja dado entre as duas disciplinas possa ser sempre impugnado.
Platão
considerava que a Poesia busca comover e que a Filosofia procura a verdade3. O
bom poeta, segundo ele, é aquele que sabe provocar em nós as emoções
apropriadas.
Aristóteles
considerava o discurso poético como aquele que representa coisas fictícias como
possíveis, enquanto a Filosofia é um discurso que expressa o que é, da forma
que ele é. Ou, dito de outra forma, o discurso filosófico descreve como é o que
existe4.
Hegel
considerava que a arte representa o universal sob a forma da sensibilidade, ao
passo que a Filosofia representa o universal sob a forma de conceito5.
Agamêmnon
representa a hybris ou desmesura comum a vários governantes;
Antígona
e Creonte, o conflito entre a razão de Estado e a piedade familiar;
Dom
Quixote, o espírito sonhador e aventureiro. Personagens da literatura
representam conceitos ou situações universais. Então, baseados naqueles três
filósofos, podemos dizer que o discurso literário se diferencia do filosófico
pelo fato que: I) ele busca suscitar em nós emoções; II) ele tem um caráter
fictício; III) ele representa situações universais (o universal) sob a forma de
um conjunto de representações individuais.”
Em
grupo, discuta:
Destaque
uma diferença apontada no texto entre Literatura e Filosofia.
Das
diferenças apontadas no texto, uma é o caráter fictício da literatura,
lembrando-se de que filósofos podem fazer uso de situações fictícias para
construir argumentação. Outra das diferenças é que o discurso da literatura
busca provocar emoções, e o da filosofia suscita reflexões.
Segundo
o texto, por que é difícil distinguir a diferença entre Filosofia e Literatura?
A dificuldade reside justamente no fato de que a literatura também provoca reflexões,
e o texto filosófico muitas vezes faz uso de narrativas fictícias para seus argumentos.
Jean-Paul
Sartre (1905-1980) foi um filósofo que fez da literatura um meio de expressão
para seu pensamento filosófico. Ele escreveu o romance A náusea, de 1938, e
também uma trilogia de romances: A idade da razão, de 1945, Sursis, de 1947, e
Com a morte na alma, de 1949. Outro filósofo que escolheu a literatura para
expor seu pensamento educacional foi Jean-Jacques Rousseau (1712-1778) em sua
obra ficcional Emílio ou Da Educação, de 1762.
PESQUISA INDIVIDUAL
Pesquise
outros filósofos que se expressaram por meio da literatura e registre em folha
à parte o nome dos filósofos e suas principais obras literárias.
A FELICIDADE SEGUNDO O ESTOICISMO E O EPICURISMO
Nestes
textos, serão analisadas duas teorias da história da Filosofia que ajudam a pensar as questões da felicidade.
Por meio de leituras e reflexões você vai compreender essas teorias.
Reunido
com seus colegas, responda:
1.
O que é felicidade para você? Apresente uma definição.
2.
O que é preciso para ser feliz no mundo de hoje?
3.
E quanto a você, considera-se feliz? Por quê?
4.
As frases a seguir traduzem pensamentos do senso comum a respeito da
felicidade. Comente-as, posicionando-se em relação a elas e justificando seus
argumentos.
a)
Felicidade não existe. Só existem momentos felizes.
b)
O dinheiro não traz felicidade.
c)
A felicidade está dentro de cada um de nós.
Leitura e Análise de Texto
A felicidade como tema da Filosofia
Se há algo nesta
vida que todos, sem exceção, desejamos, sem dúvida, é ser feliz.
Quem
nunca se perguntou: O que é a felicidade? O que é preciso para alcançá-la? Ela existe
realmente, ou podemos ter apenas momentos felizes?
Se
procurarmos no dicionário, veremos que a felicidade é identificada como o
“estado de uma consciência plenamente satisfeita; satisfação, contentamento,
bem-estar”.
Mas
será que basta para ser feliz satisfazer a consciência? O “bem-estar” a que se
refere a definição acima não implica, também, outros níveis de satisfação,
como, por exemplo, a das condições materiais básicas, necessárias a uma vida
digna e confortável? O Dicionário Básico de Filosofia parece ampliar um pouco a
noção de felicidade, concebendo-a como: “Estado de satisfação plena e global de
todas as tendências humanas”. Como, porém, atingir tal grau de satisfação? Isso
é possível?
