O objetivo do texto é problematizar os aspectos simbólicos e filosóficos da cultura. Para isso, iniciaremos a abordagem com a leitura do mito de Eros, constante no diálogo platônico O banquete; em seguida, trataremos do pensamento de Ernest Cassirer. Com isso, vamos refletir sobre alguns problemas relativos ao conceito de cultura. Enfim, debateremos os conceitos de etnocentrismo, relativismo cultural e alteridade.
O que é o
amor? Poetas e filósofos da Grécia Antiga, no período que abarca os séculos
VIII, VII e VI a.C., registraram diferentes interpretações para compreender o
amor e sua importância para os seres humanos. Hesíodo, poeta grego do século
VIII a.C., escreveu a obra Teogonia, na qual descreve em poemas a origem dos
deuses gregos. Para ele, o deus do amor, Eros, era filho do primeiro deus
manifesto no mundo: Caos. No poema de Hesíodo, Eros é um deus de extrema beleza
e capaz de organizar o mundo, fazendo com que os seres saiam do caos e
construam o cosmo. Em grego antigo, “caos” significa o início sem ordem, e
“cosmo” é o mundo organizado. Eros é o deus capaz de unir os seres e de
organizar o mundo.
Porém, na
própria Antiguidade grega, há outra interpretação para a origem e o papel desse
deus. Posterior à obra de Hesíodo, outro modo de interpretar o amor está
registrado no diálogo O banquete, de Platão. A obra nos conta que, no mesmo dia
em que nasceu Afrodite, deusa da beleza, Poros e Penia se encontraram e conceberam
Eros, deus do amor sensual. A vida desse deus é marcada pela necessidade da
presença e da posse de um outro. Para suprir essa carência constante, Eros
conta com sua extraordinária inteligência, e, por ter nascido no mesmo dia em
que Afrodite, com uma beleza incomum, qualidades que, combinadas, o habilitam a
seduzir, conquistar e dominar os que despertam a sua paixão. A associação de
Eros à deusa Afrodite foi interpretada por poetas posteriores a Hesíodo como
uma relação de mãe e filho. Há uma tradição bastante divulgada sobre a
Mitologia grega que apresenta Eros como filho de Hermes e Afrodite.
O
banquete (o amor, o belo)
Por
ocasião do nascimento de Afrodite, os deuses celebraram com uma grande festa e,
entre eles, estava Porus (a Abundância), filho de Métis. Após a ceia, Penia (a
Penúria), percebendo tanta fartura, veio mendigar as sobras e encostou-se junto
à porta. Porus, embriagado pelo néctar dos deuses, já que o vinho ainda não
havia sido inventado, entra no jardim de Zeus e cai em sono profundo. Penia,
desejosa de gerar um filho de Porus para superar sua situação de penúria,
deita-se junto a ele e, nesse encontro, Eros é concebido. Eros é, portanto,
seguidor e servo de Afrodite, pois foi concebido no dia do nascimento dessa deusa,
e também por ser naturalmente um amante de tudo o que é belo, e Afrodite era
bela. E por ser filho da Penúria e da Abundância, Eros partilha da natureza e
do destino de seus pais. Ele é eternamente pobre, e longe de ser delicado e
belo como imaginado pelos homens, é esquálido e enrugado; seu voo é raso junto ao
chão e ele não tem morada ou sapatos; dorme ao relento junto aos umbrais das
portas, em ruas desprotegidas; possuindo, assim, a mesma condição de sua mãe,
ele é eternamente insaciável.
Mas,
visto que traz algo de seu pai, ele está sempre a fazer planos para obter
coisas que sejam boas e belas; ele é destemido, veemente e forte; um caçador
cruel, sempre está a tramar novas armadilhas; extremamente cauteloso e
prudente, possui inúmeros recursos; é também, ao longo de toda sua existência,
um filósofo, um poderoso sedutor, um mago e um sofista sutil. E, por não ser
nem mortal nem imortal, no mesmo dia em que pode ser bem-aventurado e
bem-sucedido, ele irá simultaneamente florescer e morrer para, em seguida, e de
acordo com a natureza de seu pai, renascer novamente. Tudo o que conquista,
escapa-lhe continuamente, de tal modo que Eros não é jamais rico ou pobre, e
encontra-se permanentemente em um estado intermediário entre a ignorância e a
sabedoria. PLATÃ O. O banquete (o amor, o belo).