Desse
modo, a questão da felicidade não é tão simples como à primeira vista pode
parecer. Enfrentá-la exige reflexão cuidadosa, sistemática, profunda e crítica,
ou seja, precisa da ajuda da filosofia. E, de fato, ao longo da história da
Filosofia ela foi objeto da preocupação de inúmeros pensadores, que, instigados
por questões como as enunciadas acima, se aventuraram a apontar alguns caminhos
que, na visão deles, poderiam levar à felicidade.
Nestes
textos, vamos estudar duas correntes filosóficas que se ocuparam desse tema – o
estoicismo e o epicurismo – e que surgiram em um mesmo momento histórico: o
período romano-helenístico. Elas foram escolhidas em virtude de estarem entre
as que exerceram e continuam a exercer grande influência sobre nossa cultura,
contribuindo significativamente para a formação das ideias que temos acerca da
felicidade. Para compreendê-las melhor, porém, é importante recordar brevemente
o que foi esse período histórico.
Tradicionalmente,
o helenismo foi o processo de fusão da cultura grega com a dos povos orientais,
com predomínio da primeira sobre a última, fusão esta propiciada pelas conquistas
de Alexandre Magno. Esse processo teve início com a tomada da Grécia pela
Macedônia, no século IV a.C., marcando o fim da época clássica.
Do
ponto de vista político, a principal consequência da invasão macedônica foi a dissolução
da pólis, isto é, da cidade-Estado grega, que, pouco a pouco, foi perdendo sua autonomia.
Antigas instituições, como a assembleia dos cidadãos e a democracia ateniense, deixaram
de existir. Não havia mais espaço para a participação ativa dos cidadãos nas
decisões mais importantes da vida da população. A rigor, não havia mais
cidadãos, no sentido pleno da palavra, mas apenas “súditos” de um monarca estrangeiro.
As cidades outrora soberanas eram, agora, subjugadas por uma potência invasora.
No
século II a.C. foi a vez de Roma conquistar a Grécia, transformando-a em
província do Império Romano e subtraindo-lhe definitivamente a liberdade.
Nesse
contexto tumultuado, de decadência da pólis e dos valores políticos e morais tradicionais,
de perda da liberdade, de sincretismo e de conflitos culturais causados pelo contato
com outros povos de tradições e crenças diferentes, de insegurança constante
provocada pela dominação estrangeira, de medo da morte iminente, enfim, neste
ambiente de crise generalizada, era natural que a Filosofia também sofresse
significativas transformações, mudando o foco de suas preocupações.
De fato, no
período clássico a política era um dos temas centrais da reflexão filosófica.
Basta lembrar a importância fundamental
que ela tivera para Sócrates, Platão e Aristóteles, que se ocuparam de questões
de natureza essencialmente política, tais como: “Qual a melhor forma de
governo?”; “O que é uma cidade justa?”; “Quais as virtudes que devem prevalecer
na pólis?”; “Como deve ser a educação dos cidadãos?”; “Que papel cumprem as
leis?” No helenismo, por outro lado, os assuntos políticos são postos de lado,
cedendo lugar às questões da vida privada e interior de cada indivíduo,
especialmente aos problemas morais. Agora, o que se espera da Filosofia é que
ela aponte caminhos (por exemplo, por meio da indicação de regras morais
práticas) para a eliminação do sofrimento humano e para a conquista da felicidade,
ambos, sofrimento e felicidade, entendidos como problemas meramente
individuais, subjetivos.
Assim,
a felicidade passa a ser um tema central da Filosofia, como resultado das
condições impostas pela nova realidade social, política e cultural vivida pelos
gregos naquele momento histórico.
Para
refletir:
1.
Como se pode explicar a mudança de eixo que ocorre com o helenismo?
2. Você
considera que a Filosofia pode contribuir para o enfrentamento do problema da
felicidade? Exercício
O
fragmento a seguir é conhecido como Oração da serenidade. Dialogando com seus
colegas, analise-o cuidadosamente e responda, individualmente, às questões em
seu caderno.
“Concede-me,
Senhor, a serenidade necessária para aceitar as coisas que não posso modificar,
coragem para modificar as que eu posso e sabedoria para distinguir umas das outras.”
Frase atribuída a Reinhold Niebuhr.
1. Há coisas que não podemos modificar e há coisas que podemos? Quais são elas?
1. Há coisas que não podemos modificar e há coisas que podemos? Quais são elas?
2.
Como podemos distinguir umas das outras?
3. O que significa aceitar com serenidade as coisas que não podemos modificar?
3. O que significa aceitar com serenidade as coisas que não podemos modificar?
Leitura e Análise de Texto
O estoicismo e a felicidade como resignação
O
nome estoicismo vem do termo grego stoa, que significa “pórtico”. Isso porque Zenão
de Cício, fundador dessa escola filosófica, costumava ensinar nas proximidades
do Pórtico de Poikilé (o qual fora ornamentado pelo pintor Polignoto), em
Atenas.
Trata-se
de uma corrente de pensamento que se estendeu do século IV a.C. ao século II
d.C., e que repercute até os dias atuais.
Deixando
de lado algumas diferenças entre os pensadores do estoicismo, podemos dizer que,
de modo geral, para os estóicos existe uma Razão Divina (o Logos, ou Deus) que
rege todo o universo, imprimindo-lhe uma ordem necessária (isto é, que não pode
ser de outro jeito) e perfeita. Este Logos, ou Deus, entretanto, não é um ser
pessoal e transcendente que existiria em algum lugar fora do mundo e de onde
exerceria seu governo sobre a natureza e os seres humanos. Antes, trata-se de
um Deus imanente, ou seja, inseparavelmente integrado ao mundo físico e
material. Daí a ideia de que Deus está em tudo, Deus é tudo. É a doutrina do
panteísmo, segundo a qual Deus e o universo são concebidos como realidades intrinsecamente
entrelaçadas ou mesmo como “uma única realidade integrada”.
Ora,
se a ordem do universo é regida por um Deus imanente, e se esse Deus é identificado
com o Logos, isto é, com a Razão, pode-se concluir que há no universo (repleto do
Deus-Logos) uma ordem racional necessária e perfeita. Em outras palavras, as
coisas são (e não poderiam deixar de ser) como a Razão Divina quer que elas
sejam. Por isso, elas são precisamente como devem ser e como é bom que sejam.
Se um determinado acontecimento – por exemplo, uma doença –, visto
isoladamente, parecer sinal de imperfeição ou irracionalidade, tomado em sua
articulação com o todo, veremos que, na realidade, contribui para a realização
da perfeição desse todo.
Há,
portanto, no estoicismo certa noção de Providência Divina, embora não no
sentido de uma providência transcendente, praticada por um Deus pessoal, como
no Cristianismo, por exemplo. A providência dos estóicos assemelha-se mais à
ideia de Destino, no sentido de que, se tudo deriva do Logos Divino, então tudo
é necessário, ou seja, tudo é como deve ser, sem nenhuma possibilidade de que
seja de outro jeito. E é bom que seja assim, visto que a origem, em última
instância, está em Deus, na Razão Divina.
Mas,
se tudo é necessário, como fica a liberdade humana? Para os estoicos, a
verdadeira liberdade, aquela praticada pelos sábios, consiste em adequar a
vontade ao Destino, desejando aquilo que ele prepara para cada um. Afinal, se o
destino é obra da Providência Divina e se Deus é o Logos, então desejar o que o
Destino traz é o mesmo que se deixar guiar pela Razão Divina. E isso é
sabedoria.
Essa
é a chave para a felicidade, segundo o estoicismo. Se desejarmos algo contrário
ao nosso destino e que, portanto, não poderemos alcançar, certamente ficaremos
frustrados e infelizes. Por outro lado, se conformarmos nossa vontade ao
Destino, desejando apenas o que efetivamente está ao nosso alcance, nossas
chances de felicidade serão muito maiores.
A
felicidade, para o estoicismo, consiste também em buscar o bem, isto é, a
virtude, e evitar o mal, ou seja, o vício. Bem e mal, portanto, são entendidos
num sentido puramente moral. As coisas relativas ao corpo, independentemente de
serem nocivas ou saudáveis, não são em si boas nem más, mas indiferentes. Como
explica Zenão: “Os entes dividem-se em bons, maus e indiferentes. Bons (os
bens) são os seguintes: inteligência, temperança, justiça, fortaleza e tudo
aquilo que é virtude ou participa da virtude. Maus (ou males) são os seguintes:
idiotice, dissolução, injustiça, vileza e tudo aquilo que é vício ou participa
do vício. Indiferentes são: a vida e a morte, a celebridade e a obscuridade, a
dor e o prazer, a riqueza e a pobreza, a doença e a boa saúde, e coisas
semelhantes a estas.”