O mito é uma
forma de explicar o mundo, uma forma de pensamento tão válida quanto a
Filosofia ou a religião. O que o mito tem de peculiar, e o que o torna
interessante, é que ele explica as coisas com narrativas, simbólicas, acerca
das origens – do mundo, dos deuses, dos homens, da sociedade. Ele dá um
sentido, portanto, a realidades difíceis de entender ou mesmo incompreensíveis:
a vida, a morte, o amor, a guerra, e assim por diante. Em um sentido mais
amplo, a palavra “mito” é utilizada para se referir, positivamente, a pessoas
ou feitos marcantes ou memoráveis; e negativamente, a noções falsas que passam
por verdadeiras. Vocês conhecem mitos que correspondam a cada um desses
sentidos – o propriamente mitológico, o sentido heroico e o sentido de
negativo? No livro A filosofia das formas, de Ernest Cassirer (2004), o
filósofo desenvolve uma profunda reflexão sobre os mitos. Para ele, o mito
seria a primeira forma de interpretação do mundo, o que deu lugar, depois, à
religião, sem que esta lhe seja superior. Todo o contato do homem com a
natureza e com os outros homens é realizado por meio de símbolos, que, por sua
vez, colaboram na construção dos mitos. O homem toca o mundo pelos signos, ele
os inventa e deles tira o sentido das coisas. Desde os primórdios da história,
o homem acredita e representa suas crenças e suas visões do mundo. Os símbolos
são a forma que o homem usa para representar sua vida. Por exemplo:
ü Quando falamos à pessoa amada “Você
é tudo de que meu coração precisa”, é fácil entender que estamos dizendo que a
amamos e que sofreremos se não formos correspondidos;
ü Quando uma criança pega algum
objeto que estava no chão e coloca na boca, dizemos “caca!” – usamos um símbolo (uma palavra) que
representa a sujeira.
Os símbolos
são amplamente partilhados, mas também podem ser muito pessoais, e o mesmo
acontece com os significados. Lembre-se de que os signos são a representação
dos sentidos de algo: pode ser uma imagem, um som, um cheiro, um sabor, um
gesto, uma temperatura, uma dança. O significado é o “conteúdo” desse signo, a
ideia que está por trás daquilo que se apresenta para as pessoas ou para si
mesmo. Ainda que Cassirer faça uma
crítica ao tipo de uso que Platão fez do mito, podemos perceber que se trata de
uma narrativa simbólica, e que cada símbolo ou signo corresponde a um ou mais
significados no mundo.
Dos mitos à cultura - Nesta etapa, será discutido o
conceito de cultura, principalmente com base no livro A ideia de cultura, de
Terry Eagleton (2005). Para começar, vamos discutir a seguinte questão: Quem
governa a sua vida, seus impulsos ou suas ideias?
Cultura versus natureza - A palavra “cultura” nos remete a
duas possibilidades. Uma, que é entendida como o acúmulo de conhecimentos e
outra, que é entendida como ação dos homens sobre a natureza por meio do
trabalho. O conceito de cultura é
derivado da natureza, em especial do ato de cultivar uma lavoura. Por isso, a
cultura tem seu início absolutamente material, passando, mais tarde, a ser
entendida como atividade do espírito, principalmente como atividade dos homens
urbanos, não mais do meio rural. O indivíduo culto não é mais o lavrador, e sim
o estudioso da cidade. Nessa concepção mais tradicional de cultura, ela aparece
como relação do homem com a natureza – a cultura pertence ao mundo dos homens e
é a sua forma de vencer os descaminhos e os sofrimentos causados pela natureza;
a cultura está no mundo do espírito humano e deve, por seu turno, colonizar
quem está próximo à natureza e distante do mundo intelectual.
Liberdade e determinismo - Se retomarmos a questão registrada
acima, temos aqui uma importante reflexão. Quem nos governa: a natureza ou
nossas ideias? Nosso corpo ou nosso pensamento? Dessa maneira, a cultura pode
significar o uso da liberdade, enquanto a natureza pode significar o
determinismo biológico. Ao imaginar,
sonhar, planejar, escrever, trabalhar, conduzir, governar, rezar ou se
divertir, o homem exerce sua liberdade, enfrenta os imprevistos e as
dificuldades causadas pela natureza, prevê condições de alívio e consola-se
diante do inevitável ou das suas derrotas. O homem percebe seu lugar de origem,
sua identidade e, ao mesmo tempo, compreende que pode mudar e ter suas raízes
autotransportadas. A natureza
estaria apenas posta diante dos homens, exigindo deles não mais que uma vida
animal, submetendo-os aos destinos dos que não pensam antes de agir, dos que
não imaginam nem planejam uma vida mais significativa. A natureza impõe o
corpo, a fome, o impulso sexual, a necessidade de saciar a sede, a doença, o
cansaço, o calor e o frio. Com ela, o destino do homem está traçado. Um destino
nada significativo, assim como a vida e a morte de qualquer animal.
A cultura em transição com a natureza - Um dos atos culturais por
excelência é a arte. Seria possível imaginá-la sem a natureza? Como pensar um
quadro paisagístico sem a paisagem e sem o material como a tela e a tinta, que
se originam na natureza? Uma música sem paixão? Um marceneiro sem madeira? Um
escultor sem pedra ou metal? Segundo essa concepção, natureza e cultura estão
em acordo recíproco. Por isso, o
homem não é fruto determinado de seu ambiente; ele é livre, mas é intimamente
influenciado pela natureza. Voltando ao exemplo da arte, por mais livre que
seja um pintor, ele
estará, ao mesmo tempo, limitado e inspirado por seus instrumentos – o tipo de
pêlo animal de seu pincel, o tipo de pigmento de sua tinta, a paisagem, o
objeto ou o corpo que quer representar. Limitado, porque talvez não consiga
transmitir para a tela seus sentimentos mais profundos; inspirado, porque sabe
que pode fazer algo cada vez mais belo, com base naquilo que a natureza lhe
oferece, porque domina sua técnica, avança em seus limites, diz o que ainda não
foi dito, ou reproduz o já expresso de um modo próprio. Assim, convém relativizar a ideia naturalista, que afirma ser a
cultura uma expressão da natureza e sua determinação, o que devemos fazer
também com o idealismo, pois as ideias estão associadas diretamente ao ambiente
em que as pessoas vivem. O fazer e o natural estão, portanto,
indissociavelmente ligados.
A cultura é uma construção de si mesmo - Quando pensamos que a cultura
constrói cada um de nós, o nosso eu, podemos supor uma divisão: o eu inferior e
o eu superior. Nessa relação, a natureza estaria no eu inferior, como desejo e
paixão, e a cultura estaria no eu superior, como vontade e razão. Desse modo, a natureza não estaria
apenas em nosso corpo ou em nosso entorno. Ela está no mais íntimo de cada um
de nós. Mesmo assim, ela não seria capaz de nos saciar, porque não poderíamos
viver apenas de desejos e porque, se isso fosse possível, não precisaríamos de
cultura. A cultura é uma necessidade física e subjetiva de cada indivíduo. Por essa ideia de cultura, podemos
entender que somos capazes de nos inventar, já que estamos sempre nos fazendo.
Assim, por exemplo, uma pessoa culta é aquela que inventou um ser para si. Por exemplo, se alguém quiser ser
roqueiro, o que deve fazer? No mínimo, deve aprender a escutar rock, conversar
com quem entende do assunto, ler sobre ele, aprender a tocar algum instrumento.
O indivíduo não nasceu roqueiro; ele se inventou, criou uma forma pessoal de
ser. Do mesmo modo, qualquer um de nós pode se inventar. Caso não nos
inventemos, estaremos determinados pelo mundo que nos rodeia. Podemos ser
pessoas pacientes, agradáveis, chatas; enfim, tudo é questão de escolha e
atividade cultural. Mas nem sempre se inventar é fácil. Somos uma espécie de
planta que precisa ser cultivada por nós mesmos.
Cultura e estado - Para discutirmos a relação entre cultura e Estado, é
preciso entender o conceito de Estado: A palavra Estado, grafada com inicial maiúscula, é uma forma organizacional
cujo significado é de natureza política. É uma entidade com poder soberano
para governar um povo dentro de uma área territorial delimitada. As funções
tradicionais do Estado englobam três domínios: Poder Executivo, Poder
Legislativo e Poder Judiciário.
Numa nação, o Estado desempenha funções políticas, sociais e econômicas. Além
de nós e das influências que recebemos de outras pessoas, quem pode nos ajudar
a nos inventar? Com certeza, não é partindo do nada que imaginamos o que
queremos ser ou nos tornar. Por isso, precisamos da ajuda ou do exemplo dos
outros. Assim, se alguém quiser ser ator, necessitará de apoio para isso, desde
o financeiro até o incentivo para o exercício da arte de representar. Ora, o
Estado brasileiro tem o dever de ajudar as pessoas a se formar como cidadãos,
como repetimos exaustivamente. No entanto, a mera repetição dessa ideia produz
resultados infinitamente pequenos. É preciso considerar outros campos de
atuação estatal que incluem, por exemplo, a regulamentação dos meios de
comunicação, as políticas educacionais e os incentivos artísticos e culturais.