Além
disso, como diz Epicteto, a felicidade também está ligada à nossa capacidade de
discernir entre as coisas que dependem de nós e as que não dependem, buscando
apenas as primeiras e permanecendo indiferentes em relação às segundas. Caso
contrário, seremos infelizes, pois não temos poder algum sobre as coisas que
não dependem de nós. Nas palavras do autor: “Sob nosso controle estão as nossas
opiniões, aspirações, desejos e as coisas que nos causam repulsa ou nos
desagradam. Essas áreas são justificadamente da nossa conta, porque estão
sujeitas à nossa influência direta. Temos sempre a possibilidade de escolha
quando se trata do conteúdo e da natureza de nossa vida interior.
Fora
do nosso controle, entretanto, estão coisas como o tipo de corpo que temos, se nascemos
ricos ou se enriquecemos de repente, a maneira como somos vistos pelos outros ou
qual é a nossa posição na sociedade. Devemos lembrar que essas coisas são
externas e, portanto, não dependem de nós. Tentar controlar ou mudar o que não
podemos só resulta em aflição e angústia.
Lembre-se:
as coisas sob nosso poder estão naturalmente à nossa disposição, livres de
qualquer restrição ou impedimento. As que não estão, porém, são frágeis,
sujeitas a dependência ou determinadas pelos caprichos ou ações dos outros.
Lembre-se também do seguinte: se você achar que tem domínio total sobre coisas
que estão naturalmente fora do seu controle, ou se tentar assumir as questões
de outros como se fossem suas, sua busca será distorcida e você se tornará uma
pessoa frustrada, ansiosa e com tendência para criticar os outros.”
A
felicidade, segundo os estóicos, exige também que adotemos uma atitude de
apatia em relação às paixões, pois estas, em geral, são causa de perturbação e
infelicidade para nossa alma. Sentimentos como medo, dor, piedade, inveja,
ciúme, aflição, ansiedade, cobiça, raiva, amor (especialmente quando não
correspondido), ódio, volúpia, entre outros, nos aprisionam, nos atribulam e
nos impedem de ter paz de espírito. Suprimi-los, portanto, é a atitude do sábio
e o caminho para a ataraxia, isto é, o estado de imperturbabilidade da alma
necessário à conquista da felicidade.
Em
suma, a felicidade estóica consiste em não desejar mais do que se pode ter,
conformar-se com o Destino, discernir entre as coisas que dependem e as que não
dependem de nós, tornando-nos indiferentes a estas últimas, e renunciar às
paixões que são causa de dor e sofrimento. É, pois, uma disposição da vontade
individual. Sou eu quem decide ser feliz, disciplinando meus desejos através de
minha razão. Trata-se, portanto, de uma concepção idealista da felicidade, que
desconsidera a influência de fatores externos que a determinam e que, por isso
mesmo, conduz ao conformismo, à resignação, à apatia. Num contexto de tantas
turbulências como o do helenismo, compreende-se por que os preceitos do
estoicismo lograram tamanha aceitação, sobrevivendo com vigor até os nossos
dias.
Responda
às questões em seu caderno.
1.
Quais são as recomendações do estoicismo para a conquista da felicidade? Você
concorda com elas? Justifique.
2.
Você considera que a morte, a saúde, a doença, a beleza, a feiúra, a riqueza, a
pobreza, a escravidão e a liberdade não dependem de nós? Justifique.
Exercícios
1.
Você tem medo da morte? E de Deus? Discuta com seus colegas e justifique, individualmente,
anotando suas ideias em folha à parte.
2.
Caso tenha esses medos, acredita que eles sejam obstáculos à sua felicidade?
Por quê? O que pensam os colegas sobre esse medo?
3.
Para você, que papel tem o prazer na conquista da felicidade?
4.
Você reconhece traços do estoicismo na Oração da serenidade, apresentada
anteriormente? Explicite-os.
5.
Indique pelo menos uma situação do cotidiano que possa ser interpretada à luz
do estoicismo.
6.
Analise o texto a seguir e identifique nele traços de estoicismo. Você concorda
com o preceito por ele expresso? Justifique.
“Não
exijas aconteça como tu desejas aconteça. Antes queiras aconteçam as coisas como
acontecem – e quão feliz, então, não serás tu!”