Nessa concepção, a cultura é o que está entre a maquinaria do Estado e a
sociedade civil, criando tensões e, ao mesmo tempo, produzindo unidades entre
um e outro. Do ponto de vista do Estado, a cultura deve ser civilizadora, isto
é, deve fazer com que as pessoas se tornem mais sociáveis.
Conceito de cultura - Em geral, podemos dizer que a
cultura é a ação dos homens com ou sobre a natureza, por meio da objetivação da
consciência (Hegel), pelo trabalho em sociedade (Marx), pela instituição de
símbolos (Cassirer), por uma lei simbólica (Lévi-Strauss), por meio do contrato
social (Rousseau), por meio da educação (Cícero). Em síntese, essa ação produz
técnicas, valores, conhecimentos, ideias, religiões, artes e tudo o que
circunscreve o mundo humano. Leiam o texto de ROUSSEAU, disponível no caderno
do aluno, para maior compreensão do conceito de cultura.
Etnocentrismo, relativismo e alteridade - Existem diversas culturas, já que
existem diversas maneiras de agir e de interpretar o mundo, dando sentido às
coisas. Essas culturas mantêm contato entre si, mas nem sempre esse contato é
algo com que todos saem ganhando. Isso ocorre porque muitas culturas se sentem
superiores a outras, o que implica diversas maneiras de ver o mundo. Quando um
grupo se acha superior a outro, no sentido cultural, chamamos isso de
etnocentrismo. Todas as vezes em que há uma ação etnocêntrica, deflagram-se
várias formas de violência. Por causa do etnocentrismo, por exemplo, os
europeus se sentiram superiores aos povos americanos e africanos,
submeteram-nos à escravidão e à pilhagem e impuseram sua cultura, em especial a
religião. Além disso, internamente, cada país tem muitas culturas e também
várias religiões.
A principal
área de conhecimento que estuda outras culturas é a Antropologia. Por ela,
aprendemos não apenas o que é o etnocentrismo, mas a importância de pensar o
outro como diferente de nós, como alguém que tem muito a nos ensinar e muito a
aprender conosco. Para que isso ocorra e se reduzam as tensões entre diferentes
culturas, temos de dar o passo mais importante, na direção do relativismo. O
que chamamos de relativismo é a ideia de que todos os valores são criados em
meio ao processo cultural das sociedades. Por isso, todo julgamento que fazemos
decorre de nossa cultura, e assim como cada um vê o outro de uma forma, nós
também somos vistos e considerados com base em nossa própria cultura.
E qual seria
a diferença entre opinião e cultura? Opinião é uma fala pessoal, enquanto a
cultura precede as opiniões e é partilhada por um grupo de pessoas. Qual é a
melhor cultura? É possível haver uma cultura melhor do que as outras? Para que
fosse possível responder e apontar uma cultura superior, teríamos de assumir
uma postura etnocêntrica. Atualmente, é comum ouvir que algumas culturas são
tecnologicamente mais desenvolvidas do que aquelas industrializadas e rurais,
apontando-se as primeiras como melhores. No entanto, pode-se perguntar: O que é
mais importante, ter tecnologia ou ter igualdade de fato? Outro problema
importante surge quando nos colocamos uma questão simples: Como agir em relação
aos outros? A maneira mais recomendada é pela alteridade, isto é, pela
valorização de tudo aquilo que é do outro e diferente de nós.
1.
Qual
o objetivo do tema?
2.
Explique
o deus do amor, segundo Hesíodo.
3.
Explique
Eros No poema de Hesíodo.
4.
Como
Platão interpreta o amor no diálogo “O banquete”?
5.
Explique
o que é o Mito.
6.
Explique
o mito segundo, Ernest Cassirer.
7.
O
Que são os símbolos? Dê exemplos.
8.
Explique
os significados da palavra cultura.
9.
Quem
nos governa: a natureza ou nossas ideias? Nosso corpo ou nosso pensamento?
Dessa maneira, o que a cultura pode significar?
10.
Por
que o homem não é fruto determinado de seu ambiente?
11.
O
que, em geral, podemos dizer sobre o conceito de cultura?
12.
Explique:
Etnocentrismo, relativismo e alteridade.
13.
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as expressões “Mito”, “Cultura”, “Linguagem”, “Natureza”, “Determinismo” e
“Relativismo”.
Prof. Manoelito Boa Sorte!!!!!!!
muit6o bom
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