Leitura e Análise de Texto
A
felicidade segundo o epicurismo
Epicuro
(341-270 a.C.) nasceu na ilha grega de Samos, mas passou boa parte de sua vida em
Atenas, onde fundou uma escola filosófica, mais tarde denominada epicurismo. A
escola funcionava no jardim de sua casa e, por isso, ficou conhecida como “Jardim
de Epicuro”.
Uma
de suas principais preocupações era com a questão da felicidade. Em sua famosa Carta
a Meneceu, ou mais conhecida como Carta sobre a felicidade, ele nos revela
alguns ensinamentos para que a alcancemos e a conservemos ao longo de nossas
vidas.
Logo
de início, ele enaltece a utilidade da filosofia para a obtenção da “saúde do
espírito”, isto é, da felicidade. Isso porque é filosofando que aprendemos a
distinguir entre as coisas que dela nos aproximam e as que dela nos distanciam,
optando pelas primeiras e evitando as segundas. Diz o autor:
“Que ninguém hesite em se dedicar à filosofia
enquanto jovem, nem se canse de fazê-lo depois de velho, porque ninguém jamais
é demasiado jovem ou demasiado velho para alcançar a saúde do espírito. Quem
afirma que a hora de dedicar-se à filosofia ainda não chegou, ou que ela já
passou, é como se dissesse que ainda não chegou ou que já passou a hora de ser
feliz.”
Em
seguida, Epicuro faz algumas recomendações para quem deseja ter uma vida feliz.
Em primeiro lugar, é preciso afastar as falsas opiniões que, em geral, temos
sobre os deuses e que nos levam a temê-los, pois esse temor também é causa de
infelicidade. Por exemplo, a crença de que “eles causam os maiores malefícios
aos maus e os maiores benefícios aos bons”. Para o autor, os deuses existem
realmente, são imortais e bem-aventurados, mas vivem num mundo supra-humano e
em nada interferem em nossa vida, nem para nos socorrer nem para nos castigar.
Por isso, não há motivos para temê-los. Pela mesma razão, preces, sacrifícios e
louvores são inúteis e desnecessários.
Em
segundo lugar, temos de nos libertar do medo da morte, outro obstáculo à nossa felicidade.
E, de fato, segundo Epicuro, não há por que temê-la, pois não temos como saber se
ela é um bem ou um mal. Ora, sabemos se uma coisa é boa ou ruim pelas sensações
que ela nos provoca. A morte, porém, nada mais é do que a ausência de toda e
qualquer sensação. Portanto, a morte não é nada para nós. Na realidade, nunca a
encontraremos, pois enquanto estamos vivos ela está ausente e, quando ela
chegar, nós é que não estaremos presentes, já que não teremos mais nenhuma
sensação. É tolice, portanto, nos angustiarmos pela espera da morte, pois
“aquilo que não nos perturba quando presente não deveria afligir-nos enquanto
está sendo esperado”. Essa consciência de que a morte nada significa para nós é
importante para que aproveitemos melhor a vida enquanto a temos e sejamos felizes
no momento presente. Essa é a atitude do sábio, que nem desdenha a vida (como se
ela fosse um fardo insuportável) nem se apega a ela em demasia (a ponto de
desejar a imortalidade), mas que sabe vivê-la bem. “Assim”, diz Epicuro acerca
do sábio, “como opta pela comida mais saborosa e não pela mais abundante, do
mesmo modo ele colhe os doces frutos de um tempo bem vivido, ainda que breve”.
Em
terceiro lugar, Epicuro recomenda que não acreditemos no destino e na sorte, como
se deles dependesse nossa felicidade, pois essa crença também pode ser motivo
de perturbação de nossa alma: “Nunca devemos nos esquecer de que o futuro não é
nem tolamente nosso nem totalmente não nosso, para não sermos obrigados a
esperá-lo como se estivesse por vir com toda a certeza nem nos desesperarmos
como se não estivesse por vir jamais”.
Em
quarto lugar, precisamos, também, para ser felizes, conhecer bem os nossos
desejos e direcionar nossa escolha para aqueles que contribuem para “a saúde do
corpo e para a serenidade do espírito, visto que esta é a finalidade da vida
feliz”6. O critério dessa escolha é, em última instância, a distinção entre
prazer e dor. De fato, para Epicuro, a principal finalidade da vida humana é o
prazer. Mas não se trata de qualquer prazer:
“Há ocasiões em que evitamos muitos prazeres,
quando deles nos advêm efeitos o mais das vezes desagradáveis; ao passo que
consideramos muitos sofrimentos preferíveis aos prazeres, se um prazer maior
advier depois de suportarmos essas dores por muito tempo.
Portanto,
todo prazer constitui um bem por sua própria natureza; não obstante isso, nem
todos são escolhidos; do mesmo modo, toda dor é um mal, mas nem todas devem ser
sempre evitadas. Convém, portanto, avaliar todos os prazeres de acordo com o
critério dos benefícios e dos danos.”
Além
disso, como nem tudo o que desejamos está ao nosso alcance, devemos aprender a
extrair prazer daquilo que temos, das “coisas simples e fáceis de obter”, em
vez de sofrer pela falta daquilo que não podemos ter. É o que Epicuro chama de
“autossuficiência”.
Para
ele: “Os alimentos mais simples proporcionam o mesmo prazer que as iguarias
mais requintadas, desde que se remova a dor provocada pela falta: pão e água
produzem o prazer mais profundo quando ingeridos por quem deles necessita”.
O
prazer, portanto, para Epicuro não se confunde com a busca irrefletida e desenfrea
da do “gozo dos sentidos”; trata-se, antes, do prazer entendido como “ausência de
sofrimentos físicos e de perturbações da alma”, único capaz de nos proporcionar
a verdadeira felicidade. Nas palavras do autor:
“Não
são, pois, bebidas nem banquetes contínuos, nem a posse de mulheres e rapazes nem
o sabor dos peixes ou das outras iguarias de uma mesa farta que tornam doce uma
vida, mas um exame cuidadoso que investigue as causas de toda escolha e de toda
rejeição e que remova as opiniões falsas em virtude das quais uma imensa
perturbação toma conta dos espíritos.”
Portanto,
o prazer, para ser de fato fonte de felicidade, precisa ser buscado com “prudência”,
que, para Epicuro, é o “supremo bem”, a primeira de todas as virtudes.
Ora,
nada melhor do que a Filosofia para nos ajudar a empreender esse “exame cuidadoso”
que nos permite distinguir as coisas que verdadeiramente nos trazem prazer e as
que nos provocam dor e viver segundo a prudência. Eis, portanto, a importância
fundamental da Filosofia para a conquista da felicidade, segundo Epicuro.
1.
Considerando as situações descritas a seguir, como cada uma delas se relaciona
com a doutrina de Epicuro? Você concorda com as atitudes tomadas? Justifique
sua posição.
a)
Uma pessoa é diabética e, por isso, abstém-se de comer doces.
b)
Os encarcerados decidem fazer greve de fome para chamar a atenção da população
e das autoridades para o problema da superlotação da penitenciária.
c)
O jovem deixa de viajar com os amigos no feriado prolongado para estudar para o
vestibular.
d)
O pai desempregado corta gastos supérfluos para garantir o que é básico para a
sobrevivência da família.
e)
A jovem diz “não” ao namorado por ele insistir em não usar preservativo.
2.
Descreva, em seu caderno, uma situação vivida ou presenciada por você na qual
tenha ocorrido a privação deliberada de um prazer a fim de evitar um
sofrimento, ou alcançar um prazer ainda maior. Você concorda com essa atitude?
Justifique.
3. Em seu
caderno, resuma os conselhos de Epicuro para se alcançar a felicidade.
4.
Que papel Epicuro atribui à Filosofia na busca da felicidade? Você concorda com
ele? Justifique.
5.
Cite e explique, em seu caderno, pelo menos três recomendações de Epicuro que
mostrem como chegar à felicidade. Você concorda com elas? Por quê?
6.
Você concorda com as concepções de felicidade do estoicismo e do epicurismo?
Justifique em seu caderno.
PESQUISA INDIVIDUAL
Escolha
uma música de sua preferência que fale sobre felicidade. Transcreva a letra, em
folha à parte, e leve-a para a sala de aula para discutir com seus colegas o
conceito de felicidade adotado pelo compositor.
Prof. Manoelito
Adorei essa frase: "Nunca devemos nos esquecer de que o futuro não é nem tolamente nosso nem totalmente não nosso, para não sermos obrigados a esperá-lo como se estivesse por vir com toda a certeza nem nos desesperarmos como se não estivesse por vir jamais”. As vezes me pergunto porque as felicidade é algo tão difícil, pessoas bem sucedidas muitas vezes não se consideram felizes, enquanto umas com tão pouco sempre estão com um sorriso no rosto e um otimismo contagiante.
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